A profissão de deus, o discurso do mundo, os pilares do universo,
eis um princípio magnânimo para abrir um poema.
A sua vastidão sem nome foge aos nomes,
solta na cabeça uma animalidade, lirismos, novas
criaturas.
Quer passear com deus, a pobre alminha gráfica,
e recruta os anjos nos olhos da malícia, diz-se que
deus é pobre
que não sabe sorrir, que se dá com crianças, putas e
publicanos,
que não tem afinal profissão definida.
Que ladainha triste e sem filosofia,
sem as cavernas do grego, as mónadas do alemão,
sem o deus sive natura do judeu herege,
sem a teimosia daquele lá porque pensa existe e deus é
perfeição
e basta.
Olhai: apenas um passeio de trôpegas palavras,
por vezes inquietas, infantis, e logo velhas à
nascença,
consoante os cantos em que se vão esconder.
Perdidas dos fenómenos e nómenos, tacteiam-se entre si
e logo gritam
que tocaram deus.
Há uma cegueira diversa no olhar dos loucos
que os leva a puxar pelo mundo
em segurança.
Como se o mundo fosse uma simples pesca, uma companha,
daqui saltam os peixes corredios, a prata da casa,
tudo o que foi cardume e percorreu o mar,
ciente e cauteloso,
dali crescem moluscos, grossos anéis de coragem,
sem dúvidas, firmes, e poderosos
na morte.
Rodam o pescoço à volta do universo, os loucos,
e tudo é matemática, biliões de anos-luz, a imensidão
do silêncio
à entrada de deus.
É sua profissão purificar a saliva,
dar maior brilho às almas, criar as labaredas que não
ardem,
deixar a casa limpa e ordenar aos anjos
que não adormeçam.
Armando Silva Carvalho
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