sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

SALAZAR CRÍTICO LITERÁRIO



 

De Salazar talvez se possa dizer que sabia de finanças, mas não tinha biblioteca.

Lia uns livros avulso que os ministros lhe levavam quando iam a despacho, passava os olhos pelo Diário de Notícias.

Mas segundo li no JL, deu-se ao cuidado de tecer algo sobre um livro de Ruben A.

«Caiu-me ontem debaixo dos olhos um livro, Páginas II, de Ruben A., que me dizem ser leitor de Português em Londres, escolhido portanto ou patrocinado pelo Instituto de Alta Cultura. Pertence a uma boa família do Porto – Andresen, creio. O livro, ou é de um louco ou de um sujeito que, tendo dinheiro para pagar um livro de dislates, se propôs rir-se de todos nós. Há páginas inteiras completamente ininteligíveis e irredutíveis na análise das regras da gramática portuguesa, recheadas de termos de invenção do Autor e formadas sem tom nem som. Explora-se o reles, o ordinário, o palavreado porco, não só da língua literária, mas do falar corrente.

As porcarias, obscenidades, palavrões juncam o livro. Em certas passagens é chocarreiramente desabrido com os ingleses. Parece-me que o livro pertence a uma onda modernista, e não é um caso para a Censura e para a polícia de costumes. Mas se o autor é leitor em Londres, temos nós de ver o que escreve e como escreve. Em conclusão: o Autor não pode representar Portugal nem ensinar português. Esse é que é o ponto essencial a tratar com o Instituto de Alta Cultura. E já não falo de certas morais ou sexuais do livro se vê que o Autor deve pertencer aí a um círculo de pessoas que a polícia persegue.»

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