E é Natal outra vez. Está sempre a ser Natal, que,
coisa, a velocidade com que os Natais se sucedem.
António de Lobo Antunes Terceiro Livro de Crónicas
E é Natal outra vez. Está sempre a ser Natal, que,
coisa, a velocidade com que os Natais se sucedem.
António de Lobo Antunes Terceiro Livro de Crónicas
No dia 25 de Novembro de 2024, aconteceu na Assembleia
da República um espectáculo grotesco, rasca.
A extrema
direita sempre pretendeu «comemorar» o 25 de Novembro.
Consegui-o este ano.
Com o apoio do PSD.
Foi a 13 de Setembro do passado ano, que a notícia podia ler-se na página 9 do Público:
«O Parlamento aprovou em Junho um
projecto de deliberação do CDS-PP que prevê que este órgão de soberania passe a
assinalar anualmente o 25 de Novembro de 1975, como acontece com o 25 de Abril. A proposta centrista
foi aprovada com os votos a favor de PSD, Chega e IL. Socialistas, bloquistas,
comunistas e Livre votaram contra e o PAN absteve-se.»
A notícia terminava assim:
«O Governo de Luís Montenegro anunciou, pouco depois de tomar posse no início
de Abril, que vai "criar uma comissão
para comemorar, em 2025, os 50 anos do 25 de Novembro"».
Alguns lembretes da tal data que a Maria Velho da
Costa estabeleceu que era UM DIA NÃO:
Melo Antunes em 24 de Novembro de 1975.
«Todos, incluindo
os palermas e ignorantes, têm direito a comemorar o "seu" 25 de
Novembro. Foi para isso que se fez o 25 de Abril."
Sousa e Castro, capitão de Abril, Novembro de 2024.
«As pessoas esquecem-se do clima político da altura e de ter sido um
plenário de trabalhadores do DN que saneou os 24. E, muito antes disso, uma
direcção afecta ao PS tinha saneado, por exemplo, a poetisa Natércia Freire,
responsável pelo suplemento literário do jornal e respeitada à esquerda e à
direita. E depois do 25 de Novembro foram saneados centenas de profissionais da
imprensa, rádio e televisão. Por isso, é melhor não andarmos a atirar pedras,
pois não?»
David Lopes Ramos
«Há algo clarinho como os factos: a consciência de que no dia 25 de Abril de
1974 tudo mudou. O que era ditadura tornou-se projecto de democracia, o que era
silêncio podia ser dito, o que era monólito tornou-se diversidade. Iniciou-se
um processo, que ainda hoje não terminou, porque as democracias estão sempre em
construção, mas a partir dessa data tudo ficou diferente. Tentar apoucar esta
data, fazendo do 25 de Novembro a data da liberdade, é um erro histórico e uma
lamentável forma de tentar dividir em vez de unir.
Que o CDS, que sempre perseguiu essa revisão, o fizesse ainda se consegue
compreender historicamente. Já se estranha que uma força tão nova como a
Iniciativa Liberal consiga equiparar a celebração do 25 de Novembro ao derrube
da ditadura, como fez de forma lamentável o seu líder, mas a IL adora guerras
culturais. Agora que o PSD, com toda a sua responsabilidade política, tenha
proporcionado este palco a André Ventura é algo que se compreende muito mal e
que o irá perseguir durante anos.»
Do editorial de Davis Pontes no Público
de 26 de Novembro de 2024
«Nesses avanços e recuos, o 25 de Novembro foi crucial para travar não uma “ditadura comunista” – o PCP continuou no governo e algumas das mais importantes nacionalizações são posteriores a Novembro –, mas sim o risco de um confronto entre fracções militares que se podia transformar numa guerra civil. Aliás, quando se confronta os defensores da versão “diabólica” do 25 de Novembro com as provas da participação comunista num golpe, não passam da “entrevista” de Cunhal a Oriana Fallaci, que qualquer pessoa que conheça o pensamento de Cunhal, com o que se sabe da estratégia do PCP nesses meses e da posição da URSS, sabe que ele não poderia ter dado aquelas respostas. Acresce que, quando confrontada com os desmentidos à sua “entrevista”, Fallaci prometeu divulgar as gravações, o que nunca aconteceu. O PCP tem muitas culpas no cartório no PREC, mas esta não tem.
Na verdade, os derrotados do 25 de Novembro são, a 25, a ala esquerdista
ligada ao Copcon, que por razões intrinsecamente militares e corporativas sai à
rua, ficando isolada e derrotada. A 26, os derrotados são outros, todos aqueles
que queriam ilegalizar o PCP.»
José Pacheco Pereira
no Público 23 de Novembro de 2024
A partir de 6 de Janeiro, Bernardo Ferrão vai ser o
novo Director de Informação da SIC.
A estação, que de há muito já está volteada para
direita, tentará caminhos de direita extrema?
«É verdade: gosto de me posicionar contra Sartre a favor de Camus. A História viria a dar razão ao segundo e ainda hoje pagamos o preço de não termos dado ouvidos a Koestler. Talvez até aproveite a canícula para ler à noite, quando o cérebro supera da letargia, O Peso da Responsabilidade – Blum, Camus, Aron e o século XX francês de Tony Judt (Edições 70, 2018), ensaio sobre três homens que acabariam renegados pelo seu tempo, um pouco à semelhança do próprio Judt, que não conseguiu escapar ao rótulo de self-hatred-jew.»
Ana Cristina Leonardo, crónica no Público de 28 de Junho.
Aos poucos, vai
ficando claro que a decisão, pelo Tribunal Constitucional, de aceitar a
existência do Chega como partido político, foi um erro.
A democracia tem destas coisas…
Casa Pia Atlético Clube
(1920-1970)
Viriato Camilo
Ilustração da sobrecapa:
Jorge Barradas
Capa; Viriato Camilo
Edição:
Biblioteca-Museu Luz Soriano, Agosto de 1975
Candido de Oliveira é, na sua mais ampla expressão da palavra, um
caracter.
