«Pode comparar-se um tractorista português a Sir Winston Churchill, que
foi primeiro-ministro de Inglaterra, e tinha a extravagância de charutos,
bebidas e outros prazeres hoje chibatados na praça pública? Eu diria que sim,
se o tractorista português emergir da longa noite que estava mesmo a acabar na
madrugada do dia 25 de Abril de 1974.
Mas antes de darmos essa voltinha de tractor, deixemos entre parêntesis
Churchill, bora lá à América e sentemo-nos com o escritor Truman Capote, de
quem Marilyn Monroe adorava ser confidente. Deliciadamente gay, Capote atraía
as mulheres e lá está uma, em Key West, derretida, a pedir-lhe um autógrafo. O
já bem bebido marido da dama, afrontado pela “frociagginice” de Capote – essa
qualidade que agora o Papa Francisco tornou famosa –, o marido, dizia, veio à
mesa do escritor, tirou para fora aquela ferramenta que, nas calças, um homem
não sabe se há de pôr para a direita ou para a esquerda, e disse: “Já que autografas coisas, autografa-me isto!”
Ora, “espontâneo” era o nome do meio de Capote, que logo disparou: “Oh, autografar não consigo, mas pôr as
minhas iniciais acho que dá!”
Seria Churchill tão espontâneo como Capote? Consta que não, que
agonizava para encontrar a frase certa, até nos discursos, mas quando a
irritação o instigava, a maldade tomava conta dele e feria como um escorpião. À
dama que em público insinuou que era uma vergonha a bebedeira com que ele
estava, logo Churchill esclareceu: “Estarei
desagradavelmente bêbado, milady, tal como a senhora é desagradavelmente feia,
mas amanhã eu estarei sóbrio, enquanto a senhora continuará feia.”
E agora, música para os nossos ouvidos, prestemos atenção a uma lenda
da música clássica do século XX, o maestro inglês Thomas Beecham, a quem
devemos um precioso conselho: “Experimentem
tudo uma vez, menos o incesto e dançar folclore.” Beecham está ali, no
palco, a ensaiar com a orquestra. Mas tem em uma nova violoncelista. O maestro
enerva-se com a interpretação dela e grita-lhe, em registo mozartiano: “Minha senhora, tem entre as suas pernas um
instrumento que é capaz de dar prazer a mil pessoas e tudo o que é capaz de
fazer é arranhá-lo?!”
É altura de subirmos para o tractor: venham dar uma volta com o
seu anónimo condutor. Estamos na madrugada do dia 25 de Abril de 1974 e
andaremos pelas 4:30 da manhã. Já passou um mês do falhado golpe militar das
Caldas e Portugal está uma pasmaceira expectante. Um homem vai no seu tractor e,
de Santarém, começa a ver camiões da tropa, tanques de guerra, uma coluna que
lhe parece infindável. Passam por ele, ronronantes, e vão em direcção a Lisboa.
É, embora ele não o saiba, a coluna militar comandada por Salgueiro Maia, que
irá derrubar Marcello Caetano, e com ele a mais velha ditadura da Europa. O
tractorista não sabe nada disso. Pára o tractor, contempla esses veículos
gigantes que rodam determinados para Lisboa, levanta-se e grita: “Seja lá o que isto for, viva!” Eis o
primeiro slogan do 25 de Abril, uma história que talvez seja só lenda, mas se a
lenda é bonita e merece passar a facto, imprima-se e deixe-se entrar na
história.
O nosso tractorista vale um Churchill e é bem mais prospectivo do que o
grande maestro Beecham. Ou mesmo do que Mark Twain. Enquanto o tractorista de
Santarém ou lá próximo está aberto ao futuro, Twain corria a esconder o seu
humor no passado. Quando lhe perguntaram o que faria se acontecesse o fim do
mundo, disse: “Se o mundo estivesse a
acabar ia para Cincinatti: é que lá tudo acontece 20 anos mais tarde!”»-
Manuel S. Fonseca na sua Página Negra
1 comentário:
Ora aqui está mais um escritor - TRUMAN CAPOTE- que um dos seus livros (A SANGUE FRIO) faz parte da minha lista dos 10 melhores que já li (esta lista é liderada pelo extraordinário "O PROCESSO" do misterioso e grande F.KAFKA.
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