Para Já Para Já
Vitor Silva Tavares
Ilustração de Rocha de Sousa
Edição do Jornal do Fundão, Fundão 1972
Senhor compositor: faça o favor de compor Senhor leitor: escrever é trampolinice, maluquice, crassa burrice que chatice, um tipo deixar de cirandar na rua por aí, deixa de beber cervejolas com amigos e tremoços, deixa de se preocupar com o fim do mês, deixa de ler o jornal sentado na retrete, deixa de namorar a tal do gostinho especial, deixa de viajar bilhete de quinze de autocarro, deixa de bater a soneca dos justos, deixa de ver a televisão que a RTP nos dá senhores, deixa de rezingar no café contra a bandalheira geral não desfazendo, deixa de comer o rabo de pargo, deixa de ser cidadão normal o que lhe permitem, atleta no arame da vidinha e, bic firme entre o polegar, o indicador e o médio, SG filtro fumegando, põe-se a maculara a inocência estática do papel, a desenhar sinais, a vomitar palavras, estas. Claro que podia dar-lhe para pior, sei lá, atravessar o Rossio nas horas de ponta e fardado de escuteiro a cantar o hino da Restauração. Ou pintar quadros surrealistas para as galerias finas. Ou distribuir propaganda das artes marciais. Ou cuspir na sopa de marisco a dez escudos. Mesmo assim, duvido! feitas as contas, deve ser mais grave doença esta de parir, rabiscar, alinhar palavras num estado tão indefeso coitado. Papel peço muita desculpa, aguenta o mau jeito. Já a minha mãe dizia: logo havia de me sair um poeta, era só o que me faltava.
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