sexta-feira, 26 de julho de 2024

OS DIAS VISTOS DO CAFÉ DO MONTE

«O tempo tudo muda. Antes de a União Soviética se ter tornado no paraíso dos pobres e oprimidos, o sonho que se acalentava era a América. Fartura de horizontes e de trabalho (que escasseava por cá), cidades e estradas largas e o cinema (ah! o cinema!), cadillacs e arranha-céus desvairados, o progresso a todo o vapor ou, melhor dito, a gasolina, pois que a cada cámone – muito antes dos camónes de Molero, invenção maior de Dinis Machado, esse cometa solitário das letras portuguesas que bem podia ter nascido americano – se atrelava um carro, pelo menos. Dizia-se. E um futuro revolucionário que só mais tarde haveria de ler Babbitt de Sinclair Lewis, desconfiado ainda assim de tanta e tamanha largueza, propunha com pragmatismo que mais sensato seria adiar os cadillacs e reivindicar uma bicicleta a pedais para cada português, era Eisenhower presidente dos states e Américo Tomás ainda ministro da Marinha.»

«Um dia perguntaram-me na América: “Já tem muitos Marc Chagall na sua colecção?”. Coisas de ricos. E, na mesma viagem, o porteiro de um casino sorriu-me, enquanto eu transcrevia para um caderno o horário das frozen margaritas gratuitas: “Are you writing a poem?”, disse ele e eu naquele momento acreditei ter compreendido tudo: a América só podia ser terra de grandes romancistas.»

Ana Cristina Leonardo, de uma das crónicas no Público.

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