terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

SUBLINHADOS SARAMAGUIANOS


 

Dito já que começaram as iniciativas que visam registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam a  Biblioteca da Casa.

Quando o Prémio Nobel foi atribuído a José Saramago, pediram a Mário de Carvalho que escrevesse um texto a esse propósito: «Resisti um bocado a escrever estas linhas. E ter-me-ia escapado, se não fosse a insistência, de certo modo, de quem me encomendou a prosa.»

É um texto notável que, com o título, «Um Homem Tranquilo» e está antologiado em «O Que Eu Ouvi Na Barrica Das Maçãs», e revela o límpido olhar de Mário de Carvalho sobre José Saramago que, juntamente com outros, lhe calharam em sorte enquanto foi controleiro do sector intelectual do Partido. Sobre essa tarefa Álvaro Cunhal lhe mandará recado emque, mais ou menos dirá, que se Mário de Carvalho não sendo um entusiasta-mordo papel de vanguarda da classe operária, não reunia as condições paracontinuar na direcção do sector intelectual.

Neste texto sobre Saramago é referida a publicação de «Manual de Pintura e Caligrafia».

Leia-se:

«O livro não entusiasmou ninguém. Julgo ter percebido, então, o quanto aquele livro era importante para José Saramago e a incomodidade por que deve ter passado perante apreciações mais ou menos evasivas ou condescendentes. Tinha apostado muito forte. Creio que ainda hoje valoriza muito o Manual… Mas nas opiniões então dominantes, que, no essencial me parecem acertadas, não era ainda o romance de um grande escritor. Não tinha sido desta…»

Maria Alzira Seixo escreveu que o Manual «é o cadinho de todas as tendências pré-ficcionais de José Saramago, e daí a sua grande importância e originalidade na consideração evolutiva da sua obra».

Luís de Sousa Rebelo:

«O Manual de Pintura e Caligrafia é uma obra ímpar no género da literatura autobiográfica entre nós e oferece-nos, no seu conjunto, um semental de ideias e uma carta de rumos da ficção de José Saramago até à data. Nele se fundem as escritas de uma complexa e rica tradição literária e a experiência de um tempo vivido nos logros do quotidiano e das vicissitudes da história, que será a substância da própria arte.»

Também Carlos Reis acha que aqui se anuncia algo mais do que à primeira leitura parece:

«No Manual de Pintura e Caligrafia, que é um romance subvalorizado – passou despercebido -, está muito do projecto de Saramago, de transformar o artista de pintor em escritor e de fazer com que o escritor olhe para a realidade histórica. No fundo é uma reflexão muito metaficcional, metaliterária - o pensar a escrita, pensar a História, pensar a ficção. Isso está tudo inscrito ali.»

Baptista-Bastos lamentará até que o autor não tenha aprofundado essa via: «Acho que o Manuel de Pintura e Caligrafia é um grande livro, que devia ser um caminho que ele devia ter encetado. É a minha opinião. Porque é uma coisa gira sob o ponto de vista das interrogações que um artista tem para fazer as coisas. É um bocado parecido com Os Sonâmbulos, do Herman Broch, é um bocado umas perplexidades do autor.»


Saramago considerou-o o mais autobiográfico dos seus livros e eu, à primeira leitura, gostei do livro.

Manual?

Um exercício de escrita?

 Um pintor que escreve?

 Um escritor que pinta?

 «Observo-me a escrever como nunca me observei a pintar.»

 Dirá ainda:

 «Poderei escrever sempre, até ao fim da vida.»

 Começa nestas páginas o estilo que Saramago aperfeiçoará constantemente ao longo da sua obra.

 «Que quero eu? Primeiramente, não ser derrotado. Depois, se possível, vencer.»

 E quase definitivo:

 «Não sou já, não sou ainda, não sei que serei.»

 

Legenda: pormenor da capa de Manual de Pintura e Caligrafia da autoria de Luís Duran.

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