Um mês, e mais alguns dias, que vamos percorrendo sem a Eduarda Dionísio.
Se já pouco lhe ligavam em vida, após a partida,
apenas sombras e silêncios.
Fui à estante e percorri páginas e mais páginas de Retrato de Um Amigo Enquanto Falo.
Os «revisas», os
«troskas», os «maos». No meio de tudo
isto um ele que (ainda) conseguia unir – o ódio de morte à ditadura fascista.
Depois foi o golpe do Pinochet no Chile. A grande discussão. Uns copos bebidos
no tasco do costume Foi quando o Pedro quis escrever um artigo contra Salvador
Allende. E alguns de nós a pensar que a censura até o deixaria passar. Sabendo-se
que a censura cortaria tudo o que referisse o governo de Unidade popular. A
mais leve evocação que fosse. Foi terrível. Foi também a divisão. E ainda não
chegara o 25 de Abril. E agora nem sequer nos encontramos no tal tasco para um
copo. Os sobressaltos dos anos 60/70. O
desespero. A esperança. O tempo das opções. As hesitações. As grandes e inultrapassáveis
hesitações. Os livros do Marx, do Lénine , da Rosa Luxemburgo, do Mao, lidos à
sucapa. Passados de mão em mão. Traduções péssimas mas as únicas que tínhamos.
E sabemos com que riscos.
Portugal anos 60 e
70: o 25 de Abril. Um itinerário. Ou seja: o livro da Eduarda Dionísio, Retrato de Um Amigo Enquanto Falo. Um
livro lindo que apetece ter sempre no bolso do casaco. A tal malta dos anos
60/70 está ali toda, está lá (quase) tudo. Um som e um ambiente ainda a pssar
pelas veias. Levámos pontapés. Tivemos alegrias. Resistimos. Optámos. Aprendemos.
Aprendemos mesmo? Um tempo vivido em bruto sem tratamentos de ácidos e cloros.
Também uma certa ternura. Este livro não é uma romagem de saudade. Saudades só
do futuro.
Eduardo Lourenço:
«Desta geração, em sentido literário, mais que vital,
poucas expressões me parecem tão significativas como a que ficou consagrada
em Retrato de
Um Amigo Enquanto Espero, de Eduarda Dionísio.»
«Li o livro, nas primeiras páginas, devagar. Como se
lê em línguas abstractas, mal aprendidas. À medida que se avança, o discurso –
e a leitura – acelera-se, precipita-se, ritmando em filigrana rostos, cenários,
brincando por entre as arcadas como Maria Casarés, a bela morte, no «Orfeu» de
Cocteau. Histórias da vida encobertas. Um diário que esconde a matéria-prima,
mas revelando-a. Itinerário. Eu sou apenas um leitor. As críticas que fiquem para
os outros. Há outros? Haverá?»
Para os «encartados»
como dizia o Eduardo Guerra Carneiro.
Um livro que não poderá deixar de ser lido, um livro que muito releio. Um livro que me sabe às manhãs da amizade, gentes que, por isto e por aquilo, deixei de ver, que gostaria de reencontrar para apanhar pontas de um novelo, um estranho novelo, diga-se.
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