O seu modo afável, atencioso, cavalheiresco, cativa desde os primeiros
momentos, quem tenha o prazer de tratar com ele. De maneiras despretensiosas,
despidas de toda e qualquer vaidade, Candido de Oliveira usa duma modéstia que
vai até à bonomia.
Esta espécie de apresentação que não nos é ditada pelo sentimento de
amizade mas pelo da justiça, só é necessária para aqueles dos nossos leitores
que, de perto, o não conheçam. Para os que tenham privado com ele, a sua melhor
recomendação… é ele mesmo.
Como jornalista desportivo, Oliveira marca também um lugar brilhante… e na linha avançada.
O primeiro-ministro Luís Montenegro, desde São Bento,
falou ao lado de duas ministras e chefes de polícias.
Português que sou, não percebi nada.
Ainda não falei com D. Alfredina, minha porteira.
Legenda: a imagem foi tirada do Diário de Notícias.
Não temos grande apetência por efemérides redondas,
mas esta evocação da morte de Maradona, era para ter surgido ontem, não tivesse
sido um outro 25 de Novembro.
O artigo é do jornalista António Rodrigues e foi publicado no Público.
Maradona e Fidel parasempre tatuados na pantorrilha esquerda do 25 de Novembro.
«Estou aqui a comemorar o vinte e cinco de Novembro porque, antes de
mais, sou dado a comemorações e, além disso, o vinte e cinco de Novembro é o
tricentésimo vigésimo nono dia do ano do calendário gregoriano, o que significa
que é um dia muito importante. Foi neste dia que nasceu Ana de Jesus e faleceu
Pedro Primeiro de Alexandria, portanto não me venham cá com coisas:
comemoremos. Acrescento que devíamos comemorar mais vinte e cincos, pois a soma
de dois com cinco dá sete, e sete é um número mágico. São sete as cores do
arco-íris, os dias da semana, as notas musicais, os mares e os continentes e
muitas coisas mais de insofismável relevância na história da humanidade em
particular e do mundo em geral. Escolhi o álbum “Ser Solidário”, de José Mário
Branco, para comemorar este vinte e cinco de Novembro de dois mil e vinte e
quatro, ano dos meus cinquenta anos, o dobro de vinte e cinco. É uma edição de
que gosto muito, sobretudo porque além das canções tem um tema extra intitulado
“FMI”, que, não por acaso, tem a duração de vinte e cinco minutos. Como vêem, o
vinte e cinco é um número especial. O que seria de nós sem os vinte e cincos?
Eu gosto de ver as pessoas aperaltadas para as comemorações, eles de fato e
gravata, elas de fato cumprido e cabelo arranjado, devidamente maquilhadas,
unhas a preceito, talvez com um blazer à medida e calças a condizer. Com saltos
altos, não muito, o suficiente, quanto baste. Todos maravilhosamente penteados,
excepto os carecas. Toda essa nuvem de perfumes à deriva no ar embriaga-me e
deixa-me tonto de comemorações, dá-me logo para ir para a rua e apanhar um táxi
a caminho do melhor restaurante onde, à mesa, poderei manifestar-me contra as
injustiças do mundo degustando arroz de lavagante com um Château d’Yquem de
1811. Não faço por menos, é para meninos. Portanto, deixem-se de lamentações.
Nenhum de nós tem culpa do estado a que isto chegou, se é que chegou a algum
estado. Estamos bem, muito obrigado, vamos indo, tudo na boa, adiante. Temos de
ser uns para os outros, comemorar, brindar ao bem que fazemos e nos fazem, ao
sucesso e ao empreendedorismo e aos unicórnios e à luz que nos alumia nas horas
adversas, quando nos falta, por exemplo, papel higiénico. Por mim, comemoremos
o de Abril, o de Novembro, o de Dezembro, e de premeio venham daí as sopas dos
pobres, os alojamentos locais, dezassete milhões para matar a fome com
dezassete milhões de pólvora a derrear escolas e hospitais e teatros e outros
castelos de areia. Sou solidário, comemoro, como, não calo, porque a mim
ninguém me cala, eu grito a plenos pulmões: viva a democracia liberal que
devolve pacientes por táxi e lhes cobra a conta, vivam a chaise-longue de Freud
e as foices e os martelos recheados com doce de ovos, viva o amor com que nos
fodemos uns aos outros, desculpem a linguagem, mas se é por bem, é por bem,
viva o fado e o corridinho e as iluminações de Natal a preço de saldo e o
cozido à portuguesa no centro de trabalho e a vida está difícil. Setecentos e
cinquenta mil euros em luzinhas a piscar nas ruas da capital, em honra dos
sem-abrigo disseminados pelos cantos onde dormem e defecam e comem. Que os seus
olhos brilhem de comoção como os meus hoje brilham pelo vinte e cinco, o que me
levará da Praça da Figueira aos Prazeres. Qual é a vossa, ó meus?»
Hoje, imensos jovens não
sabem o que foi o 25 de Abril, muitos mais ainda, não sabem o que foi o 25 de
Novembro.
A história do que foi o 25
de Novembro de 1975 ainda não está feita. Como se diz no Aqui de Setembro de 1976: «houve um golpe. É o mínimo em que há
unanimidade de certezas.»
Diz a historiadora Raquel
Varela, Público 25 de Abril de 2011:
«Embora o encontro entre Álvaro Cunhal e Melo Antunes
a 25 de Novembro esteja documentado, acredito que o acordo tenha
decorrido alguns dias antes do golpe que pôs fim à crise político-militar e
terminou com a duplicidade de poderes nas Forças Armadas. Até porque os Nove
poderiam adivinhar que as unidades militares afectas ao PCP não deixariam de
responder a uma insurreição militar, como acontecera a 28 de Setembro de 1974 e
11 de Março de 1975».
