quinta-feira, 7 de julho de 2022

ELE AQUI ESTÁ...!!! "NUDIE'S COSMIC AMERICAN SUIT"


É altamente provável que, de entre os apreciadores da chamada “música popular”, muito poucos sejam aqueles que saibam quem foi Nudie Cohn.

E mesmo se reduzirmos o universo da amostra aos apreciadores da música “Country”, talvez só aos mais fanáticos e conhecedores da sua História o nome diga alguma coisa.

Eu também não quero estar aqui a pôr-me em bicos dos pés como fazendo parte do grupo dos “sabichões, porque também só há poucos anos soube quem foi Nudie Cohn, e isto porque lhe encontrei uma referência no documentário “Gram Parsons: Fallen Angel”, realizado por Gandulf Henning em 2004.


É, precisamente, a ligação entre Parsons e Cohn o que me faz vir aqui hoje, mas já lá iremos…

Abreviando, dir-vos-ei que Nudie Cohn, mais conhecido por “Nudie, the Rodeo Taylor”, foi, juntamente com Nathan Turk e Manuel Cuevas, um dos principais costureiros que trabalharam no universo da “Country Music”.

Estão a ver aqueles fatos muito coloridos e cheios de enfeites que vemos em muitas capas de discos de música “Country” entre as décadas de 40 e de 70 do século passado…? Muitos deles foram concebidos e realizados por Nudie Cohn.

Lembram-se daquelas botas enormes e bicudas, igualmente coloridas e carregadas de enfeites, que podemos ver em fotografias da mesma época…? Boa parte delas foram desenhadas por Nudie Cohn.

Estão a imaginar aqueles enormes Chevrolets descapotáveis da mesma época, ornamentados com um enorme par de chifres de búfalo à frente, espingardas de lado e pistolas a fazer de puxador de portas? Foi uma ideia de Nudie Cohn.


Poderíamos ir ainda mais longe, mas já estou a imaginar muitos de vós a pensarem alto: costureiros da “Country Music”…!!!??? Agora é que este gajo se passou, de vez….

Mas que querem que vos faça…?

Nudie Cohn faz parte da História da “música na América”, que vos tenho andado por aqui a contar a pedaços, da mesma maneira que Edith Head, Jean Louis, Adrian, Travis Banton ou Walter Plunkett fazem parte integrante da História do Cinema Clássico Americano. Sem a intervenção desses costume designers a História não teria sido a mesma, como bem sabe o meu Amigo João Pedro que há uns bons anos atrás teve a perspicácia de me oferecer um magnífico livro acerca do “Hollywood Costume”.

Mas já sei muito bem que, por muito e bom latim que aqui gaste convosco, acabarei sempre a falar sozinho…

Já cá não está quem me poderia compreender.

O meu Querido Pai, claro está… 

Se é que alguma vez não os viu nas suas frequentes ida a Espanha, o que ele não daria para poder pôr os olhos nos fatos cintilantes de Juan Belmomte, Manolete, Luis Miguel Dominguín, Manuel Benitez, “El Cordobês”(de quem, aliás, não admirava muito o estilo…), Antonio Ordóñez  ou Paco Camino… 

Mas siga a marinha, portanto…

Nudie Cohn é de origem ucraniana, onde nasceu em 1902, mas veio para os Estados Unidos com 11 anos, juntamente com um irmão, para fugir à guerra com a Rússia czarista que então devastava o seu país (já na altura…).

A história da sua vida nos Estados Unidos é rocambolesca e vou ter de a abreviar porque não se consegue perceber muito bem onde termina a realidade e começa a ficção. Parece que foi engraxador de sapatos, boxeur e até se gaba de ter pertencido ao bando de Pretty Boy Floyd.

Para o que agora mais nos interessa, ele ter-se-á casado em 1934 e instalado em Nova Iorque com a sua mulher, dedicando-se ambos à confeção de roupa para senhoras, nomeadamente artistas de cabaret.

O negócio correu bem e no início dos anos 40 o casal mudou-se para Los Angeles, instalou-se em North Hollywood e especializou-se em camisas de estilo “Western”, que era aquilo que já na altura fazia, com grande sucesso, Nathan Tiurk, outro grande costureiro da época.

Aos poucos Nudie foi-se aproximando do mundo do “Country & Western” e parece ter sido Tex Williams aquele que, pela primeira vez, usou um fato completo por si concebido.

