quarta-feira, 19 de julho de 2023

OLHARES


 O Pote, ali na João XXI, em Lisboa, tempos idos, décadas 60/70, era um vulgar restaurante, como tantos na cidade, mas que a partir da meia-noite virava tasca onde desaguava toda a casta de noctívagos, para umas bifanas, uns pregos com ovo a cavalo, vinhos, cervejas, também para o último copo, o último não, o penúltimo, porque o ultimo, esse, é na hora da morte.

Hoje O Pote, que naquele tempo não tinha a esplanada que se vê na imagem, é um restaurante sossegado e nunca mais virará, depois da meia-noite, hora de fantasmas e sonhadores, o quase-albergue-espanhol daqueles tempos.

Por estes sítios aconteceram conspirações, amores, desamores, conversas sem fim, que não se sabia se alguma vez tiveram um princípio, discussões várias e agitadas, pertencer a uma geração que quando queria fugir de si própria, não era bem fugir, desaguava em livros, músicas, filmes, cervejas, vinhos, muitas cigarradas
Mas O Pote era o preferido. Dele fazíamos porta-aviões, quando tudo já encerrara portas na cidade. Ingenuamente (poderia ter sido de outra forma?), unidos, a tentar ajudar outros, que queriam derrubar uma ditadura. Foi bom esse tempo, um tempo de causas, objectivos, éramos felizes, simplesmente não o sabíamos.
Numa madrugada, a tal ditadura caiu.
Depois, bom depois, não sabe se inevitável ou não, cada um partiu para o seu lado e trataram de arranjar inimigos diferentes.

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