Baptista-Bastos disse um dia que o jornalismo é uma disciplina superior da Literatura. Eu diária que no jornalismo há uma disciplina que sempre me fascinou: a crónica.
Num jornal, se há crónica, é por aí que começo.
Tenho pastas e pastas cheias de crónicas de jornais. Por vezes faço-lhe uma limpeza porque há (havia) um editor que se preocupava em publicar as crónicas de alguns escritores/jornalistas: Mesmo assim confiro sempre se lá puseram todas. Por exemplo, José Saramago, por um motivo ou por outro, não colocou nas Folhas Políticas todas as crónicas que publicara no semanário Extra.
De 2ª a 6ª feira, Manuel António Pina publicava uma crónica na última página do Jornal de Notícias.
Num livro seu, O Anacronista (1), que reúne crónicas publicadas em jornais e revistas, explica-se:
Cinco dias, o quotidiano, o que calhar,1420 caracteres escritos por um cidadão interventivo, que terão de ser entendidos por uma qualquer pessoa e, pelo meio, a perturbação dos políticos, ansiosamente perguntando-se : a quem é que ele hoje vai atirar a farpa. e, tal como os seus livros para crianças, igualmente recomendáveis para adultos, as suas crónicas podem virtualmente ser lidas com proveito por qualquer pessoa.
Numa entrevista ao I, Nuno Ramos de Almeida pergunta-lhe se o jornalismo não tende a matar a inteligência e a arte.
Uma coisa que eu aprendi no jornalismo é a humildade. Se conhece escritores, sabe que normalmente são tipos que acham que é fundamental aquilo que escrevem. No caso do jornalismo, como sabemos que aquilo que escrevemos no dia seguinte está a embrulhar o peixe, não é assim. No jornalismo aprendi essa humildade fundamental. Tenho de escrever, nas minhas crónicas, 1400 caracteres, o morto à medida do caixão – agora tenho-lhes metido o IVA, como aumentou, escrevo 1420. E meti-lhe o IVA baixo. Depois de escrevermos uma coisa, o coordenador corta e altera o título. O jornalismo é um trabalho colectivo. Isso dá-nos uma grande modéstia. O Luiz Pacheco dizia que daqui a cem anos ninguém se lembra. Qual daqui a cem anos... Mesmo na altura já ninguém se lembra. Os escritores têm muita dificuldade em aceitar que tudo acaba por se esquecer. Tudo tende para o esquecimento. Mas há mais relações, o jornalista aprende com o escritor o respeito pelas palavras, sabendo que há palavras que se dão com as outras, e outras não. Não calcula o tempo que demoro a escrever aquela merda com 1400 caracteres. Leio aquilo tantas vezes... Volto atrás e vou para a frente. Só a trabalheira de arranjar assunto. Eu espontaneamente só tenho opinião uma vez por ano, agora tenho de ter todos os dias porque ganho a vida assim. Nunca leio o que escrevi no dia seguinte, porque se o faço fico completamente frustrado.
(1) O Anacronista Manuel António Pina, Edições Afrontamento, Porto 1994.
Legenda: pormenor da capa de Luís Carrolo para o livro de crónicas Um Homem Na Cidade, Prelo Editora, Lisboa 1968
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