José Saramago que, muito
bem sabia do que estava a falar, disse: «Perdeu-se
em Portugal muita coisa desde o 25 de Novembro. Perdeu-se sobre tudo a
vergonha».
Adelino Gomes no Público de 26 de Novembro de 2000:
«Quem desencadeou o 25 de Novembro? Quem deu ordem aos
páras para ocuparem quatro bases aéreas? Otelo traiu os seus homens ou evitou a
guerra civil? O PCP de que lado(s) esteve? Até onde chegavam as ligações ao
MDLP? Quantos grupos funcionavam dento do Grupo dos Nove? Qual foi a mais
decisiva: a Região Militar do Norte (RMN) ou a Região Militar sw Lisboa (RML)?;
o posto Avançado da Amadora, comandado pelo então tenente-coronel Ramalho
Eanes, ou o Posto de Comando Principal, montado em Belém, e onde ficaram o
Presidente Costa Gomes e o comandante da RML, e Conselheiro da Revolução, Vasco
Lourenço? Quantos 25 de Novembro houve naquele dia?
0 25 de Novembro existiu?
à Alexandra
Dir-te-ão que era o ódio sobre
a paz dir-te-ão
algumas palavras sobre a
pátria. Inventarão heróis
porque de heróis necessita quem teme o canto anónimo
de iguais. Exigirão que apagues os olhos da memória
o grito onde vivemos saudosos do futuro.
Tu saberás porém do coração maior que o sonho.
Dirás dos erros o seu nome de história
onde nada estava feito. Colherás com as mãos
que o sol tocou porque eram limpas e pequenas
essa flor desfolhada às portas de Dezembro.
Manuel Alberto Valente em Os Olhos de Passagem
Hoje apetece que uma rosa seja
o coração exterior do dia
e a tua adolescência de cereja
no meu bico de Isolda cotovia.
Hoje apetece a intuição dum cais
para a lucidez de não chegar a tempo
e ficarmos violetas nupciais
com a lua a celebrar o casamento.
Apetece uma casa cor-de-rosa
com um galo vermelho no telhado
e os degraus duma seda vagarosa
que nunca chegue à varanda do noivado.
Hoje apetece que o cigarro saiba
a ter fumado uma cidade toda.
Ser o anel onde o teu dedo caiba
e faltarmos os dois à nossa boda.
Hoje apetece um interior de esponja
E como estátua a que moldar o vento.
Deitar as sortes e, se sair monja,
Navegar ao acaso o meu convento.
Hoje apetece o mundo pelo modo
Como vai despenhar-se um trapezista.
Abrir mais uma flor no nosso lodo:
Pedir-lhe um salto e retirar-lhe a pista.
Hoje apetece que a cor dum automóvel
Seja o Egipto de novo em movimento;
E que no espaço duma gota imóvel
Caiba a possível capital do vento.
Hoje apetece ter nascido loiro
Como apetece ter havido Atenas;
E tu nas curvas rápidas de um toiro.
E eu quase intangível como as renas.
Hoje apetece que venhas no jornal
Como um anúncio. Sem fotografia.
E inventar-te uma lenda de cristal
Para reflectir a minha biografia.
Natália Correia, de O Sol nas Noites e o Luar nos Dias em Cerejas
Francisco Mota Saraiva é o vencedor do Prémio Literário José Saramago, no valor de 40 mil euros, pelo romance "Morramos ao menos no porto", que chegará às livrarias em 2025.
O autor que já vencera, em 2023 o Prémio
Agustina Bessa-Luís, nasceu em Coimbra no ano de 1988, é licenciado em Direito
com um mestrado em Direito e Gestão.
Gonçalo M. Tavares, no seu Diário que publica no JL, antecedendo a atribuição de mais um
Prémio José Saramago, recorda algumas notas que escreveu sobre a escrita de
Saramago:
«O divertissement implica tempo, claro. Um tempo parado, contemplativo,
contrário ao tempo da aceleração exponencial. E as brincadeiras dos cães
lembraram-me agora uma história. Uma história por demais conhecida. Contava-a
António Alçada Baptista.
Andava o Padre Anchieta
por terras do Brasil. Com pressa no chegar, pede o jesuíta aos índios que lhe
transportam a tralha que sejam despachados no passo. O destino fica longe, a dias
de caminhada. No primeiro dia os índios foram céleres, assim como no segundo.
Inesperadamente, ao terceiro descansaram. Surpreendido, pergunta-lhes o padre
pelo motivo da pausa. A explicação chegou rápida e era simples: “Temos vindo
demasiado depressa e a nossa alma ficou para trás. Temos de esperar por ela
para podermos continuar”.»
Ana Cristina Leonardo numa das suas crónicas no Público
No Pingo Doce da Avenida de Paris, as castanhas cruas estavam a 5, 99 euros o quilo.
Eu lia há muito. Desde que esta tarde
com o seu ruído de chuva chegou às janelas.
Abstraí-me do vento lá fora:
o meu livro era difícil.
Olhei as suas páginas como rostos
que se ensombram pela profunda reflexão
e em redor da minha leitura parava o tempo. —
De repente sobre as páginas lançou-se uma luz
e em vez da tímida confusão de palavras
estava: tarde, tarde... em todas elas.
Não olho ainda para fora, mas rasgam-se já
as longas linhas, e as palavras rolam
dos seus fios, para onde elas querem.
Então sei: sobre os jardins
transbordantes, radiantes, abriram-se os céus;
o sol deve ter surgido de novo. —
E agora cai a noite de Verão, até onde a vista alcança:
o que está disperso ordena-se em poucos grupos,
obscuramente, pelos longos caminhos vão pessoas
e estranhamente longe, como se significasse algo mais,
ouve-se o pouco que ainda acontece.
E quando agora levantar os olhos deste livro,
nada será estranho, tudo grande.
Aí fora existe o que vivo dentro de mim
e aqui e mais além nada tem fronteiras;
apenas me entreteço mais ainda com ele
quando o meu olhar se adapta às coisas
e à grave simplicidade das multidões, —
então a terra cresce acima de si mesma.
E parece que abarca todo o céu:
a primeira estrela é como a última casa.
Rainer Maria Rilke em O Livro das Imagens
Precisamos todos de uma escada de bombeiros. Uma escada que nos coloque acima das tempestades, dos furacões e dos dilúvios. Mas não há escadas para todos e a terra está zangada.
Gonçalo M. Tavares
Cada vez mais curto o naipe de estrelas de Do Fundo do Coração, maravilhoso filme
de Francis Ford Coppola.
Teri Garr partiu a 29 de Outubro deste ano, Raul Julia
a 24 de Outubro de 1994, Frederic Forrest a 23 de Junho de 20123. Resta
Nastassja Kinski.
Muito ao seu estilo, Manuel S. Fonseca lembra Teri Garr:
«Começo esta crónica em regime de pura gatunagem. A frase é de Pauline
Kael e o que Kael disse foi isto: “Esta é a mais cómica, neurótica e
desorientada senhora do ecrã”. Estava a falar de Teri Garr, mulher que eu amei,
de baba e ranho, no “One From the Heart”, do saudoso Coppola.
Mel Brooks, o realizador de “Young Frankenstein”, uma daquelas comédias
que, de tanto nos fazer rir, temos a tentação de desvalorizar, quando a
convidou para o filme, estava cheio de dúvidas que partilhou com Gene Wilder o
actor principal: “Ela é deliciosamente linda, mas será que sabe representar?”
Gene foi cortante: “Who gives a shit?”, que em bom português quer mais ou menos
dizer “Estou-me bem a cagar”.
E agora quero dizer uma coisa elegante. É verdade que Teri Garr tem uma
incrível beleza, mas é uma beleza que, apesar da pele brilhante, apesar do
sorriso radioso, apesar do porém do seu colo suave (e já lá irei), é, dizia eu,
uma beleza que ela embrulha num celofane auto-depreciativo, como se nos
estivesse a dizer “caso não percebam que o melhor de mim tem um sabor de
especiarias e entontece como um dry-martini, então tomem e embrulhem”. Só a
prodigiosa Shirley MacLaine foi capaz de tanto desprendimento: mesmo Nossa
Senhora de Fátima tem a sua beleza em mais auto-estima do que Teri a que Deus
lhe deu.
E voltemos ao colo de Teri Garr. Antes de fazer a audição para o papel
de Inga, a assistente de laboratório de “Young Frankenstein”, Teri olhou-se ao
espelho e viu que o seu peitinho era de relativa irrelevância, atendendo ao que
deveria ser o pulposo seio de que um verdadeiro cientista gosta. “Caramba, não
vou perder o papel por causa das mamas”, pensou. Como é que eu sei que ela
pensou isto? Sei. E ainda estou a ver Teri Garr a caminhar para os armazéns da
Woolworth, onde se não estou enganado comprei um colchão (ou pelo menos uma
almofada) para o minúsculo quarto-kitchenette-wc em que vivi por três meses em
Los Angeles. Saí com um colchão, Teri com lenços e peúgas. Aconchegou tudo sob
o sutiã, em íntimo convívio com o acetinado e túmido da sua natureza (como é
que eu sei? memória minha do fugaz nu com Raul Julia no “Do Fundo do Coração”),
fazendo questão em explicar-nos: “As pessoas espatifam milhares de dólares em
cirurgias às mamas. Por cinco dólares no Woolsworth fiz a minha: foi dinheiro
muito bem gasto”.
Teri começou bailarina nos filmes de Elvis Presley. Foi um cometa a
iluminar cenas de filmes como “Os Encontros Imediatos”, de Spielberg, o “After
Hours”, de Scorsese, o “The Conversation”, de Coppola, o “Tootsie”, de Sidney
Pollack. Sabia dançar – adorei-lhe libidinosamente as pernas no “One From the
Heart” – mas sabia sobretudo enternecer.
Nesse “Do Fundo do Coração” deixa o namorado, o Frederic Forrest,
preferindo deslizar para uma aventura sexy e selvagem com Raul Julia. Um
desolado Frederic vem ao aeroporto para a convencer a ficar: implora, promete e
ela já vai a entrar na manga com o amante, quando, último recurso, Frederic
começa a cantar o “You’re my sunshine, my only sunshine”.»
Frederic canta maravilhosamente mal, um horror de ternura, um
sentimento de perda do quinto dos infernos. Teri pára, no grande plano dela
vemos então um carinho deliciado pela amorosa humilhação daquele homem. Como
quem diz, e não sei se diz mesmo: “Oh, que querido”. E depois continua, em
direcção à aventura, ao lado amante que promete fazer-lhe as coisas, em cima ou
em baixo, que ela anda com vontade de experimentar.
Teri Garr foi agora mesmo lá para cima, experimentar as coisas que já não pode ter cá em baixo.
Terra Sonâmbula
Mia Couto
Capa: Rui Garrido
Editoral Caminho,
Lisboa, Janeiro de 2015
O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar a estrada
permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes
do futuro.
Colaboração de Aida Santos
Temos, porém, de ser honestos. Se o apoio a Israel sempre dividiu a direita, se em certos desmiolados reclamar uma origem judaica mais ou menos longínqua alicerça-lhes não mais do que a ideia bacoca de pertencer ao “povo eleito” – um “privilégio” que ignora os versos esmagadores de Edmond Jabès: “Tive um sonho, Senhor, e no instante em que o vivia achei-o maravilhoso: já não era judeu” –, a verdade é que a esquerda nunca morreu de amores por Israel, excepto talvez no curto período inicial dos kibutzim, nos quais alguns viram a esperançosa reedição dos sovietes operários. Na actualidade, o radicalismo político de Benjamin Netanyahu acaba, afinal, por ser de grande conveniência para quem há muito considera Israel um Estado sem direito a existir.»
Ana Cristina Leonardo da crónica no Público
de 11 de Outubro
Esta mão que escreve a ardente melancolia da
idade
é a mesma que se move entre as nascentes da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra a
sua queimadura desde os recessos negros
onde
se formam
as estações até ao cimo,
nas sedas que se escoam com a largura
fluvial
da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas
e o silêncio todo branco.
Os dedos.
A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua
alumia-se. O mel escurece dentro da veia
jugular talhando
a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se
a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas
obscuras, a lua
tece as ramas de um sangue mais salgado
e profundo. E o marfim amadurece na terra
como uma constelação. O dia leva-o, a noite
traz para junto da cabeça : essa raiz de osso
vivo. A idade que escrevo
escreve-se
num braço fincado em ti, uma veia
dentro
da tua árvore. Ou um filão ardido de ponta a ponta
da figura cavada
no espelho. Ou ainda a fenda
na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaçosa
desarrumação das imagens. E trabalha em ti
o suspiro do sangue curvo, um alimento
violento cheio
da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força
desde a raiz
dos braços, a força
manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda
fechada, a límpida
ferida que me atravessa desde essa tua leveza
sombria como uma dança até
ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum
astro
é tão feroz agarrando toda a carne. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,
arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado
A paixão é voraz, o silêncio
alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem
nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce : eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio
o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.
Herberto Helder em Photomaton & Vox
Estes momentos agora
perigosos, tornar-se-ão, com a entrada de Donald Trump na Casa Branca,
perigosíssimos.
Hoje, não temos bem a
noção como serão esses dias.
As gentes que Trump tem
escolhido para a governação do país, são um verdadeiro susto. Ele não procura
gente competente antes tipos que levam a sua lealdade a fins inexplicáveis.
O embaixador
escolhido para Israel nega a existência da Cisjordânia, dos colonatos e dos
palestinianos. Quem escolheu para a pasta da saúde é um negacionista das
vacinas e um adepto de conspirações várias. Há outros personagens escabrosos,
mas registe-se que Elon Musk, dito o homem mais rico do mundo, um dia após a
vitória de Trump, graças à subida das acções da Tesla, acrescentou quase 20 mil
milhões de dólares à sua fortuna e o mais que ainda há-de arregimentar durante
o trabalho governamental que Trump lhe indicou.
Mudemos um pouco a
agulha e olhemos que o que se passa no Partido Democráico e ficamos a saber não
devia ser uma grande surpresa um Partido Democrata que abandonou a classe
trabalhadora descobrir que a classe trabalhadora o abandonou.
Em artigo publicado
no Público ficámos a saber que Bernie
Sanders, o senador independente do Vermont, responsabilizou o afastamento do
Partido Democrata em relação aos trabalhadores norte-americanos pela derrota de
Kamala Harris nas eleições presidenciais. «Não
devia ser uma grande surpresa um Partido Democrata que abandonou a classe
trabalhadora, descobrir que a classe trabalhadora o abandonou. Primeiro, foi a
classe trabalhadora branca, e agora são os trabalhadores latinos e negros
também. Hoje, enquanto os muitos ricos vivem fenomenalmente bem, 60% dos
americanos vivem salário a salário e temos mais desigualdade de riqueza e de
rendimento do que alguma vez tivemos. Inacreditavelmente, os salários ajustados
à inflação do trabalhador médio norte-americano são hoje mais baixos do que há
50 anos».
Cerejas
Poemas de Amor de autores portugueses antologiados por Gonçalo Salvado
Capa: Desenho de José Guimarães
Editorial Tágide, Fundão, Junho de 2004
Quando François
Mitterrand instalou pela primeira vez (e última) o socialismo no trono de Deus
(o do poder) pediu a Barbara Hendrix para cantar a mítica canção da Comuna, «Le
temps des cerises». Quer dizer, o tempo da esperança e da felicidade quem com
candura e fervor populares, o primeiro povo de esquerda tirou do seu coração.
Mais lírica do que revolucionária, a canção popular instalou na memória o fruto
de Maio em vez da rosa de todas as estações. E aí ficou, pois ainda há pouco
mais de vinte anos o último «socialista» do Ocidente se lembro dela para
símbolo de uma vitória destinada a celebrar uma alegria comum e tão plural como
a da pouca aristocrática cerejeira.
Esta metamorfose
do trivial em fraternal, do fruto que não extingue a sede nem a fome, mas
apenas as decora, como a guirlanda que as raparigas outrora convertiam em
brincos, foi sol de pouca dura. Politicamente, o tempo das cerejas parecia
fadado para a nostalgia como o da hora que inventou a canção e a sua música.
Mas como a da cerejeira é uma nostalgia futurante, casa Primavera no-la traz de
volta. Era assim também no tempo de Tchekov e contudo ele converteu o «cerejal»
no mais nostálgico dos jardins. O tempo do cerejal não é o das cerejas e da sua
gloriosa trivialidade. É o da sua flor tão onírica como a das amendoeiras. A
Tchekov não lhe lembrava a neve, que o não precisava, mas só o tempo frágil de
um Maio tão magicamente florido como logo sumido no esplendor do tempo e do
Verão. O tempo das cerejas é o que fica connosco, o que se guarda nos olhos e
na boca e do Verão. O tempo das cerejas é o que fica connosco, o que se guarda
nos olhos e na boca e não precisos de ser lembrado. O tempo das flores do
cerejal é o que se está esquecendo de nós enquanto contemplamos a sua
evanescente realidade cor-de-rosa que é só rosada aurora sem crepúsculo. É
essa, afinal, aquela que a canção evocava. Entre a flor e o fruto a vida passa
sem se despedir. A nossa, claro.
Texto de Eduardo Lourenço
Ao ler Vemo-nos em Agosto de Gabriel García Márquez
encontramos Van Morrison a entrar num convento.
A filha Micaela namorava com um músico de jazz. Ana
veio a saber que os telefonemas internacionais não eram para o namorado-músico
mas sim para uma catequista oficial das Carmelitas Descalças.
«O destino da filha resolveu-se com
facilidade e sem pressa. Despediram-se dela com um serão íntimo, para o qual
convidaram o músico de jazz com a sua nova namorada. Doménico e ele
improvisaram uma revisão muito pessoal dos contrastes para piano e saxofone de
Béla Bartók e todos se tornaram amigos à primeira vista.
Entregaram-na às Carmelitas descalças na missa ordinária do convento. Ana Magdalena vestiram-se como para um funeral, mas Micaela chegou com uma hora de atraso e sem ter dormido, com o hipil da mãe, os seus eternos sapatos de ténis, uma mala com os seus artigos de higiene pessoal e um álbum de Van Morrison que lhe tinham oferecido à última da hora.»
Urbano Tavares
Rodrigues
Colecção Século XX n
º328
Publicações
Europa-América, Lisboa, 1991
Vejo-o partir, tão ligeiro. Que se passa? É como se o mundo para ele,
apesar de ser quase Inverno, se enchesse subitamente de luz. A rua, as pessoas,
o rio do tânsito, tudo a palpitar, alterando o giro do tempo? Não sei.
Realmente, não sei. É verdade que ele me comove. Mas por detrás deste momento, em que um grão de esperança se acende, há tanta vida cansada, apodrecida, tanto gesto excessivo, irrepetível. Dos esconsos da cidade, do rio, do cais, ou do mais fundo de mim vem soprando um subtil cheiro a morte e a nunca mais. Todavia…
Um, ou os dois, não deveriam ter telefone.
A Biblioteca da Casa não tem um único livro do poeta.
Mas pela casa existe esse maravilhoso Com que Voz em que Amália Rodrigues,
pela mão mágica de Alain Oulman, cantou poetas portugueses e Pedro Homem de
Melo, com dois poemas, está representado.
HAVEMOS DE IR A VIANA
Entre sombras misteriosas
em rompendo ao longe estrelas
trocaremos nossas rosas
para depois esquecê-las.
Se o meu sangue não me engana
como engana a fantasia
havemos de ir a Viana
ó meu amor de algum dia.
Partamos de flor ao peito
que o amor é como o vento
quem pára perde-lhe o jeito
e morre a todo o momento.
Se o meu sangue não me engana
como engana a fantasia
havemos de ir a Viana
ó meu amor de algum dia
ó meu amor de algum dia
havemos de ir a Viana
se o meu sangue não me engana
havemos de ir a Viana.
Ciganos, verdes ciganos
deixai-me com esta crença
os pecados têm vinte anos
os remorsos têm oitenta.
CUIDEI QUE TINHA
MORRIDO
Ao passar pelo ribeiro
Onde, às vezes, me debruço
Fitou-me alguém corpo inteiro
Dobrado como um soluço
Pupilas negras tão lassas
Raízes iguais às minhas
Meu amor, quando me enlaças
Por ventura as adivinhas
Meu amor, quando me enlaças
Que palidez nesse rosto sob o lençol de luar
Tal e qual quem ao sol posto
Estivera a agonizar
Deram-me então por conselho
Tirar de mim o sentido
Mas, depois, vendo-me ao espelho
Cuidei que tinha morrido
Cuidei que tinha morrido!
«A Celeste dos Cravos, apesar da idade avançada, não recusava
solicitações para partilhar a sua história, para participar em comemorações da
Revolução de Abril. Foi assim até este ano, quando se celebram os 50 anos de
Abril: esteve no mar de gente que desceu a Avenida da Liberdade, na sua cidade
de Lisboa, mas também fez questão de estar na Festa do «Avante!», a realização
anual do seu partido, o PCP.
Celeste Caeiro nasceu em Lisboa, em Maio de 1933, cidade onde trabalhou
viveu grande parte da sua vida. De origens humildes, na manhã de 25 de Abril de
1974, com 40 anos, saiu de casa no Chiado, onde vivia, com a sua mãe e a filha
ao seu cuidado, rumo ao restaurante onde trabalhava, no edifício Franjinhas, na
Rua Braancamp. Nas palavras de Celeste, «a casa fazia um ano nesse dia, os
patrões queriam fazer uma festa e o gerente comprou flores». Com as operações
dos capitães de Abril em curso ali ao lado, o restaurante não chegou a abrir e
Celeste levou os cravos no caminho de volta a casa.
Foi já no Chiado que se deparou com os veículos militares que rumavam
ao Quartel do Carmo, para deter Marcelo Caetano. Foi isso que lhe explicou o
jovem militar (que, para seu desgosto, Celeste nunca voltou a encontrar) a quem
perguntou o que se passava. «Isto é uma Revolução!», acrescentou, no relato da
própria Celeste, a que se seguiu o pedido de um cigarro. Celeste não fumava, a
tabacaria estava fechada, mas a sua gratidão para com aqueles jovens que
protagonizavam a libertação de 48 anos de fascismo levou a oferecer-lhes o que
tinha: os cravos vermelhos que acabaram nos canos das espingardas. Com o seu
gesto carregado de simbolismo, Celeste Caeiro deu expressão à adesão popular às
acções do Movimento das Forças Armadas, naquele mesmo dia, e que viria a ser
sintetizado na fórmula «Aliança Povo-MFA».
«Correu tudo muito bem. Tinha de correr, pois os cravos estavam nas espingardas e elas assim não podiam disparar...», contou sobre o dia em que o País se libertou da ditadura fascista. Celeste Caeiro faleceu hoje, aos 91 anos.»
Texto copiado de Abril, Abril
Mia Couto
Capa: Rui Garrido
Editorial Caminho, Lisboa, Fevereiro de 2015
Diante do amor ela arrepiou o coração: não tenho asas para tanto
paraíso!
Colaboração de Aida
Santos
Camilo Castelo Branco
Parceria António
Maria Pereira, 1945
As lágrimas da fé, se Deus não existisse, fariam comover o Nada.
Maria da Piedade e a mãe de Álvaro choraram prostradas à cruz de Jesus
Cristo. Pediram a saúde do filho e do irmão, abraçadas aso pés do Redentor.
Álvaro restabeleceu-se.
Foi a felicidade que o salvou? foi aquele amor de irmão amor indefinível
e santíssimo que o distraíu da ideia da morte, e o encheu de forças vitais que
que a ciência nega ao milagre e concede ao mistério?
Wu, espírito apoucado, tenho a audácia de me erguer até Deus, e não faço grande conta das ciências médicas quando me não dizem porque processo fisiológico se salvou o enfermo que elas me asseveraram moribundo.
A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita
Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará
Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento
A terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rosto
Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento
E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada
Sophia de Mello
Breyner Andresen de Geografia em Cem Poemas de Sophia
O prazer é sempre mais intenso quando existe o prazer
da partilha.
Alfredo Saramago em Os Prazeres
Legenda: fotografia de Luís Eme em Largo da Memória
É este o anúncio:
[LUÍS DE STTAU MONTEIRO]
ilust. Luís Osório
Lisboa, 1971
Edições Ática, S. A. R. L.
1.ª edição (em livro)
195 mm x 181 mm
136 págs.
ilustrado
exemplar estimado, pequeno restauro na contracapa;
miolo limpo
35,00 eur (IVA e portes incluídos)
Entre 1969 e 1980, primeiro no suplemento «A Mosca» (Diário de Lisboa) e, depois do 25 de Abril, n’O Jornal, este alterego traquina e desbocado de Sttau Monteiro não deu tréguas ao Portugal sensaborão e reaccionário, em crónicas fingidamente pueris, curtas e demolidoras dos poderes vigentes. Aqui reunidas, temos apenas uma amostra dentre elas, publicadas durante os anos 1969-1970; uma segunda série virá a lume, nas edições em livro do semanário O Independente, por mão de Vasco Rosa / Helena de Gubernatis, somente em 2004.
pedidos para:
pcd.frenesi@gmail.com
telemóvel: 919 746 089 [chamada para rede móvel
nacional]
Um livro interessante que colocou, na mais que cinzenta primavera de Marcelo Caetano, um toque de humor e crítica aos quotidianos que nos assistiam, em redor de redações escolares de uma moça moradora no Largo da Graça.
Ou como se lê na contracapa: «A condição humana vista
através do incisivo humor duma pequena personagem encantadoramente maliciosa e
irreverente que observa, comenta, vibra – e faz vibrar quantos a conhecem.»
Começa assim:
«Ora cá estou eu Guidinha em tudo menos nos papéis
porque nos papéis sou Margarida Peixoto para falar dos homens pais que são os
homens piores que eu conheço são tão ruins que eu tenho pena de ter Mãe e Pai
antes queria ter duas Mães eles são tão ruins que até fingem que a gente não
existe quando eu ando na escola a escrever os nomes dos namorados das vizinhas
nas paredes sim que não segredo nenhum toda a gente sabe que a D. Mécia do
segundo anda embeiçada pelo careca da sapataria aparece sempre alguém que
pergunta «pst ó menina quem são os seus pais?» o que eu queria dizer é que
ninguém me pergunta «pst ó menina quem são as suas Mães»?
As redacções da Guidinha foram publicadas por Luís de Sttau Monteiro no suplemento A Mosca no Diário de Lisboa. de 1969 a 1970.
Legenda:
pormenor da capa das Redacções da Guidinha, ilustrada por Luís Osório.
«Em «Simetrias — os 5 actos nos filmes de John Ford», Paulino Viota elogia os textos de Javier Marías sobre o realizador americano. Como estou sempre na disposição de me desviar do caminho traçado, fui procurá-los.
O que Marías escreveu sobre o olhar de John Wayne depois de beijar Maureen O’Hara no cemitério é formidável (El reino de la posibilidad, El País Semanal, 16 de março de 2014). Eles estão encharcados pela chuva e colados um ao outro e apaixonados, sim. Mas há uma certa gravidade nos olhos de Wayne — como se tivesse encontrado e perdido não se sabe o quê nesse preciso instante —, qualquer coisa que é quase uma tristeza (uma tristeza doce, diria Walser).
Através desse olhar, percebemos como são complicadas as relações entre homens e mulheres.
Como nos filmes Passion, de Godard.
Ou em Onde Jaz o teu Sorriso?, quando Danièle
(que é uma verdadeira mulher de Ford, como todas queremos ser) diz: Sicilia!... se nos apaixonámos e nos
apeteceu fazer o filme foi porque, em 1972, quando andávamos por Itália, à
procura de lugares para filmar Moisés e Aarão, que rodámos em 1974, fizemos
30 000 quilómetros a passo de caracol e, um dia, em cima de uma ponte, dissemos
um para o outro: «que cheiro tão estranho, não é desagradável, mas é muito
intenso, que será?» E vimos quintais de laranjas despejadas num rio. Isso
ficou-nos cá dentro e quando lemos o início de Conversazione in Sicilia, veio-nos à ideia, como uma recordação
muito forte. Dito isto, como é que um homem e uma mulher fazem para aguentar...
é a palavra certa — AGUENTAR — juntos?
Também tem a ver com as laranjas no
rio...»
