AOS MEUS LIVROS
Chamaram-vos tudo,
interessantes, pequenos, grandes,
ou apenas se calaram, ou fecharam os longos ouvidos
à vossa inútil voz passada
em sujos espelhos buscando
o rosto e as lágrimas que (eu é que sei!)
me pertenciam, pois era eu quem chorava.
Um bancário
calculava
que tínheis curto saldo
de metáforas; e feitas as contas
(porque os tempos iam para contas)
a questão era outra e ainda menos numerosa
(e seguramente, aliás, em prosa).
Agora, passando
ainda para sempre,
olhais-me impacientemente;
como poderíamos, vós e eu, escapar
sem de novo o trair, a esse olhar?
Levai-me então pela mão, como nos levam
os filhos pela mão: sem que se apercebam.
Partiram todos, os
salões onde ecoavam
ainda há pouco os risos dos convidados
estão vazios; como vós agora, meus livros:
papéis pelo chão, restos, confusos sentidos.
E só nós sabemos
que morremos sozinhos.
(Ao menos escaparemos
à piedade dos vizinhos)
Manuel António Pina em Poesia Reunida
2 comentários:
Tenho pena de não ter conhecido pessoalmente este grande ser humano.
Sinto a mesma pena porque também não o conheci. Fez toda a sua vida no Porto e só muito tarde começou a publicar a sua obra. Para além de poeta e escritor para crianças, era um notável jornalista.
Conhecer a sua obra é um enriquecimento pessoal que nos leva a concluir que, com gente assim, vale a pena acreditar.
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