Carta, datada de
18 de Janeiro de 1959, de Jorge de Sena para António Ramos Rosa.
Sena informa que
envia um poema para ser publicado nos Cadernos do Meio-Dia, publicação não
periódica dirigida por António Ramos Rosa, Casimiro de Brito, Fernando Moreira
Ferreira e Hernâni de Lencastre.
«Dos meus livros, só está esgotado Perseguição, embora
os outros tenham levado mais ou menos sumiço, e eu não possua controlo da
situação em que eles se encontram. Coroa
da Terra foi editado por Lello & Irmão e ainda há alguns exemplares, que
eu saiba. Juntamente lhe envio o exemplar da minha mulher para V. copiar dele o
que quiser e mo devolver. Se a a minha vida não fosse uma dificuldade, teria o
maior prazer em comprara um para lho oferecer
Quanto à
revista em que me fala, pela mesma razão não posso assiná-la. E colaborar
regularmente também não posso prometer, esmagado como ando de encargos e
compromissos.
Aqui lhe mando copiado o poema que me pede e é dos que
não tiveram lugar em Fidelidade.
Se possível gostaria de ver uma prova dele.
Abração com muita e grata estima o seu camarada
JORGE DE SENA
P.S. – O exemplar da Coroa, além do valor estimativo, é o único que possuo. Peço-lhe o
maior cuidado no uso e na devolução dele.»
É este o poema
publicado no nº 4 dos Cadernos do Meio-Dia, Fevereiro de 1959, poema incluído
no Post-Scriptum de Poesia I (1961), com novo título:
«Reconciliação».
DEPOIS DA
ESPERANÇA, QUALQUER PAZ
Reconciliamo-nos sempre.
No fundo, e às vezes nem muito ao fundo,
a reconciliação nos espreita,
na mira da primeira fraqueza, da primeira humidade
de lágrima ou de sexo. Às vezes,
nem sequer disso: a poalha dispersa
que o sol define em branda agitação,
ou mesmo a própria luz num reflexo
(quanto mais breve e modesto melhor emociona)
lhe bastam.
Espreita-nos para que aceitemos, para que
pensemos noutra coisa ou nesse refúgio das pequenas coisas
que é, diz-se, não pensar em nada.
reconciliamo-nos pois. E amamos logo tudo,
ou, mais subtilmente, fingimos que do tudo
apenas uns sinais, algo de nobre
e muito humilde. Assim
como se a solidão se acompanhasse
de muitas outras reconciliações humanas, simultâneas,
paralelas, mas não connosco, de outrem.
Quase mais que a nossa própria nos espreita
a reconciliação, suposta apenas, de outros.
No fundo, e às vezes nem muito ao fundo,
a reconciliação nos espreita,
na mira da primeira fraqueza, da primeira humidade
de lágrima ou de sexo. Às vezes,
nem sequer disso: a poalha dispersa
que o sol define em branda agitação,
ou mesmo a própria luz num reflexo
(quanto mais breve e modesto melhor emociona)
lhe bastam.
Espreita-nos para que aceitemos, para que
pensemos noutra coisa ou nesse refúgio das pequenas coisas
que é, diz-se, não pensar em nada.
reconciliamo-nos pois. E amamos logo tudo,
ou, mais subtilmente, fingimos que do tudo
apenas uns sinais, algo de nobre
e muito humilde. Assim
como se a solidão se acompanhasse
de muitas outras reconciliações humanas, simultâneas,
paralelas, mas não connosco, de outrem.
Quase mais que a nossa própria nos espreita
a reconciliação, suposta apenas, de outros.
1958
Legenda: a capa
de Coroa da Terra foi encontrada em gabrielagouveialivrosantigos.
Sem comentários:
Enviar um comentário