Make Me An Island – If You Care A Little Bit About Me
Permitam-lhe que ele desarrume a memória e que, por uma história de nada – ou
de tudo? – ponha o Joe Dolan a rodar.
Um café de província, Alfeizerão, junto a uma bomba de gasolina, uma bomba de
gasolina da Mobil, que não era como as bombas de gasolina que o imaginário dos
filmes americanos lhe transmitiu.
Duas, três mesas, uma jukebox a um canto, todas as sextas-feiras do último mês,
de quase quarenta meses de tropa, dez tostões na ranhura da jukebox e o Make
Me An Island do Joe Dolan a cantar no sonolento café, 2, 3 gins
tónicos a completar o cenário.
Ele que até à data, depois de um milhão de gin-tónicos – chapelada a Mr.
Humphrey Bogart – bebidos, em muitos e diversos bares, uns rascas, outros a
armar ao fino, terá sempre na memória o sabor daqueles gins.
As circunstâncias fazem milagres e ele sabe que os gins eram merdosos e
aproveita para citar Nuno Júdice: nada nos faz reviver melhor o
passado do que um cheiro que em tempos lhe esteve associado.
É isso.
O gin era marca Bols, a água tónica era Canada Dry,
o limão não tinha casca, o dono do café aproveitava as cascas para os martinis,
o gelo tirava-o das paredes da geladeira dos gelados Olás, mas
nada, que Joe Dolan e o seu Make Me An Island, o saber que, em
passo de corrida, o findar da tropa se aproximava não fizessem esquecer.
Terminou a tropa ao bater do meio-dia de 30 de Setembro de 1970.
Apanhou a camioneta azul da carreira dos Claras, chegou a
casa, pegou na Aida e zarpou para Os Perús, à Praça do Chile,
frango assado, no dizer do escritor e jornalista Rui Cardoso Martins, os
melhores frangos assados do mundo, uma garrafa de tinto Aliança,
pudim flan, Antiqua, em balão aquecido, se faz favor, e ala
que se faz tarde para o 3º anel da Luz, que ainda não era Catedral, ver o
Glorioso espetar 8 a 1 no Olimpija, uma rapaziada que em Liubilana, na 1º mão
da 1ª eliminatória da Taça dos Clubes Campeões Europeus, tinha cometido a
soberba proeza de empatar a um golo.
Para o informe ficar como deve ser:
O árbitro foi o Sr. Queudeville do Luxemburgo e o Glorioso alinhou com José
Henrique na baliza, Malta da Silva, Humberto Coelho, Zeca e Toni (Barros entrou
aos 80 m), Jaime Graça, Matine, Simões (capitão), Artur Jorge, Torres e
Eusébio.
O treinador era o inglês Jimmy Hagan, o garagista.
O pantera negra meteu 5 golos, Zeca, Artur Jorge, Jaime Graça, completaram o
placard.
Na jukebox de um café de província, junto a uma bomba de gasolina, Joe Dolan
acabou de soltar os últimos versos take me and break me and make me an
island, I'm yours.
Ainda sente o último gole de gin antes de se pôr a caminho para o último
recolher do dia, no RI 5 das Caldas da Rainha, a mesma porta de armas por onde,
42 meses depois, por um 16 de Março, um grupo de militares saiu, a caminho de
Lisboa, para aquilo que, ainda hoje, ninguém sabe explicar muito bem o que foi.
Um ensaio para o 25 de Abril, dizem os que pormaiores querem abreviar.
Sing again, Joe!
2 comentários:
Era outro mundo!
Tempos lentos, também difíceis, deixando marcas, memórias. Não lembrar o que almocei ontem mas ter imagens nítidas do que passou há longos e longos anos.
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