Raríssimo seria o dia em que a censura não
esquartejava a crítica de televisão que Mário Castrim publicava no Diário de
Lisboa.
Acabou por chegar o dia em que Marcelo Caetano o mandou silenciar.
Proveniente de todos os
quadrantes, levantou-se um vendaval de protestos.
Outra coisa não restou às
múmias ditatoriais, senão aceitarem o regresso de Mário Castrim.
Quando esse dia chegou,
Castrim abriu com um lindíssimo texto.
Foi assim:
«Regresso. Comovido,
como quem regressa ao país da sua infância. Ficou para trás a calma, o sono
reencontrado, o silêncio por toda a casa. Ficou para trás a visita de amigos, a
frescura da noite, o deambular descuidado. Ficou para trás o ser “como toda a
gente”. E no entanto, este regresso, na sua felicidade perdida, tem o sabor de
uma felicidade reencontrada. Vou de porta em porta apertando as mãos que se
estendem, forte de uma grande família. Vou crucificar os olhos no fulgor violento
do televisor. Vou, pelo túnel da noite, em perseguição das palavras úteis, ou
necessárias, ou simplesmente possíveis. Difíceis sempre, arrancadas da carne a
grande profundidade da pele. Palavras que seriam de amizade, a selar a presença
vivida, revivida, de tantos rostos desconhecidos e atentos. Palavras de quem,
regressando ao frio da noite, regressa também, a morosamente, ao país da sua
infância, ao país do seu país.»
Mário Castrim começou a
fazer crítica de televisão, no Diário de Lisboa, em 14 de Maio
de 1965.
Nos tempos da ditadura, a
malta encontrava-se nos cafés e quando algum chegava, as palavras pouco
variavam:«Já leste o Castrim?»
Quase quarenta anos a
fazer crítica de televisão.
Em 1990, Fernando Assis
Pacheco calculou que Mário Castrim já passara 17 mil horas frente ao televisor.
Em Outubro de 2002, tempo da sua morte, as contas foram calculadas em 70 mil
horas.
Em vez de contar histórias
para distrair camelos, regresso ao Cais com as palavras e a lembrança do Mário
Castrim.
2 comentários:
Obrigado pelo regresso!
Corroboro o que disse o Afonso- Obrigado pelo regresso!
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