Inevitavelmente, em
Rota de Vida teria de ser abordado o facto de José Saramago, enquanto crítico
da Seara Nova, ter escrito da sua admiração pela prosa de Agustina Bessa-Luís.
Aqui no Cais, sobre
este assunto, podem ver a etiqueta José Saramago Crítico na Seara Nova.
Mas peguemos, a págs,
140, no que Joaquim Vieira escreve:
«Saramago ousou enaltecer
a escritora na crítica que produziu ao livro, escrevendo:
«Algumas das ideias de Agustina Bessa Luís não se limitam a ser
conservadoras: são retrógradas. Repugnam a um nosso deliberado amor de
claridade, de abertura para o inteligível, de definição e construção de um
sistema de relações em que a magia não seja utilizada como meio (entre tantos)
de dominação de classe. Mas… como é possível, resistindo e opondo-nos embora no
plano das ideias e da sua prática, não ser submergido pela beleza torrencial
desta escrita, que não tem igual na literatura portuguesa deste tempo? Como é
possível ficar indiferente a certas bruscas iluminações que vão mais longe e
mais fundo, no sentido do conhecimento de si e do outro, que todo o material de
análise que comumente manuseamos? Como é possível não reconhecer e declarar que
se há em Portugal um escritor onde habite o génio (vá esta palavra, ainda que
perigosa e equívoca) esse escritor é Agustina Bessa Luís»
A reacção veio pela
pena de José Gomes Ferreira, que, no registo diarístico Dias Comuns, escreveu
indisposto, na entrada de 22 de Janeiro de 1968: «Quase
todos os críticos têm chamado génio a Agustina Bessa-Luís (verdade seja que
alguns depois se arrependem; Gaspar Simões, Óscar Lopes, José Régio, sei lá
quantos).
Agora, chegou a
vez ao Saramago.» Estava registado o aviso para a hipótese de uma precipitação,
e embora os diários de Gomes Ferreira só viessem a ser publicados muito mais
tarde, o recado pode ter circulado nas tertúlias da baixa lisboeta, não sendo
difícil ter chegado aos ouvidos do crítico. O facto é que, meio ano depois,
Saramago seria bem mais comedido, e até distante (quiçá arrependido?), ao
escrever sobre a última obra de Bessa-Luís:
«Homens e
Mulheres seria um grande romance (digamo-lo assim para simplificar) se não
fosse uma repetição, uma glosa de livros anteriores. Bessa-Luís tem no seu
universo próprio. Dentro dele, move-se como rainha. Ou deusa, para os seus
fanáticos. Sendo ou não sendo o maior escritor de hoje, é certamente o que
melhor domina e molda o barro da língua, aquele em cujo estilo há mais
profundas ressonâncias (…) Mas Bessa-Luís tem (a frase é velha, mas cabida) os
defeitos das suas virtudes. Afoga-se e afoga-nos na sua exuberância, não escolhe,
não elimina. Aceita tudo quanto vem, trigo nutriente ou palha miúda. Põe o seu
nome no fim, é quanto lhe basta. Perigosa atitude. Porque Agustina Bessa Luís
corre o risco muito sério de adormecer ao som da sua própria música.»
E depois haveria
ainda a necessidade de conciliar e encaixar tudo isto com a assunção feita no
escrito anterior:
«Lemos Agustina
Bessa-Luís com prazer (fatigado, às vezes r proveito (malogrado, quando calha),
e em paz com a nossa consciência repetimos que «se há em Portugal um escritor
onde habite o génio, esse escritor é Agustina Bessa-Luís», mas acabaremos por
achar mal aproveitada tanta beleza plástica, tanta profundidade, tão aguda
frecha analítica – na dispersão confusa, quando não incoerente e desmanchada,
das suas crónicas de família. (…) Agustina Bessa-Luís devia ser menos que os
seus livros – ou eles mais do que ela. Não há outra maneira de sair da
província. E o génio (se não é confiado dizê-lo), é um meio, não um fim.»
Joaquim Vieira
regista que Saramago talvez se tenha arrependido do que, inicialmente, escrevera
sobre Agustina.
Em Julho de
1994, José Saramago reconhece que, enquanto crítico na Seara Nova, não cometeu
erros, nem injustiças, de grande tomo. A excepção é a crítica que fez a O
Delfim de José Cardoso Pires: «onde teria eu a cabeça?»
«Agora eis-me perante os fantasmas de opiniões que
expandi há quase trinta anos, algumas bastante ousadas para a época, como dizer
que Agustina Bessa Luís “corre
o risco muito sério de adormecer ao som da sua própria
música”. Apesar da minha inexperiência, e quanto sou capaz de recordar, creio
não haver cometido grossos erros de apreciação nem injustiças de maior tomo.
Salvo o que escrevi sobre “O Delfim” do José Cardoso Pires: muitas vezes me
tenho perguntado onde teria eu nesse momento a cabeça, e não encontro resposta…»
Em Cadernos de Lanzarote, Volume II
Legenda: páginas 244 e 245 da Seara Nova nº 1473, Julho de 1968 onde consta a crítica de José Saramago a Homens e Mulheres de Agustina Bessa-Luís.
Legenda: páginas 244 e 245 da Seara Nova nº 1473, Julho de 1968 onde consta a crítica de José Saramago a Homens e Mulheres de Agustina Bessa-Luís.
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