Tal como diria António Gedeão, sem sequer ser ouvido, saí do ventre da minha mãe, quando ainda pairavam nos ares, os últimos tiros de espingardas, os últimos tiros de canhões da Segunda Guerra Mundial.
Quem por aqueles
tempos desce ao mundo, só poderia ser contra guerras.
Sejam elas
quais forem.
Lembrar uma
frase de José Saramago tirada de uma sua carta, datada de 15 de Maio de 1962
para José Rodrigues Migueis
«O mundo está muito complicado, mas não
o acho suficientemente absurdo para perder a esperança.»
Para o bem e
o mal o que hoje sou e penso, devo-o a muita gente.
Bob Dylan
está metido nessa gente.
Apesar de um
certo desencanto quando há uns bons anos apareceu por aí dizer que «A
palavra mensagem é triste, triste como uma hérnia.», «Ninguém gosta de ser
definido por aquilo que os outros pensam.», «Queria ter uma vida normal e poder
levar os filhos à escola.»
Manuel António Pina num poema seu: «O café agora é um banco, tu professora
de liceu; Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu. Agora as tuas pernas
são coisas úteis, andantes, e não caminhos para andar como dantes.»
Lembro-me de uma conversa, nos idos de 67, com um dos colaboradores do Em
Órbita, falha-me, agora, o nome, quando, a determinada altura, disse-me de Dylan: é um narcisista convicto, um genial cabotino, no sentido intelectual
do termo.
Fiquei, assim meio aparvalhado, a olhar para ele, manifestei-lhe o meu desacordo e acrescentei que a definição ainda poderia ser entendida por gente que lesse ou ouvisse Dylan aprofundadamente, mas não pelo vulgar ouvinte.
O meu interlocutor viu, de repente, que não valia buscar outros argumentos, perder mais tempo com o ceguinho que eu, era por Dylan.
E ele sabia, porque lia e ouvia Dylan atentamente, que chegariam os tempos dos órfãos de Mr. Zimmerman e eu ficava-me ingenuamente convencido que. com Dytan, tinha respostas para (quase) tudo.
Bom, teremos sempre Joan Baez a dizer de Dylan:
« Ele é o ser humano mais complexo que conheci. Eu pensei que seria capaz de entendê-lo. Desisti. Tudo o que sei é o que ele nos deu.»
Porque, para além de mágoas e miudezas, tudo o mais, existe uma verdade inquestionável: Bob Dylan fez das mais belas canções da história da música, canções que se podem ouvir em qualquer tempo e fez com que muitos passassem a olhar, de um outro modo, os tempos que se exigia que mudassem.
Nestes dias
que vão correndo, pegar no segundo álbum de Bob Dylan, The Freewheelin’Bob Dylan (1963) que tem Blowin’in
the Wind – quantas mortes serão precisas até que saiba que demasiadas
pessoas morreram - e Masters of War
que irei reproduzir. Outra faixa do álbum é a Hard Rains A –Gonna Fall que
reflecte a angústia, em Outubro de 1962, que Dylan sentiu aquando dos misseis
de Cuba, braço de ferro entre Kennedy e Khrushchev, ao ponto de pensar não lhe
restar muito mais tempo para escrever outras canções.
A tradução da
canção é de Angelina Barbosa e Pedro Serrano em Canções Volume I:
Vinde, senhores da guerra
Vós que construís todas as armas
Vós que construís os aviões da morte
Vós que construís as grandes bombas
Vós que vos escondeis atrás de muros
Vós que vos escondeis atrás de
secretárias
Eu só quero que vocês saibam
Que consigo ver através das vossas
máscaras
Vós que nunca fizestes nada
Senão construir para destruir
Vós brincais com o meu mundo
Como se fosse o vosso brinquedinho
Vós colocais-me uma arma na mão
E escondei-vos dos meus olhos
E virais as costas e fugis para bem
longe
Quando voam as balas velozes
Como o Judas de outrora
Vós mentis e enganais
Uma guerra mundial pode ser ganha
Vós quereis que acredite
Mas vejo através dos vossos olhos
E vejo atrvés da vossa mente
Como vejo através da água
Que se escoa pelo cano abaixo
Vós firmais os gatilhos
Para os outros dispararem
Depois recuais e ficais a ver
Quando a contagem de mortes se eleva
Vós escondei-vos na vossa mansão
Enquanto o sangue dos jovens
Lhes escorre dos corpos
E se enterra na lama
Vós lançastes o pior dos medos
Que alguma vez se pode proferir
Medo de trazer filhos
Ao mundo
Por ameaçardes o meu filho
Por nascer e sem nome
Não valeis o sangue
Que vos corre nas veias
Quando é que eu sei
Para falar o que não devo
Vós podeis dizer que sou ignorante
Mas uma coisa há que eu sei
Ainda que seja mais novo que vós
Nem mesmo Jesus jamais
Perdoaria o que fazeis
Deixai-me fazer-vos uma pergunta
O vosso dinheiro é assim tão bom
Comprar-vos-á o perdão
Achais que poderia
Penso que descobrireis
Quando a vossa morte vier cobrar o seu
direito
Que todo o dinheiro que ganhastes
Jamais vos resgatará a alma
E espero que vocês morram
E a vossa morte chegue depressa
Seguirei o vosso caixão
Na pálida tarde
E ficarei a ver até vos baixarem
Ao vosso leito de morte
E vou vigiar a vossa campa
Até ter a certeza que estai mortos
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