quinta-feira, 6 de julho de 2023

OS LOUCOS

A profissão de deus, o discurso do mundo, os pilares do universo,

eis um princípio magnânimo para abrir um poema.

A sua vastidão sem nome foge aos nomes,

solta na cabeça uma animalidade, lirismos, novas criaturas.

 

Quer passear com deus, a pobre alminha gráfica,

e recruta os anjos nos olhos da malícia, diz-se que deus é pobre

que não sabe sorrir, que se dá com crianças, putas e publicanos,

que não tem afinal profissão definida.

 

Que ladainha triste e sem filosofia,

sem as cavernas do grego, as mónadas do alemão,

sem o deus sive natura do judeu herege,

sem a teimosia daquele lá porque pensa existe e deus é perfeição

e basta.

 

Olhai: apenas um passeio de trôpegas palavras,

por vezes inquietas, infantis, e logo velhas à nascença,

consoante os cantos em que se vão esconder.

Perdidas dos fenómenos e nómenos, tacteiam-se entre si e logo gritam

que tocaram deus.

 

Há uma cegueira diversa no olhar dos loucos

que os leva a puxar pelo mundo

em segurança.

Como se o mundo fosse uma simples pesca, uma companha,

daqui saltam os peixes corredios, a prata da casa,

tudo o que foi cardume e percorreu o mar,

ciente e cauteloso,

dali crescem moluscos, grossos anéis de coragem,

sem dúvidas, firmes, e poderosos

na morte.

 

Rodam o pescoço à volta do universo, os loucos,

e tudo é matemática, biliões de anos-luz, a imensidão do silêncio

à entrada de deus.

É sua profissão purificar a saliva,

dar maior brilho às almas, criar as labaredas que não ardem,

deixar a casa limpa e ordenar aos anjos

que não adormeçam.

 

Armando Silva Carvalho

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