Cristina Fernandes em Bicho Ruim
Antologia Poética
Vitorino Nemésio
Introdução: Vasco
Graça Moura
Capa: Rochinha Diogo
Círculo de Leitores, Lisboa, 1988
Five O’ Clock Tea
Eu canto o chá das cinco que minha Mulher ofereceu,
Às seis da tarde, ao longo da barra azul da sala,
Àquela senhora inglesa que o Outono nos adiantou,
Tão distinta, discreta, boa e doce.
Naquela cadeira exposta ali na sala aos destinos
Das pessoas que vão entrando;
Aquela senhora de modos tão finos
E de dentes brancos onde já um ramo de tempo deita
sombra;
Aquela senhora, ali, inglesa, no seu vestido de miosótis,
De que não me atrevo a pedir ramo algum
Enquanto bebo o meu chá, ao lado dela, pensando
Em tanto miosótis que tenho visto e me tenho acanhado
de pedir ―
Ou por não ser tempo de miosótis e ficar feio andar augado,
Ou por não haver outra coisa nos jardins senão miosótis
e não me apetecer, francamente…
E assim, imobilizado o meu pálido yes
E falando francês àquela senhora inglesa,
Eu canto o chá dourado que minha Mulher lhe oferece ―
Minha Mulher, que não é inglesa mas gosta de pessoas
de Inglaterra,
E pôs a barra azul na sala, por poesia,
E escureceu os móveis numa tarde toda dourada
Em que mais triste se sentia.
A senhora inglesa,
Que uma amiga nossa que já esteve em Inglaterra nos
trouxe para este dia;
A senhora inglesa dos olhos claros;
A senhora inglesa que só disse palavras correctas, coisas
correctas,
E insinuou, na tarde, uma sinuosidade e uma harmonia
Só com o seu sim ou o seu não,
O seu braço longo, desistido, inapetente, mas belo
Precisamente porque é já o braço para o neto esfregar
as gengivas
E roer e rir, e rir e roer, meses depois de nascer,
Como um belo guizo de oiro que só mesmo feito em
Inglaterra!
O braço que não ocupa lugar e mede pela asa da chávena
(À distância a que a senhora inglesa a põe nos seus
dedos como asas)
O abismo que vai da senhora inglesa a um lugar
da Inglaterra,
E desta hora do chá a uma outra hora lá dela,
Íntima, doce, única, rara, ampla, esquecida,
Que não existiu talvez senão para ser lembrada
Em minha casa, esta tarde, e a comer short-bread -
Que é assim a vida…
Algo temos como certo:
os estilhaços da eleição de Trump vão cair um pelas partes do mundo e,
principalmente, coloca esta frágil Europa, que já há algum muito tempo anda em
tempo de parto que fomos, ou deixámos (des)construir.
Harris, em lugar de se tentar distinguir como implacável promotora pública que mandava resmas de homens maus para a prisão, tipo heroína bidimensional da Marvel, podia ter construído uma figura apaixonada pela justiça ao ponto de ter uma moral e uma sinceridade suas. Poderia ter manifestado um ideário justo, esperançoso, com valores progressistas e sarapintado de utopia. Se no cômputo geral isso lhe traria mais ou menos votos, fica por saber. Uma vantagem seria certa: todos estaríamos hoje mais preparados, unidos, animados e inspirados por uma “agenda” capaz de enfrentar o que aí vem. Por mim, não se arreda o pé; seja na América ou na Câmara de Loures.»
1.
Na zona euro o património médio das famílias é de 434 mil euros enquanto em Portugal é de 295 mil euros. Por cada 100€ de rendimento disponível, as famílias portuguesas poupam apenas 8€, valor que compara com 13€ de média na União Europeia.
2.
Mais de 12 mil crianças não têm gagas no pré-escolar.
3.
No turismo algarvio 90% da mão-de-obra imigrante é do Brasil, India e Nepal.
De Janeiro a Agosto de 2024, as contribuições dos imigrantes para a Segurança Social já somaram 2198 milhões de euros. E, em prestações sociais – subsídios de desemprego, prestações familiares ou de parentalidade, as mais comuns entre estes cidadãos – os estrangeiros só receberam cerca de 380 milhões de euros. Ou seja, o saldo positivo, nestes oito meses – de 1818 milhões de euros – é quase o mesmo que as suas contribuições ao longo de todo o ano de 2022. Os dados, fornecidos ao Público mostram ainda que em 2024 são as mesmas cinco nacionalidades que mais contribuem para a Segurança Social: brasileiros, indianos, nepaleses, cabo-verdianos e espanhóis. Nestes oito meses de 2024, os brasileiros foram os maiores contribuintes, o que não surpreende, dado que representam a maior comunidade de estrangeiros (são 35% do total de imigrantes): contribuíram com 824,5 milhões, ou seja, 37,5% do total. De seguida foram os indianos, com quase 145 milhões (estes cidadãos representam apenas 4,2% da população estrangeira). Depois, em terceiro lugar no topo das contribuições, ficaram os cidadãos do Nepal, com 93,147 milhões (são quase 3% dos estrangeiros), os de Cabo Verde, com 83 milhões (são 4,68% dos estrangeiros), e os de Espanha com 70 milhões de euros (são quase 2% dos estrangeiros).
4.
Susan Sarandon nunca deixou o activismo
político de lado, mesmo que este pudesse entrar em conflito com a sua carreira
de actriz. Sempre deixou a sua postura política evidente, o que culminou na sua
expulsão da agência que a representava.
Depois dos seus
comentários, a favor da causa Palestina, em Novembro de 2023, corre o sério
risco de não voltar a trabalhar em Hollywood.
Nunca pensem que Hollywood gosta do cinema, apenas se interessa por dinheiro.
5.
Um menino de seis anos morreu depois de ter sido atacado pela cadela de raça rottweiler do avô paterno, em Chaves.