Farewell happy fields
where joy for ever dwells: hail horrors…
Milton, Paradise Lost
(Adeus campos felizes; remorsos: adeus.)
vamos os dois ao longo dos dias felizes
conversando e ouço o que dizes
como se quem falasse fosse eu;
(adeus palavras, sonhos de beleza,
montanhas desoladas da infância
donde tudo se via: a alegria
e a cegueira do que não se via;)
vês agora o que eu vejo, a minha sombra
caminhando a teu lado num tempo sem sentido,
quando eu ainda não tinha morrido?
(Adeus perfeição, adeus imperfeição.)
Às vezes pergunto-me se valeu a pena,
se não haveria outra solução,
se não poderia, por exemplo, ter embarcado
num desses barcos que aparecem sempre
milagrosamente na última estrofe,
e se tu não poderias ter ficado
no cais, ou em alguma metáfora mais
imperiosa, partindo também donde te via,
e se assim não teria tudo sido
menos improvável e menos cansativo.
Infelizmente não havia barco onde
coubéssemos eu e as minhas lembranças;
tudo o que havia, tudo o que realmente havia,
a ti o tinha dado
e, dando-to, tinha-to roubado,
e a minha própria morte pairava
entre ti e mim indecisamente,
como uma ideia, não como algo presente.
Agora volto a sítios vastos
uma última vez. Com hesitantes passos
subo as escadas e bato à porta
e tu abres-me a porta mesmo estando morta
e mesmo eu estando morto, como se fôssemos
visitados pelo mesmo sonho.
Manuel António Pina em Poesia Reunida
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