quarta-feira, 10 de abril de 2019

SARAMAGUEANDO


Nunca me entusiasmei com a atribuição dos prémios Nobel da Literatura.

As atribuições contêm uma vasta lista de erros, gente obsoleta de que a história não mais ouviu falar e de escritores injustamente ausentes.

 O Prémio Nobel, é acima de tudo, dinheiro, uma pipa de massa, como diria o Luiz Pacheco que só vivia de «vintes» em troca das folhecas que escrevia ou editava.

José Saramago no 2º volume dos Cadernos de Lanzarote:

«... deixemo-nos de hipocrisias e tenhamos a franqueza de reconhecer que, nesta comédia, o que verdadeiramente conta é o dinheiro».

Numa carta a José Rodrigues Miguéis, datada de 14 de Maio de 1967, José Saramago revela:

Alguma vez hei-de fazer o que me dá gosto…

José Saramago queria ser escritor, era esse o seu gosto.

Já tinha publicado, em 1947, Terra do Pecado que passou despercebido e em 1953 termina o romance Clarabóia que fica perdido num armazém da Empresa Nacional de Publicidade, em 1966 é editado o seu primeiro livro de poesia, Os Poemas Possíveis.

Não consigo encontrar – tempos antes de Pilar del Rio - qualquer afirmação que revele que José Saramago alguma vez pensasse que um dia seria Nobel da Literatura.

Há aquela frase largamente citada, em que Saramago afirma, sem qualquer indicação específica:

«Aquilo que tiver que ser meu às mãos me há-de vir ter».

É de crer que será com Pilar que a ideia surge com força e determinação.

José Luís Judas, numa conversa revelada no livro de Joaquim Vieira, um dia ficou sem qualquer dúvida de que Pilar del Rio iria batalhar para que Saramago chegasse ao Nobel.

Numa carta de Sophia Mello Breyner Andresen, datada de Março de 1978, escreve a Jorge de Sena:

«Surgiu um facto que quero que fique claro: Por alturas de Dezembro recebi uma carta da Academia Sueca a convidar-me para eu propor um candidato ao Nobel da Literatura. No ano passado propus o teu nome. Depois disso, aqui há tempos surgiu uma comissão propondo o Torga e pediram-me que me associasse à sua proposta. Associei-me pois não me podia negar. Primeiro porque admiro muito o Torga, segundo porque gostaria que houvesse um Nobel português, uma vez que seja um escritor que tenha um nível de qualidade que como pátria me honre. Isto é : eu queria que o voto em ti funcionasse a teu favor, mas não contra o Torga. Para que não fosse diminuída a possibilidade de o Nobel ser atribuído a um português. Em consequência escrevi de novo à Academia Sueca explicando que mantinha o voto em ti mas que também apoiava uma candidatura do Torga dado que ambas eram candidaturas com grande qualidade e dignidade.
Só te digo isto a ti porque a carta da Academia Sueca me pede silêncio sobre o meu voto por isso te peço que não fales disto a ninguém.»

Pela leitura de José Saramago: Rota de Vida fica-se a saber que quatro pessoas acreditavam que um dia Saramago seria Prémio Nobel.

Joaquim Vieira na introdução que faz ao livro revela que, enquanto responsável editorial do Expresso convidou José Saramago em 1993 para escrever uma crónica de jornal todas as semanas.
«Confesso porém, que ao fazer-lhe a proposta, tinha na cabeça outro pensamento que guardei para mim: «Este tipo qualquer dia vai ganhar o Nobel da Literatura, e nesse momento será muito prestigiante para o Expresso tê-lo já como colunista.»

Outra pessoa que acredita no prémio é Isabel da Nóbrega.

Numa entrevista à Visão, Joaquim Vieira conta a seguinte história:

 «Quando o pai de Isabel da Nóbrega morreu, em 1985, os irmãos fizeram as partilhas. Na casa, todos estavam à volta das pratas na sala, mas ela só estava preocupada com a roupa no quarto, queria a casaca do pai. A filha perguntou-lhe porquê. Ela respondeu: ‘Porque o José, qualquer dia, vai ser Nobel e eu tenho que levar a casaca para ele receber o prémio.»

Pilar del Rio também tinha a firme convicção de que um dia Saramago seria Nobel da Literatura.

A páginas 548 de Rota da Vida é referida uma conversa entre o sindicalista José Luís Judas, José Saramago e Pilar del Rio, em que a conversa gira em redor do veto que Sousa Lara impusera ao Evangelho Segundo Jesus Cristo. Saramago desabafou: «Este é um país de vetos».
Pilar pronunciou uma frase que José Luís Judas não mais esqueceu:
«Quando receberes o Prémio Nobel, estes fulanos vão ficar todos cheios de inveja.»
Judas tem a certeza que Saramago corou e disse:
«Esta andaluza dá-me cabo da cabeça da cabeça.»
Conversa rematada por Judas a Joaquim Vieira:
«Mas ela não só acreditou como batalhou por isso. Não tenho dúvidas.»

