E mesmo se reduzirmos
o universo da amostra aos apreciadores da música “Country”, talvez só aos mais
fanáticos e conhecedores da sua História o nome diga alguma coisa.
Eu também não quero
estar aqui a pôr-me em bicos dos pés como fazendo parte do grupo dos
“sabichões, porque também só há poucos anos soube quem foi Nudie Cohn, e isto
porque lhe encontrei uma referência no documentário “Gram Parsons: Fallen
Angel”, realizado por Gandulf Henning em 2004.
É, precisamente, a
ligação entre Parsons e Cohn o que me faz vir aqui hoje, mas já lá iremos…
Abreviando,
dir-vos-ei que Nudie Cohn, mais conhecido por “Nudie, the Rodeo Taylor”, foi,
juntamente com Nathan Turk e Manuel Cuevas, um dos principais costureiros que
trabalharam no universo da “Country Music”.
Estão a ver aqueles
fatos muito coloridos e cheios de enfeites que vemos em muitas capas de discos
de música “Country” entre as décadas de 40 e de 70 do século passado…? Muitos
deles foram concebidos e realizados por Nudie Cohn.
Lembram-se daquelas
botas enormes e bicudas, igualmente coloridas e carregadas de enfeites, que podemos
ver em fotografias da mesma época…? Boa parte delas foram desenhadas por Nudie
Cohn.
Estão a imaginar aqueles enormes Chevrolets descapotáveis da mesma época, ornamentados com um enorme par de chifres de búfalo à frente, espingardas de lado e pistolas a fazer de puxador de portas? Foi uma ideia de Nudie Cohn.
Poderíamos ir ainda
mais longe, mas já estou a imaginar muitos de vós a pensarem alto: costureiros
da “Country Music”…!!!??? Agora é que este gajo se passou, de vez….
Mas que querem que
vos faça…?
Nudie Cohn faz parte
da História da “música na América”, que vos tenho andado por aqui a contar a
pedaços, da mesma maneira que Edith Head, Jean Louis, Adrian, Travis Banton ou
Walter Plunkett fazem parte integrante da História do Cinema Clássico Americano.
Sem a intervenção desses costume designers a História não teria sido a
mesma, como bem sabe o meu Amigo João Pedro que há uns bons anos atrás teve a
perspicácia de me oferecer um magnífico livro acerca do “Hollywood Costume”.
Mas já sei muito bem
que, por muito e bom latim que aqui gaste convosco, acabarei sempre a falar
sozinho…
Já cá não está quem
me poderia compreender.
O meu Querido Pai,
claro está…
Se é que alguma vez
não os viu nas suas frequentes ida a Espanha, o que ele não daria para poder pôr
os olhos nos fatos cintilantes de Juan Belmomte, Manolete, Luis Miguel
Dominguín, Manuel Benitez, “El Cordobês”(de quem, aliás, não admirava muito o
estilo…), Antonio Ordóñez ou Paco Camino…
Mas siga a marinha,
portanto…
Nudie Cohn é de
origem ucraniana, onde nasceu em 1902, mas veio para os Estados Unidos com 11
anos, juntamente com um irmão, para fugir à guerra com a Rússia czarista que
então devastava o seu país (já na altura…).
A história da sua
vida nos Estados Unidos é rocambolesca e vou ter de a abreviar porque não se
consegue perceber muito bem onde termina a realidade e começa a ficção. Parece
que foi engraxador de sapatos, boxeur e até se gaba de ter pertencido ao bando
de Pretty Boy Floyd.
Para o que agora mais
nos interessa, ele ter-se-á casado em 1934 e instalado em Nova Iorque com a sua
mulher, dedicando-se ambos à confeção de roupa para senhoras, nomeadamente
artistas de cabaret.
O negócio correu bem
e no início dos anos 40 o casal mudou-se para Los Angeles, instalou-se em North
Hollywood e especializou-se em camisas de estilo “Western”, que era aquilo que
já na altura fazia, com grande sucesso, Nathan Tiurk, outro grande costureiro
da época.
Aos poucos Nudie
foi-se aproximando do mundo do “Country & Western” e parece ter sido Tex
Williams aquele que, pela primeira vez, usou um fato completo por si concebido.
O sucesso foi
imediato e, a partir daí, Nudie não mais teve mãos a medir. Embora tivesse
permanecido sempre muito ligado à música, a sua clientela alargou-se muito para
lá desse universo: gente da televisão, do cinema, políticos (parece que Reagan
era um dos seus grandes clientes…) e por aí fora, todos se pelavam por ter
pendurado no armário lá de casa um ou mais fatos desenhados e executados por
Nudie Cohn. Até Salvador Dali, segundo parece…
Em 1963 mudou-se para
mais amplas instalações e passou a usar o nome pelo qual ficaria mais
conhecido: “Nudie’s Rodeo Taylors”.
