domingo, 2 de julho de 2023

MÚSICA PELA MANHÃ


 Make Me An Island – If You Care A Little Bit About Me


Permitam-lhe que ele desarrume a memória e que, por uma história de nada – ou de tudo? – ponha o Joe Dolan a rodar.

Um café de província, Alfeizerão, junto a uma bomba de gasolina, uma bomba de gasolina da Mobil, que não era como as bombas de gasolina que o imaginário dos filmes americanos lhe transmitiu.

Duas, três mesas, uma jukebox a um canto, todas as sextas-feiras do último mês, de quase quarenta meses de tropa, dez tostões na ranhura da jukebox e o Make Me An Island do Joe Dolan a cantar no sonolento café, 2, 3 gins tónicos a completar o cenário.

Ele que até à data, depois de um milhão de gin-tónicos – chapelada a Mr. Humphrey Bogart – bebidos, em muitos e diversos bares, uns rascas, outros a armar ao fino, terá sempre na memória o sabor daqueles gins.

As circunstâncias fazem milagres e ele sabe que os gins eram merdosos e aproveita para  citar Nuno Júdice:  nada nos faz reviver melhor o passado do que um cheiro que em tempos lhe esteve associado.

É isso.

O gin era marca Bols, a água tónica era Canada Dry, o limão não tinha casca, o dono do café aproveitava as cascas para os martinis, o gelo tirava-o das paredes da geladeira dos gelados Olás, mas nada, que Joe Dolan e o seu Make Me An Island, o saber que, em passo de corrida, o findar da tropa se aproximava não fizessem esquecer.

Terminou a tropa ao bater do meio-dia de 30 de Setembro de 1970.

Apanhou a camioneta azul da carreira dos Claras, chegou a casa, pegou na Aida e zarpou para Os Perús, à Praça do Chile, frango assado, no dizer do escritor e jornalista Rui Cardoso Martins,  os melhores frangos assados do mundo, uma garrafa de tinto Aliança, pudim flan, Antiqua, em balão aquecido, se faz favor, e  ala que se faz tarde para  o 3º anel da Luz, que ainda não era Catedral, ver o Glorioso espetar 8 a 1 no Olimpija, uma rapaziada que em Liubilana, na 1º mão da 1ª eliminatória da Taça dos Clubes Campeões Europeus, tinha cometido a soberba proeza de empatar a um golo.

Para o informe ficar como deve ser:

O árbitro foi o Sr. Queudeville do Luxemburgo e o Glorioso alinhou com José Henrique na baliza, Malta da Silva, Humberto Coelho, Zeca e Toni (Barros entrou aos 80 m), Jaime Graça, Matine, Simões (capitão), Artur Jorge, Torres e Eusébio.

O treinador era o inglês Jimmy Hagan, o garagista.

O pantera negra meteu 5 golos, Zeca, Artur Jorge, Jaime Graça, completaram o placard.

Na jukebox de um café de província, junto a uma bomba de gasolina, Joe Dolan acabou de soltar os últimos versos take me and break me and make me an island, I'm yours.

Ainda sente o último gole de gin antes de se pôr a caminho para o último recolher do dia, no RI 5 das Caldas da Rainha, a mesma porta de armas por onde, 42 meses depois, por um 16 de Março, um grupo de militares saiu, a caminho de Lisboa, para aquilo que, ainda hoje, ninguém sabe explicar muito bem o que foi.

Um ensaio para o 25 de Abril, dizem os que pormaiores querem abreviar.

Sing again, Joe!

2 comentários:

Seve disse...

Era outro mundo!

Sammy, o paquete disse...

Tempos lentos, também difíceis, deixando marcas, memórias. Não lembrar o que almocei ontem mas ter imagens nítidas do que passou há longos e longos anos.