O sucesso foi imediato e, a partir daí, Nudie não mais teve mãos a medir. Embora tivesse permanecido sempre muito ligado à música, a sua clientela alargou-se muito para lá desse universo: gente da televisão, do cinema, políticos (parece que Reagan era um dos seus grandes clientes…) e por aí fora, todos se pelavam por ter pendurado no armário lá de casa um ou mais fatos desenhados e executados por Nudie Cohn. Até Salvador Dali, segundo parece…


Em 1963 mudou-se para mais amplas instalações e passou a usar o nome pelo qual ficaria mais conhecido: “Nudie’s Rodeo Taylors”.

Viria a morrer em 1984, mas a família iria prosseguir o negócio durante mais uma década.

Hoje os fatos concebidos por Nudie estão em museus, são disputados em leilão e valem autênticas fortunas.

Também se diga que são de uma perfeição espantosa, e sei do que falo porque tive vários deles defronte dos meus olhos. Os desenhos são feitos com pequenas pedras a imitar diamantes (parece que o nome técnico é pedras de “strass”).

Nudie era um perfecionista e adaptava o conteúdo dos seus fatos à personagem que os iria vestir. No que respeita aos músicos, parece que chegava a ir assistir aos seus concertos para se inteirar, verdadeiramente, do ambiente que os rodeava.

Se um cantor tinha tido um sucesso com uma música alusiva a comboios, ele proponha-lhes um fato ornamentado com comboios.

Se era um reputado ator de filmes “Werstern”, lá vinham os vagões, os catos, as pistolas e todo o aparato mais alusivo ao universo do “Western”.

Deixo-vos alguns exemplos:

- Um fato branco com notas musicais e botas a condizer, usado por Hank Williams

- Um outro com lanternas e locomotivas, destinado a Hank Snow

- Um casaco, enfeitado com guitarras a condizer, usado por Don Gibson


- Um casado e um laço usado por Hank Thompson

- Um casaco enfeitado com cartas de jogar destinado a T. Texas Tyler, certamente alusivo à   

  irónica “Deck of Cards”  


- Um fato com ornamentos índios destinado a Ray Price


Um fato azul claro tipicamente werstern style, pertencente a  Porter Wagoner

- Um par de botas usado por Lefty  Frizzell

- Finalmente, pormenores de dois fatos, um de Hank Snow e outro de Lefty Frizzel .



Mas tudo isto serviu, apenas, de introdução, e vamos, então,  ao que mais me interessa…

Quando, em Nashville, visitei o “Country Music Hall of Fame and Museum”, fi-lo a correr porque tinha chegado muito atrasado e não me restavam mais que duas horas, o que era manifestamente pouco para tão grande espólio. É claro que poderia voltar lá no dia seguinte, mas isso iria atrasar imenso todo o meu programa para esse dia, já de si bastante apertado.

Por outro lado, confesso também que, em rigor, não fazia a mais pequena ideia do que iria encontrar nesse Museu. Já visitei museus com o intuito deliberado de ver determinado(s) quadro(s), mas em museus de música, automóveis, comboios e coisas do estilo gosto de ser surpreendido e não faço grande investigação prévia.        

Andava a saltitar, muito à pressa, de vitrina para vitrina ao longo de um imenso corredor quando de repente, ao longe, julgo ver qualquer coisa que fez, de imediato, o meu coração começar a palpitar… 

 Seria ele…? Seria mesmo possível que fosse ele…?

Em finais de 1968 Gram Parsons, que já era cliente de Nudie Cohn, convenceu os seus parceiros dos “Flying Burrito Brothers” a usar fatos de Nudie para a capa do primeiro disco da banda, que seria lançado no início do ano seguinte com o nome de “The Gilded Palace of Sin”. Essa sessão de fotografias ocorreu num dos locais preferidos de Parsons nos arredores de Los Angeles – o Joshua Tree National Park – e o fotógrafo responsável foi Barry Feinstein. 


Cada um dos membros da banda escolheu a cor e os desenhos que entendeu, em total liberdade, mas Parsons concebeu um fato muito especial...

Já vos disse atrás que Nudie Cohn desenhava nos seus fatos tudo aquilo que os seus clientes mais gostassem, ou a que estivessem mais ligados.

Parsons gostava de música, álcool, mulheres bonitas, drogas e carros velozes.

Mas para o desenho do fato foi comedido na sua escolha: ficou-se, apenas, pelas mulheres, pelas drogas, e por outros sinais que podem indiciar fé e paixão.

Em cada lapela do casaco mandou desenhar uma mulher nua…

Na parte da frente do casaco folhas verdes de marijuana.

Nas mangas, cápsulas de diversos tipos de estupefacientes.

Nos ombros e na parte superior das calças, enormes papoilas, que parece ser um dos componentes naturais de drogas como a morfina, o ópio e a heroína.