Joaquim Vieira revela que Natália Correia também acreditava que Saramago seria Nobel da Literatura. Vem na página 549 do livro:

«Até mesmo a intuitiva Natália Correia, em conversa que terá lugar no Botequim a propósito de O Evangelho Segundo Jesus Cristo se alhear da temática nacional, entrevira uma aproximação ao Nobel – no relato de Fernando Da costa como testemunha: «A Natália falva de "desterritorialização” da litearatura em Portugal, de autores que escilhiam temas que não tinham que ver com o país, pois achavam que assim eram mais fáceis de traduzir e editar lá fora. E disse ao saramago, a propósito disso: “E tu também enveredaste por esse processo, porquês queres ganhar o Prémio Nobel. Vais ganhá-lo, mas, como és um tipo sério, vais voltar aos temas portugueses.»

Nunca se me colocou a ideia, breve que fosse, de que José Saramago poderia um dia ganhar o Prémio Nobel da Literatura.

No ano da atribuição do prémio tinha guardado um recorte do Público de 2 de Outubro em que e hipótese era admitida, e na véspera da atribuição, o jornal 24 horas , no topo direito da 1ª página, revelava que os «americanos apostam em Saramago».

De mim para mim, fui dizendo que esta coisa dos prováveis vencedores é a história do costume, e não vale a pena pensar muito no assunto.

Ao longo dos cinco volumes dos Cadernos de Lanzarote, Saramago foi guardando registos das expectativas de um dia poder vir a ser Nobel da Literatura:

No 1º volume, entrada escrita a 26 de Abril de 1993:

«Entrevista a Plínio Fraga, da “Folha de S. Paulo. Uma das questões era que António Houaiss, aqui há tempos, teria apostado em dois nomes para o Prémio Nobel deste ano: João Cabral de Melo Neto e este servidor. Pedia-se-me que comentasse a declaração de Houaiss e eu lembrei a Plínio o que Graham Greene respondeu a um jornalista que lhe perguntou o que pensava ele da atribuição do Prémio Nobel a François Mauriac. Foi esta a frase histórica: “O Nobel honrar-me-ia a mim, ao passo que Mauriac honra o Nobel.” Aí tem, disse, eu sou o Grahaam Greene desta história, e João Cabral de Melo Neto o Mauriac. Mas, em seguida, esgotada a minha capacidade de abnegação e modéstia, e também para não aparecer aos leitores da “Folha” como um sujeitinho hipócrita, acrescentei, desta maneira me sangrando em saúde: “Em todo o caso, parecer-me-ia justo que o primeiro Nobel de Literatura para a Língua Portuguesa fosse dado a um português, porque, na verdade, vai para novecentos anos que estamos à espera dele, enquanto vocês nem sequer dois séculos de esperanças frustradas levam…”

No 2º volume, entrada escrita a 12 de Outubro:

“Diz-se em Lisboa que o Nobel está no papo de Lobo Antunes. Pelos vistos, o jornalista brasileiro, amigo de Jorge Amado, sabia do que falava. Também me dizem que Lobo Antunes já se encontra na Suécia.”

No mesmo volume, entrada escrita a 13 de Outubro:

“O Nobel foi para um escritor japonês, Kenzaburo Oe. Afinal, o jornalista estava enganado. Nelson de Matos até tinha feito declarações à rádio, ou à televisão, não sei bem, dando como favas contadas a vitória do seu editado. O que vale é que o ridículo, pacientíssimo, continua a não matar, Quanto a mim, tenho de começar a pedir desculpa aos meus amigos por não ganhar o Nobel…»

No 3º volume, entrada escrita a 23 de Maio:

«Uma leitora na Feira: “Para o ano que vem teremos mais “Cadernos”?”. Respondo medievalmente como de costume: “Vida havendo e saúde não faltando…” E ela: “É que quero ver neles a notícia do Prémio Nobel…»

No 5º volume, entrada escrita a 9 de Outubro de 1997:

«Foi muito simples. Encontrávamo-nos na cozinha, Pilar e eu, sós, quando a rádio informou que o Prémio Nobel tinha sido atribuído a Dario Fo. Olhámo-nos tranquilamente (sim, tranquilamente, jurá-lo-ia se fosse necessário) e eu disse: “Pronto. Podemos voltar ao nosso sossego.” Falámos depois sobre o que naquele momento sentíamos, e ambos estivemos de acordo: alívio»

No mesmo volume, entrada escrita a 14 de Outubro de 1997:

«Frankfurt. Pilar telefonou hoje para casa, a saber se havia alguma novidade, e realmente, sim, havia novidade, a mais inesperada de todas as possíveis, aquela que nunca seríamos capazes de imaginar: nada mais nada menos que uma chamada telefónica de Dario Fo e dizer: «Sou um ladrão, roubei-te o prémio. Um dia será a tua vez. Abraço-te.» Mal saído do assombro em que a notícia me tinha deixado, disse a Pilar: «Suponho que uma coisa assim nunca terá acontecido na história deste prémio…», e Pilar, sábia, respondeu-me: «Não há que perder a confiança na generosidade humana.»

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