Foi numa crítica
de televisão do Mário Castrim, no Diário de Lisboa, que li a frase do
José Gomes Ferreira que vem em A Memória das Palavras, Ou o Gosto de Falar
de Mim: «saudades, só do futuro.»
Como eu gostei
do raio da frase, o próprio título do livro era apelativo.
Na biblioteca do
meu pai não havia nenhum livro do José Gomes Ferreira.
Corria o ano de
1966, era Junho, um salto até à Feira do Livro para beneficiar do desconto: Na
livraria 45$00, na Feira 36$00, e os preços ainda estão a lápis na primeira
folha do livro.
Há livros de
encantar. Este é um deles.
Não há ninguém tão feliz como o leitor que de súbito se descobre inteligente. A descoberta de José Gomes Ferreira, o comprar de A Memória das Palavras na Feira do Livro, é um destes casos, o saber certo de que vamos ficar com um autor para a vida.
No livro lia-se:
«a maioria dos meus versos componho-os às topadas por essas ruas. Ai de mim,
quando envelhecer!»
Se ele era poeta, havia que ir à procura dos livros.
E fui.
Uma Sessãopor Cinema é um livro publicado pela Cinemateca para assinalar o centenário
do nascimento de José Gomes Ferreira que nasceu no Porto no dia 9 de Junho de
1900.
É uma antologia
de textos de José Gomes Ferreira sobre cinema publicados nas revistas da época:
a Kino, a Imagem, a Girasol, a Ilustração.
Para além desses
textos e críticas, José Gomes Ferreira colaborou com os amigos Cottinelli Telmo
e Chianca de Garcia nos filmes em A Canção de Lisboa e A Aldeia da
Roupa Branca.
Mas com o pseudónimo
de Álvaro Gomes fez a tradução e legendagem de filmes.
Durante cerca de
cinco décadas, essa foi a sua principal actividade profissional.
De modo que,
quando no cinema lia Legendas de Álvaro Gomes desconhecia que era o
poeta José Gomes Ferreira que estava por detrás daquele pseudónimo.
No seu livro Revolução Necessária, Gomes Ferreira fala desse trabalho:
«De redactor de revistas cinematográficas (com
inúmeras máscaras de pseudónimos e crítico do Diário de Lisboa), a tradutor de
fitas assinadas pelo sr. Álavro Gomes pouco tempo levou. E, a certa altura, dei
comigo na escravatura de arrastar, pela vida fora, grilões de chatice de sebo e
raiva. Claro que as traduções de quilómetros de películas más fixaram para
sempre o meu ódio ao cinema que eu chegara um dia a amar episodicamente na
Noruega, quando assisti à exibição de um filme extraordinário com o título de A
Revolta do mar Negro.
Revi-o há pouco em Lisboa com o seu nome verdadeiro: O
Couraçado Potemkine.
A rotina de um
trabalho penoso - seria bem pago? - levou-o a afastar-se do cinema, a quase
odiá-lo.
O Sr. Álvaro
Gomes era o poeta José Gomes Ferreira.
Como o poeta escreveu:
Viver sempre também cansa.
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