Se eu não morresse
como morreria,
e como responderia
pelo nome que
tivesse?
E quem me chamaria?
Tu não (nem ninguém
antes de mim,
nem depois de mim,
nem a meu lado);
ter-te-ias
demorado,
as filhas teriam
crescido,
os amigos partido,
e quando voltasses
estaria tudo acabado.
A verdade é que eu
já não tinha idade
(nem palavras) para
esperar-te,
começava a fazer-se
muito tarde
e morria sozinho
sem ninguém com quem falar de
mim. Os sonhos da
infância
vagueavam inúteis
pelos cantos
e eu transformava-me
entretanto
em algo parecido
com eles, da mesma substância.
A própria casa era
um erro
grosseiro: não
tinha paredes.
O jardim onde
tantas vezes
florira o meu
desespero
não era real,
era uma coisa
passada;
real era o meu
medo, tão real
que mesmo abrindo
os olhos não passava.
Agora já não tenho
medo, estou deitado
em palavras sem
artifício e sem esplendor
onde fala passando
uma voz anterior.
(Assim morreria
talvez, se não
morresse,
mas como o saberia?
E não o sabendo como o ignoraria?)
Manuel António Pina em
Poesia Reunida
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