domingo, 9 de julho de 2023

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


 Por vontade própria, o meu pai reformou-se tarde.

Já tinha, há algum tempo, passado os 65 anos, quando colocou um ponto final na carreira de jornalista-gráfico, como gostava de se considerar.

 Passámos, então, a ter um tempo que até aí não existira e, pelo menos, uma vez por mês, arrancávamos para uma jantarada, mais regada do que o resto, que terminava sempre com conversas “non-sense”, que iam desde o marxismo-leninismo ao carrapito da D. Aurora, do Benfica às pernas da Cyd Charisse.

 Por vezes a jantarada era antecedida de sessão de cinema.

 Juntos, vimos, no Fórum Picoas. as Recordações da Casa Amarela do João César Monteiro, - e o que nos divertimos! -, juntos também, (não) vimos no Londres a adaptação cinematográfica da Insustentável Leveza do Ser. Ao fim de vinte minutos de filme, olhou para mim e disse: vamos embora!.

 Apanhámos um táxi para Alcântara e aterrámos no Cuidado Com o Degrau, um restaurante que, penso, já não existe.

 Marxista-leninista convicto, gostava particularmente de Sartre e, e lia-o em francês. O livreiro Carvalho, da Livraria Clássica Editora, nos Restauradores, ao lado do então Cinema Eden, , conseguiu arranjar-lhe os seis primeiros volumes de Situations e sempre disse:

Mais vale estar errado com Sartre do que ter razão com Aron.

 Não admira as cócegas que sentiu vendo o filme saído do livro do Milan Kundera. 

  Pelo meu lado li Sartre, As Palavras é um livro que marcou muito os meus passos, mas sempre fui mais Albert Camus.

 Há dias, ao rever Peggy Sue Casou-se, um filme mal-amado, ou melhor dito: pouco citado,  de Francis Ford Coppola, dono e criador de obras inescapáveis, topei com o diálogo de uma maravilhosa Kathleen Turner com o avô:

 - Avô!

Sabe, quando o senhor e a avó morrerem a família morre convosco. Não voltarei a ver os primos.

 - O “strudel “da tua avó é que mantém esta gente unida.

 - Se pudesse voltar a fazer tudo de novo, avô, que faria de modo diferente?

 - Trataria melhor dos meus dentes

 Este tratar melhor dos dentes, mandou-me para idênticas palavras do meu pai  (estaria a citar Coppola? Não sei!), numa das jantaradas,  quando a conversa  terá entrado pelo velho beco do se eu soubesse o que sei hoje, se voltasse atrás, blá,blá,blá, e ele muito peremptório a afirmar que faria tudo, mas mesmo tudo, o que fizera, com uma única excepção: 

«Trataria melhor dos meus dentes.»

Sem comentários: