Nunca me entusiasmei com a atribuição dos prémios Nobel
da Literatura.
As atribuições contêm uma vasta lista de erros, gente
obsoleta de que a história não mais ouviu falar e de escritores injustamente
ausentes.
O Prémio Nobel, é
acima de tudo, dinheiro, uma pipa de massa, como diria o Luiz Pacheco que só
vivia de «vintes» em troca das folhecas que escrevia ou editava.
José Saramago no 2º volume dos Cadernos de Lanzarote:
«... deixemo-nos de hipocrisias e tenhamos a franqueza de reconhecer que, nesta comédia, o que verdadeiramente conta é o dinheiro».
José Saramago no 2º volume dos Cadernos de Lanzarote:
«... deixemo-nos de hipocrisias e tenhamos a franqueza de reconhecer que, nesta comédia, o que verdadeiramente conta é o dinheiro».
Numa carta a José Rodrigues Miguéis, datada de 14 de Maio
de 1967, José Saramago revela:
Alguma vez hei-de fazer o que me dá gosto…
José Saramago
queria ser escritor, era esse o seu gosto.
Já tinha
publicado, em 1947, Terra do Pecado que passou despercebido e em 1953
termina o romance Clarabóia que fica perdido num armazém da Empresa
Nacional de Publicidade, em 1966 é editado o seu primeiro livro de poesia, Os
Poemas Possíveis.
Não consigo
encontrar – tempos antes de Pilar del Rio - qualquer afirmação que revele que
José Saramago alguma vez pensasse que um dia seria Nobel da Literatura.
Há aquela frase
largamente citada, em que Saramago afirma, sem qualquer indicação específica:
«Aquilo que tiver
que ser meu às mãos me há-de vir ter».
É de crer que será com Pilar que a ideia surge com força
e determinação.
José Luís Judas, numa conversa revelada no livro de
Joaquim Vieira, um dia ficou sem qualquer dúvida de que Pilar del Rio iria
batalhar para que Saramago chegasse ao Nobel.
Numa carta de Sophia Mello Breyner Andresen, datada de
Março de 1978, escreve a Jorge de Sena:
«Surgiu um facto que quero que fique claro: Por
alturas de Dezembro recebi uma carta da Academia Sueca a convidar-me para eu
propor um candidato ao Nobel da Literatura. No ano passado propus o teu nome.
Depois disso, aqui há tempos surgiu uma comissão propondo o Torga e pediram-me
que me associasse à sua proposta. Associei-me pois não me podia negar. Primeiro
porque admiro muito o Torga, segundo porque gostaria que houvesse um Nobel
português, uma vez que seja um escritor que tenha um nível de qualidade que
como pátria me honre. Isto é : eu queria que o voto em ti funcionasse a teu
favor, mas não contra o Torga. Para que não fosse diminuída a possibilidade de
o Nobel ser atribuído a um português. Em consequência escrevi de novo à
Academia Sueca explicando que mantinha o voto em ti mas que também apoiava uma
candidatura do Torga dado que ambas eram candidaturas com grande qualidade e
dignidade.
Só te digo isto a ti porque a carta da Academia Sueca
me pede silêncio sobre o meu voto por isso te peço que não fales disto a
ninguém.»
Pela leitura de José Saramago: Rota de Vida fica-se a saber que quatro pessoas acreditavam que
um dia Saramago seria Prémio Nobel.
Joaquim Vieira na introdução que faz ao livro revela que,
enquanto responsável editorial do Expresso convidou José Saramago em 1993
para escrever uma crónica de jornal todas as semanas.
«Confesso porém, que ao fazer-lhe a proposta, tinha na
cabeça outro pensamento que guardei para mim: «Este tipo qualquer dia vai
ganhar o Nobel da Literatura, e nesse momento será muito prestigiante para o Expresso
tê-lo já como colunista.»
Outra pessoa que
acredita no prémio é Isabel da Nóbrega.
Numa entrevista à Visão, Joaquim Vieira
conta a seguinte história:
«Quando o pai de Isabel da Nóbrega morreu, em
1985, os irmãos fizeram as partilhas. Na casa, todos estavam à volta das pratas
na sala, mas ela só estava preocupada com a roupa no quarto, queria a casaca do
pai. A filha perguntou-lhe porquê. Ela respondeu: ‘Porque o José, qualquer dia,
vai ser Nobel e eu tenho que levar a casaca para ele receber o prémio.»
Pilar del Rio
também tinha a firme convicção de que um dia Saramago seria Nobel da Literatura.
A páginas 548 de
Rota da Vida é referida uma conversa entre o sindicalista José Luís
Judas, José Saramago e Pilar del Rio, em que a conversa gira em redor do veto
que Sousa Lara impusera ao Evangelho Segundo Jesus Cristo. Saramago
desabafou: «Este é um país de vetos».
Pilar pronunciou
uma frase que José Luís Judas não mais esqueceu:
«Quando receberes o Prémio Nobel, estes fulanos vão
ficar todos cheios de inveja.»
Judas tem a
certeza que Saramago corou e disse:
«Esta andaluza dá-me cabo da cabeça da cabeça.»
Conversa
rematada por Judas a Joaquim Vieira:
«Mas ela não só acreditou como batalhou por isso. Não
tenho dúvidas.»