Viria a morrer em
1984, mas a família iria prosseguir o negócio durante mais uma década.
Hoje os fatos
concebidos por Nudie estão em museus, são disputados em leilão e valem
autênticas fortunas.
Também se diga que
são de uma perfeição espantosa, e sei do que falo porque tive vários deles
defronte dos meus olhos. Os desenhos são feitos com pequenas pedras a imitar
diamantes (parece que o nome técnico é pedras de “strass”).
Nudie era um
perfecionista e adaptava o conteúdo dos seus fatos à personagem que os iria
vestir. No que respeita aos músicos, parece que chegava a ir assistir aos seus
concertos para se inteirar, verdadeiramente, do ambiente que os rodeava.
Se um cantor tinha
tido um sucesso com uma música alusiva a comboios, ele proponha-lhes um fato
ornamentado com comboios.
Se era um reputado
ator de filmes “Werstern”, lá vinham os vagões, os catos, as pistolas e todo o aparato
mais alusivo ao universo do “Western”.
Deixo-vos alguns
exemplos:
- Um fato branco com notas musicais e botas a condizer, usado por Hank Williams
- Um outro com
lanternas e locomotivas, destinado a Hank Snow
- Um casaco,
enfeitado com guitarras a condizer, usado por Don Gibson
- Um casado e um laço
usado por Hank Thompson
- Um casaco enfeitado
com cartas de jogar destinado a T. Texas Tyler, certamente alusivo
à
irónica “Deck of Cards”
- Um fato com
ornamentos índios destinado a Ray Price
Um fato azul claro
tipicamente werstern style, pertencente a Porter Wagoner
- Um par de botas
usado por Lefty Frizzell
- Finalmente, pormenores de dois fatos, um de Hank Snow e outro de Lefty Frizzel .
Mas tudo isto serviu,
apenas, de introdução, e vamos, então, ao que mais me interessa…
Quando, em Nashville,
visitei o “Country Music Hall of Fame and Museum”, fi-lo a correr porque tinha
chegado muito atrasado e não me restavam mais que duas horas, o que era
manifestamente pouco para tão grande espólio. É claro que poderia voltar lá no
dia seguinte, mas isso iria atrasar imenso todo o meu programa para esse dia,
já de si bastante apertado.
Por outro lado,
confesso também que, em rigor, não fazia a mais pequena ideia do que iria
encontrar nesse Museu. Já visitei museus com o intuito deliberado de ver
determinado(s) quadro(s), mas em museus de música, automóveis, comboios e
coisas do estilo gosto de ser surpreendido e não faço grande investigação
prévia.
Andava a saltitar,
muito à pressa, de vitrina para vitrina ao longo de um imenso corredor quando
de repente, ao longe, julgo ver qualquer coisa que fez, de imediato, o meu
coração começar a palpitar…
Seria ele…?
Seria mesmo possível que fosse ele…?
Em finais de 1968
Gram Parsons, que já era cliente de Nudie Cohn, convenceu os seus parceiros dos
“Flying Burrito Brothers” a usar fatos de Nudie para a capa do primeiro disco
da banda, que seria lançado no início do ano seguinte com o nome de “The Gilded
Palace of Sin”. Essa sessão de fotografias ocorreu num dos locais preferidos de
Parsons nos arredores de Los Angeles – o Joshua Tree National Park – e o
fotógrafo responsável foi Barry Feinstein.
Cada um dos membros
da banda escolheu a cor e os desenhos que entendeu, em total liberdade, mas
Parsons concebeu um fato muito especial...
Já vos disse atrás
que Nudie Cohn desenhava nos seus fatos tudo aquilo que os seus clientes mais
gostassem, ou a que estivessem mais ligados.
Parsons gostava de
música, álcool, mulheres bonitas, drogas e carros velozes.
Mas para o desenho do
fato foi comedido na sua escolha: ficou-se, apenas, pelas mulheres, pelas
drogas, e por outros sinais que podem indiciar fé e paixão.
Em cada lapela do
casaco mandou desenhar uma mulher nua…
Na parte da frente do
casaco folhas verdes de marijuana.
Nas mangas, cápsulas de diversos tipos de estupefacientes.
Nos ombros e na parte
superior das calças, enormes papoilas, que parece ser um dos componentes
naturais de drogas como a morfina, o ópio e a heroína.
Deslizando ao longo
das calças à boca de sino, enormes labaredas vermelhas, que tanto poderiam
simbolizar a Paixão como o Inferno, ou ambas as coisas…
Para culminar, nas
costas do casaco, uma enorme e cintilante cruz em vermelho vivo.
