Há em Springfield uma pequena estação de rádio em FM
que nas noites de sábado, das seis à meia-noite, pões de lado a habitual
programação clássica e transmite música de big-band nas primeiras horas e depois, mais tarde, jazz. Do meu lado
da montanha só ouvimos estática quando sintonizamos essa frequência, mas na
encosta onde Coleman vive a recepção é boa e, nas ocasiões em que ele me
convidava para tomar uma bebida, aos sábados, todas aquelas delicodoces
melodias de dança que os miúdos da nossa geração ouviam continuadamente no
rádio e tocavam nas jukeboxes, nos anos 40, me chegavam aos ouvidos,
vindas de sua casa, assim que me apeava do carro no seu caminho de acesso. Ele
ouvia-as no volume máximo, não só no aparelho estereofónico da sala mas também
no rádio ao lado da cama, no rádio ao lado do chuveiro e no rádio ao lado doa
caixa do pão, na cozinha. Fosse o que fosse qu estivesse a afazer em casa aos
sábados à noite, e até a estação encerrar à meia-noite – depois dos trinta
minutos rituais de Benny Goodman -, não estava um minuto sequer fora do alcance
auditivo dos aparelhos.
Curiosamente, dizia, nenhuma da música séria que
ouvira durante toda a sua vida adulta lhe tocara na corda sensível da emoção do
modo que a avelha música de swing lhe tocava agora: «Tudo o que há de estóico
dentro de mim se solta e o desejo de não morrer, de nunca morrer, é quase
demasiado grande para ser suportável. E tudo isto», explicava, «por ouvir
Vaughn Monroe.»
Havia noites em que cada verso de cada canção assumia
um significado tão estranhamente momentosos que ele acabava a dançar sozinho o
fozetrote arrastado, leve, repetitivo, banal e, contudo, maravilhosamente útil
para criar ambiente que costumava dançar com as raparigas do liceu de East
Orange, contra as quais comprimia, através das calças, as suas primeiras
erecções significativas. E, enquanto dançava, nada do que sentia, disse-me era
simulado, nem o terror (da extinção) nem o êxtase (das palavras «You sigh, the
song begins. You speak, and I hear violins«). As lágrimas caíam todas
espontaneamente, por muito que pudesse
surpreendê-lo a pouca resitência que tinha a Helen O’ Connell e a Bob Eberly
cantando alternadamente os veros de «Green Eyes», por muito que pudesse maravilhá-lo
o condão de Jimmy e Tommy Dorsey para o transformarem no género de velho
vulnerável que nunca julgara poder vir a ser. «Mas deixem alguém nascido em
1926». Dizia, «tentar ficar sozinho em casa num sábado à noite, em 1998, e
ouvir Dick Haynes cantar “Those Little White Lies”. Deixem-nos fazer isso e
deixem-nos dizer-me, depois, s não compreenderam finalmente a famosa doutrina
da catarse desencadeada pela tragédia.»
Philip Roth em A Mancha Humana
Legenda: Helen
Forrest com a Orquestra de Harry James
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