Dito já que começaram as iniciativas que visam registar o centenário do nascimento de José Saramago, acrescenta-se que irei pegando num qualquer livro de José Saramago e copiarei dele uma frase, um parágrafo, aquilo que constitui os milhares de sublinhados que, ao longo dos muitos anos de leituras, invadiram os livros de José Saramago que habitam a Biblioteca da Casa.
Decorrendo os dias pós eleições
legislativas, faço uma paragem pelas Folhas
Políticas, onde José Saramago deixou alguns textos sobre a unidade da
esquerda.
Hoje e amanhã são estes os Sublinhados Saramaguainos
«Do alto da sua tribuna, o presidente da
Assembleia da República não vê a Nação: vê (quando estão todos) 263 deputados
que, pela graça da aritmética, a representam. Está a Direita, está o Centro,
está a Esquerda: Ninguém precisa de (se) interrogar sobre o que seja a Direita,
ninguém acha oportuno averiguar se o Centro o é de facto, mas todos nos
inquietamos com a Esquerda, com o passado, o presente e o futuro da Esquerda.
Falta saber (o tempo virá a dizer, por força) se essa inquietação é sinal de
saúde ou de doença, da Esquerda e de quem para ela se volta interrogativo, com
uma preocupação porventura autêntica, mas não destituída de algum
comprazimento. Outra vez em Portugal se tornou mais fácil falar das coisas adio
que fazê-las, outra vez (passe a banalidade da alusão) cuidamos mais de
discutir o sexo angélico do que de investigar os modos de levar os anjos a
fazer filhos, sejam os ditos anjos machos ou fêmeas.
(…)
Por aqui se concluirá que, segundo
entendo, a questão da Esquerda, logo a questão do Socialismo, tem de passar por
uma definição do partido Socialista no que toca ao lugar que ocupará (ou não)
na futura luta, ou, se a linguagem parecer demasiado bélica, no futuro
empenhamento das forças de Esquerda. A grande responsabilidade do partido
Socialista tem sido a de paralisar, pela sua contradição interna, a irrecusável
definição: é possível, por isso, afirmar que, no sentido mais rigoroso do
termo, o Partido Socialista adiou o Socialismo. Porque o adiou dentro de si
próprio.
(…)
Encontremo-nos, pois, e confrontemos.
Sabendo cada um o lugar que ocupa, agora, no sector da esquerda que for o seu,
sem subvalorização do que, efectivamente, esse sector representar como
expressão colectiva. E tenhamos em vista que o objectivo é o Socialismo. A
esquerda não é um fim em si, um modo vitimizante ou triunfalizante de estar no
mundo: é uma estrutura, um instrumento, uma organização. Que, como todas as
coisas, serão julgados pelos resultados. E nós de caminho.»
De um texto publicado na revista Abril, Fevereiro
de 1976 e que pode ser encontrado na página 13.
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