Parece que na loja de Nudie o desenho do fato suscitou um escândalo tal que as costureiras se recusaram a cozê-lo e quem se ocupou disso foi Manuel Cuevas, então genro e braço-direito de Nudie.
E foi este célebre
fato que, inesperadamente, me surgiu diante dos olhos. E, ainda por cima, tendo
a seu lado uma das mais célebres guitarras dos primeiros tempos da
Emmylou Harris, aquela preta com uma rosa vermelha que está na capa de “Blue
Kentucky Girl”.
Não vos estou a falar
de um fato qualquer, mas daquele que é considerado um dos mais icónicos fatos
da história do Pop/Rock e a obra-prima de Nudie Cohn…
Tão icónico como as
calças de cabedal pretas e o grande cinto de fivela redonda do Jim Morrison, o
fato branco que Elvis usou no concerto de Madison Square Garden em 1972, ou
aquele “jumpsuit” de calças em forma de balão que Bowie utilizou numa das suas
encarnações enquanto Ziggy Stardust…
Para quem estiver a
pensar que eu exagero, um crítico do “Guardian” chamou-lhe “o teto da Capela
Cistina dos trajes de cowboy” (the Sistine Chapel ceiling of cowboy
attire *).
A música de Parsons
ficou na História com a designação de “Country Rock”, mas ele preferia
chamar-lhe, simplesmente, cosmic american music. E há quem defenda que o
som dessa música ficará, para sempre, ligado à imagem deste fato, e por isso
lhe chamam cosmic american suit.
Muitos fãs de Parsons
vão ainda mais longe e dão ao fato o nome de “Sin City”, que é o título de uma
das suas músicas mais conhecidas. Na verdade, este fato não tem nada a ver com
aquilo que Nudie tinha feito, até então, para a comunidade “Country &
Western”. Não estão lá as carruagens, não estão lá os catos, não estão lá os
laços de cowboy. O que lá está, bem à vista de todos, é, de facto, o
“pecado”… Mas não se destinava este fato a ser capa de um álbum chamado,
precisamente, “Palácio Dourado do Pecado”…?
Para mim, pouco me
importa o que lhe chamem, mas a verdade é que não consigo pensar em Parsons sem
o ver assim vestido.
Quanto a Parsons, já
falei tanto dele no passado que não me quero repetir.
De que se tratava de
um génio no seu campo, tal como Jim Morrison, não tenho dúvidas nenhumas.
Só ele conseguiria,
apenas através de uma muito curta colaboração, mudar completamente o som
de uma banda que tinha um estilo de música perfeitamente padronizado. Falo dos
Byrds e do seu álbum “Swetheart of the Rodeio”.
Apenas ele, após ter
passado um curto período de férias com os elementos da banda no Sul de França,
conseguiria influenciar a sonoridade de um grupo tão tipificado como os Rolling
Stones. Refiro-me a músicas como “Wild Horses”, “Dead Flowers” ou “Sweet
Virginia”.
Poucos meses antes de
Parsons desaparecer, Budd Scoppa, um jornalista da “Rolling Stone”, foi vê-lo
atuar, acompanhado da Emmylou Harris e dos “Fallen Angels” e saiu
extasiado.
O que então escreveu
foi premonitório:
“That night – for
me, at least – Gram Parsons was transformed into a latter-day Hank Williams: an
innovator still revering the past and proud to be bound to it, an anguished
genius daring to use his pain as the foundation of his art, no matter what the
consequences. He was beautiful, but there was danger in the beauty”.
Tenho a certeza de
que ele gostaria que se lembrassem dele assim: um Hank Williams tardio…
Mas já se sabe…
Acabou triste e
solitário naquele quarto Nº 8 da Joshua Tree Inn, cujo interior já vos dei a
conhecer.
“The Angel who fell
to Earth” voltou a subir aos Céus,,,
PS:
As fotos do fato de
Parsons e do fato azul claro de Porter Wagoner foram tiradas por mim em
Nashville. A foto de corpo inteiro, bem como a foto de Parsons com Nudie e o
desenho “The Angel Who Fell to Earth”, foram retiradas de um número especial da
Revista “Mojo Classic”, dedicado ao “Country Rock”. As restantes fotografias
foram retiradas do catálogo do “”Country Music Hall of Fame and Museum”.
*
As duas citações
foram retiradas de um artigo publicado por Elyssa East na revista “Oxford
American”, de 07/01/2016, que foi um bom auxiliar para a elaboração deste texto
e pode ser encontrado na net.
Texto de Luís Miguel Mira
Sem comentários:
Enviar um comentário