A afirmação de
que a escritora Isabel da Nóbrega, então companheira de José Saramago, o ensinara
a comer de faca e garfo, tal como se pode ler em Rota de Vida, é
daquelas que nos levam a pensar em que mundo vive determinado tipo de gente.
«Se não fosse a Isabel, quem seria o
Saramago, que nem sabia comer à mesa?»
O arrepiante depoimento
de um tal Carlos Leça da Veiga…
Qual a
importância do pormenor?
Que ganho a escrita
de Saramago teve pelo facto de ele saber comer à mesa?
Entristeço-me com
estas miudezas, dano-me…
Que dirão essas
excelsas-pessoas-tão-bem-educadas, quando José Saramago, no 2º volume dos Cadernos
de Lanzarote, revela que frequentou a Sopa dos Pobres, na Avenida Almirante
Reis, frente à Igreja dos Anjos?
Saberão o que é
a Sopa dos Pobres?
Sabem com toda a
certeza, mas não conseguem interiorizar que um Nobel da Literatura por lá tenha
passado.
Já por aqui
reproduzi esse passo dos Cadernos, mas volto a repetir:
«Num artigo de Ângela Caires publicado na Visão, sobre António
Champalimaud, leio que o tio Henrique Sommer, em carta com valor testamentário
dirigida às manas Albana e Maria Luísa, lhes recomendava que não se esquecessem
de distribuir, pelo Natal, dois contos de réis à Sopa dos Pobres da Freguesia
dos Anjos, de Lisboa. Naturalmente, o generoso Sommer (que em glória esteja)
desejava que não sofresse mudança, depois do seu passamento, a beneficente
prática que instituíra.
Quem poderia imaginar que esta informação, escrita ao
correr da pena, viria lançar uma luz nova sobre a minha biografia secreta? De
facto, não foram poucas as vezes, no tempo da adolescência, que ocupei um
envergonhado lugar na fila de aspirantes à sopa e ao quarto de pão que se
serviam naquele atarracado e soturno edifício fronteiro à Igreja dos Anjos…
Mais ou menos por essa altura devo ter aprendido na aula de Física e Química da
Escola Industrial Afonso Domingues o princípio dos vasos comunicantes, mas só
hoje é que consegui perceber, sem reservas mentais nem dúvidas formais, como se
efectua a transmissão da riqueza e do bem-estar dos que estão em cima para os
que estão em baixo, do conto de réis para o quarto de pão, da fartura para
falta. Por muitos que fossem os seus pecados, Henrique Sommer nunca ficaria no
inferno, sempre haveria uma concha da sopa para o tirar de lá…»
1 comentário:
Que pobreza mental, a de certa gente!
Enviar um comentário