quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

REGRESSO

De repente, ficou sem saber como sair do buraco em que se meteu.

Mark Twain costumava dizer que, quando em dúvida, se deve dizer a verdade.

No seu belo livro, «Vidas Secas», Graciliano Ramos deixou escrito:

Lembrou-se de seu Tomás da bolandeira. Dos homens do sertão o mais arrasado era seu Tomás da bolandeira. Porquê? Só se era porque lia de mais. Êle, Fabiano, muitas vezes dissera: - “Seu Tomás, vossemecê não regula. Para quê tanto papel? Quando a desgraça chegar, seu Tomás se estrepa, igualzinho aos outros”.

Eugénio de Andrade num dos seus textos poéticos:

«Se há na terra um reino que nos seja familiar e ao mesmo tempo estranho, fechado nos seus limites e simultaneamente sem fronteiras, esse reino é o da infância. A esse país inocente, donde se é expulso sempre demasiado cedo, apenas se regressa em momentos privilegiados.»

Mas como é possível, depois de milhões de palavras lidas, vivências várias, ter de ir buscar uma conversa do avô paterno, tida para aí nos finais dos anos 50, em que lhe dizia que odiava os meses de Janeiro e Fevereiro?

«Acabam-se as festas do Natal e ficamos nas sombras de dois meses de tristeza-quase-trevas, restando-nos aguardar os primeiros salpicos da Primavera que há-de chegar!».

 De uma maneira ou de outra, sempre conseguiu ultrapassar este sentimento depressivo, mas os tempos desta quarentena sem fim à vista, já deixara mossas nos anos anteriores, mas agora deixou-se afundar.

Decidiu que durante estes meses, velho sonho, não pisaria uma pedra do Cais.

Tudo muito bonito se não tivesse esquecido que isso mereceria uma palavra de aviso aos viajantes que por aqui passam.

Ao terceiro dia de silêncio, olhou o estupor do disparate em que se enredou e deixou de saber onde as pedras iam cair, tal como canta o Tom Waits.

É por isso que este, é um texto de vergonha: a sua vergonha.

Um texto que não sabe escrever –alguma vez soube escrever o que quer que seja? - porque toda esta situação está envolta num manto desastroso de disparates sem fim.

Sabe que nada, mas mesmo nada, abonará estes parvos dias de silêncio.

Pedir desculpas não chega.

Pois é, seu Sammy, para quê tanto papel se você se estrepa igualzinho aos outros?

Então, presenciou a verdade de toda a lamentável situação, e estremeceu.

Até amanhã!

1 comentário:

Seve disse...

Bem Vindo Caro Sammy.