quinta-feira, 4 de abril de 2019

OLHAR AS CAPAS


O Inverno do Nosso Descontentamento

John Steinbeck
Tradução: João Belchior Viegas
Capa: Teresa Dias Coelho
Círculo de Leitores, Lisboa, Março de 1993 

A minha mulher, a minha Mary, adormece como se fecha a porta de um armário. Quantas vezes a contemplei com inveja? Enrosca o lindo corpo como se se instalasse num casulo, suspira, os olhos fecham-se e os lábios tomam a forma daquele sorriso sábio e vago dos antigos deuses gregos. Ela sorri toda a noite no seu sono e a respiração faz ronrom na garganta. Não ressona, ronrona como um gatarrão. Durante alguns momentos a sua temperatura sobe a tal ponto que a sinto irradiar calor junto de mim. Depois desce, e Mary como que se afasta. Não sei para onde. Ela diz que não sonha. Mas, no entanto, deve sonhar. O que sucede é que os sonhos não a perturbam, ou então perturbam-na de tal maneira que os esquece antes de acordar. Gosta de dormir e o sono faz-lhe bem. Queria ser como ela. Luto contra o sono e desejo-o com ânsia.
Talvez, digo-o a mim próprio, isso seja devido ao facto de a minha Mary saber que viverá para sempre. Passará desta existência a outra com a mesma facilidade com que se passa do sono ao despertar. Todo o seu corpo o sabe com uma tal certeza que ela não pensa nisso, como não pensa em respirar. Assim tem tempo de dormir, de repousar, de cessar de existir por algum tempo.

3 comentários:

Seve disse...

Publicados em Portugal, creio que este e "Viagens com o Charley" foram os dois livros que, do Steinbeck, ainda não li. Será que estarei a perder dois bons livros?

Sammy, o paquete disse...

São dois bons romances mas, mera opinião pessoal, «Viagens com o Charley» é um livro fabuloso.

Seve disse...

Obrigado Sammy pela sua preciosa opinião.

John Steinbeck é um dos meus escritores preferidos; ainda recordo o cágado a subir um passeio "A Leste do Paraíso". E o miúdo a cair duma pereira na "Batalha Incerta".