Deslizando ao longo das calças à boca de sino, enormes labaredas vermelhas, que tanto poderiam simbolizar a Paixão como o Inferno, ou ambas as coisas… 

Para culminar, nas costas do casaco, uma enorme e cintilante cruz em vermelho vivo.



Parece que na loja de Nudie o desenho do fato suscitou um escândalo tal que as costureiras se recusaram a cozê-lo e quem se ocupou disso foi Manuel Cuevas, então genro e braço-direito de Nudie.

E foi este célebre fato que, inesperadamente, me surgiu diante dos olhos. E, ainda por cima, tendo a seu lado uma das mais célebres guitarras dos primeiros tempos da  Emmylou Harris, aquela preta com uma rosa vermelha que está na capa de “Blue Kentucky Girl”. 


Não vos estou a falar de um fato qualquer, mas daquele que é considerado um dos mais icónicos fatos da história do Pop/Rock e a obra-prima de Nudie Cohn…

Tão icónico como as calças de cabedal pretas e o grande cinto de fivela redonda do Jim Morrison, o fato branco que Elvis usou no concerto de Madison Square Garden em 1972, ou aquele “jumpsuit” de calças em forma de balão que Bowie utilizou numa das suas encarnações enquanto Ziggy Stardust… 

Para quem estiver a pensar que eu exagero, um crítico do “Guardian” chamou-lhe “o teto da Capela Cistina dos trajes de cowboy” (the Sistine Chapel  ceiling of cowboy attire *).

A música de Parsons ficou na História com a designação de “Country Rock”, mas ele preferia chamar-lhe, simplesmente, cosmic american music. E há quem defenda que o som dessa música ficará, para sempre, ligado à imagem deste fato, e por isso lhe chamam cosmic american suit.

Muitos fãs de Parsons vão ainda mais longe e dão ao fato o nome de “Sin City”, que é o título de uma das suas músicas mais conhecidas. Na verdade, este fato não tem nada a ver com aquilo que Nudie tinha feito, até então, para a comunidade “Country & Western”. Não estão lá as carruagens, não estão lá os catos, não estão lá os laços de cowboy.  O que lá está, bem à vista de todos, é, de facto, o “pecado”… Mas não se destinava este fato a ser capa de um álbum chamado, precisamente, “Palácio Dourado do Pecado”…?

Para mim, pouco me importa o que lhe chamem, mas a verdade é que não consigo pensar em Parsons sem o ver assim vestido.

Quanto a Parsons, já falei tanto dele no passado que não me quero repetir.

De que se tratava de um génio no seu campo, tal como Jim Morrison, não tenho dúvidas nenhumas.

Só ele conseguiria, apenas através  de uma muito curta colaboração, mudar completamente o som de uma banda que tinha um estilo de música perfeitamente padronizado. Falo dos Byrds e do seu álbum “Swetheart of the Rodeio”.

Apenas ele, após ter passado um curto período de férias com os elementos da banda no Sul de França, conseguiria influenciar a sonoridade de um grupo tão tipificado como os Rolling Stones. Refiro-me a músicas como “Wild Horses”, “Dead Flowers” ou “Sweet Virginia”.  

Poucos meses antes de Parsons desaparecer, Budd Scoppa, um jornalista da “Rolling Stone”, foi vê-lo atuar, acompanhado da Emmylou Harris e dos “Fallen Angels” e saiu extasiado. 

O que então escreveu foi premonitório:

“That night – for me, at least – Gram Parsons was transformed into a latter-day Hank Williams: an innovator still revering the past and proud to be bound to it, an anguished genius daring to use his pain as the foundation of his art, no matter what the consequences.  He was beautiful, but there was danger in the beauty”.

Tenho a certeza de que ele gostaria que se lembrassem dele assim: um Hank Williams tardio…

Mas já se sabe…

Acabou triste e solitário naquele quarto Nº 8 da Joshua Tree Inn, cujo interior já vos dei a conhecer.

“The Angel who fell to Earth” voltou a subir aos Céus,,,

 

PS:

As fotos do fato de Parsons e do fato azul claro de Porter Wagoner foram tiradas por mim em Nashville. A foto de corpo inteiro, bem como a foto de Parsons com Nudie e o desenho “The Angel Who Fell to Earth”, foram retiradas de um número especial da Revista “Mojo Classic”, dedicado ao “Country Rock”. As restantes fotografias foram retiradas do catálogo do “”Country Music Hall of Fame and Museum”.

*

As duas citações foram retiradas de um artigo publicado por Elyssa East na revista “Oxford American”, de 07/01/2016, que foi um bom auxiliar para a elaboração deste texto e pode  ser encontrado na net.  

 

Texto de Luís Miguel Mira

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