Joaquim Vieira
revela que Natália Correia também acreditava que Saramago seria Nobel da
Literatura. Vem na página 549 do livro:
«Até mesmo a intuitiva Natália Correia, em conversa
que terá lugar no Botequim a propósito de O Evangelho Segundo Jesus Cristo se
alhear da temática nacional, entrevira uma aproximação ao Nobel – no relato de
Fernando Da costa como testemunha: «A Natália falva de "desterritorialização”
da litearatura em Portugal, de autores que escilhiam temas que não tinham que
ver com o país, pois achavam que assim eram mais fáceis de traduzir e editar lá
fora. E disse ao saramago, a propósito disso: “E tu também enveredaste por esse
processo, porquês queres ganhar o Prémio Nobel. Vais ganhá-lo, mas, como és um
tipo sério, vais voltar aos temas portugueses.»
Nunca se me
colocou a ideia, breve que fosse, de que José Saramago poderia um dia ganhar o
Prémio Nobel da Literatura.
No ano da atribuição
do prémio tinha guardado um recorte do Público de 2 de Outubro em que e
hipótese era admitida, e na véspera da atribuição, o jornal 24 horas , no
topo direito da 1ª página, revelava que os «americanos apostam em Saramago».
De mim para mim, fui dizendo que esta coisa dos prováveis vencedores é a história do costume, e não vale a pena pensar muito no assunto.
Ao longo dos
cinco volumes dos Cadernos de Lanzarote, Saramago foi guardando registos
das expectativas de um dia poder vir a ser Nobel da Literatura:
No 1º volume, entrada escrita a 26 de Abril de 1993:
«Entrevista a Plínio Fraga, da “Folha de S. Paulo. Uma
das questões era que António Houaiss, aqui há tempos, teria apostado em dois
nomes para o Prémio Nobel deste ano: João Cabral de Melo Neto e este servidor.
Pedia-se-me que comentasse a declaração de Houaiss e eu lembrei a Plínio o que
Graham Greene respondeu a um jornalista que lhe perguntou o que pensava ele da
atribuição do Prémio Nobel a François Mauriac. Foi esta a frase histórica: “O
Nobel honrar-me-ia a mim, ao passo que Mauriac honra o Nobel.” Aí tem, disse,
eu sou o Grahaam Greene desta história, e João Cabral de Melo Neto o Mauriac.
Mas, em seguida, esgotada a minha capacidade de abnegação e modéstia, e também
para não aparecer aos leitores da “Folha” como um sujeitinho hipócrita,
acrescentei, desta maneira me sangrando em saúde: “Em todo o caso,
parecer-me-ia justo que o primeiro Nobel de Literatura para a Língua Portuguesa
fosse dado a um português, porque, na verdade, vai para novecentos anos que
estamos à espera dele, enquanto vocês nem sequer dois séculos de esperanças
frustradas levam…”
No 2º volume, entrada escrita a 12 de Outubro:
“Diz-se em Lisboa que o Nobel está no papo de Lobo
Antunes. Pelos vistos, o jornalista brasileiro, amigo de Jorge Amado, sabia do
que falava. Também me dizem que Lobo Antunes já se encontra na Suécia.”
No mesmo volume, entrada escrita a 13 de Outubro:
“O Nobel foi para um escritor japonês, Kenzaburo Oe.
Afinal, o jornalista estava enganado. Nelson de Matos até tinha feito
declarações à rádio, ou à televisão, não sei bem, dando como favas contadas a
vitória do seu editado. O que vale é que o ridículo, pacientíssimo, continua a
não matar, Quanto a mim, tenho de começar a pedir desculpa aos meus amigos por
não ganhar o Nobel…»
No 3º volume, entrada escrita a 23 de Maio:
«Uma leitora na Feira: “Para o ano que vem teremos
mais “Cadernos”?”. Respondo medievalmente como de costume: “Vida havendo e
saúde não faltando…” E ela: “É que quero ver neles a notícia do Prémio Nobel…»
No 5º volume, entrada escrita a 9 de Outubro de 1997:
«Foi muito simples. Encontrávamo-nos na cozinha, Pilar
e eu, sós, quando a rádio informou que o Prémio Nobel tinha sido atribuído a
Dario Fo. Olhámo-nos tranquilamente (sim, tranquilamente, jurá-lo-ia se fosse
necessário) e eu disse: “Pronto. Podemos voltar ao nosso sossego.” Falámos
depois sobre o que naquele momento sentíamos, e ambos estivemos de acordo: alívio»
No mesmo volume, entrada escrita a 14 de Outubro de 1997:
«Frankfurt. Pilar telefonou hoje para casa, a saber se
havia alguma novidade, e realmente, sim, havia novidade, a mais inesperada de
todas as possíveis, aquela que nunca seríamos capazes de imaginar: nada mais
nada menos que uma chamada telefónica de Dario Fo e dizer: «Sou um ladrão,
roubei-te o prémio. Um dia será a tua vez. Abraço-te.» Mal saído do assombro em
que a notícia me tinha deixado, disse a Pilar: «Suponho que uma coisa assim
nunca terá acontecido na história deste prémio…», e Pilar, sábia, respondeu-me:
«Não há que perder a confiança na generosidade humana.»
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