Dito já que começaram as iniciativas que visam registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam a Biblioteca da Casa.
Quando o Prémio Nobel foi atribuído a José Saramago,
pediram a Mário de Carvalho que escrevesse um texto a esse propósito: «Resisti um bocado a escrever estas linhas.
E ter-me-ia escapado, se não fosse a insistência, de certo modo, de quem me
encomendou a prosa.»
É um texto notável que, com o título, «Um Homem Tranquilo» e está antologiado
em «O Que Eu Ouvi Na Barrica Das Maçãs»,
e revela o límpido olhar de Mário de Carvalho sobre José Saramago que, juntamente
com outros, lhe calharam em sorte enquanto foi controleiro do sector
intelectual do Partido. Sobre essa tarefa Álvaro Cunhal lhe mandará recado emque, mais ou menos dirá, que se Mário de Carvalho não sendo um entusiasta-mordo papel de vanguarda da classe operária, não reunia as condições paracontinuar na direcção do sector intelectual.
Neste texto sobre Saramago é referida a publicação de «Manual de Pintura e Caligrafia».
Leia-se:
«O livro não entusiasmou
ninguém. Julgo ter percebido, então, o quanto aquele livro era importante para
José Saramago e a incomodidade por que deve ter passado perante apreciações
mais ou menos evasivas ou condescendentes. Tinha apostado muito forte. Creio
que ainda hoje valoriza muito o Manual… Mas nas opiniões então dominantes, que,
no essencial me parecem acertadas, não era ainda o romance de um grande
escritor. Não tinha sido desta…»
Maria Alzira Seixo escreveu que o Manual «é o cadinho de todas as tendências pré-ficcionais de José
Saramago, e daí a sua grande importância e originalidade na consideração
evolutiva da sua obra».
Luís de Sousa Rebelo:
«O Manual de Pintura e Caligrafia é uma obra
ímpar no género da literatura autobiográfica entre nós e oferece-nos, no seu
conjunto, um semental de ideias e uma carta de rumos da ficção de José Saramago
até à data. Nele se fundem as escritas de uma complexa e rica tradição
literária e a experiência de um tempo vivido nos logros do quotidiano e das
vicissitudes da história, que será a substância da própria arte.»
Também Carlos
Reis acha que aqui se anuncia algo mais do que à primeira leitura parece:
«No Manual de Pintura e Caligrafia, que
é um romance subvalorizado – passou despercebido -, está muito do projecto de
Saramago, de transformar o artista de pintor em escritor e de fazer com que o
escritor olhe para a realidade histórica. No fundo é uma reflexão muito
metaficcional, metaliterária - o pensar a escrita, pensar a História, pensar a
ficção. Isso está tudo inscrito ali.»
Baptista-Bastos
lamentará até que o autor não tenha aprofundado essa via: «Acho que o Manuel
de Pintura e Caligrafia é um grande livro, que devia ser um caminho que
ele devia ter encetado. É a minha opinião. Porque é uma coisa gira sob o ponto
de vista das interrogações que um artista tem para fazer as coisas. É um bocado
parecido com Os Sonâmbulos, do Herman Broch, é um bocado umas
perplexidades do autor.»
Saramago considerou-o o mais autobiográfico dos seus livros e eu, à primeira
leitura, gostei do livro.
Manual?
Um exercício de escrita?
Legenda:
pormenor da capa de Manual de Pintura e Caligrafia da autoria de Luís
Duran.
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