Pode dizer-se: José Saramago admirava Agustina Bessa Luís.
É numa crítica, publicada na Seara Nova de Maio de 1967, ao livro de Agustina As Relações Humanas, que Saramago expõe essa admiração:
Algumas das ideias de Agustina Bessa Luís não se limitam a ser conservadoras: são retrógradas. Repugnam a um nosso deliberado amor de claridade, de abertura para o inteligível, de definição e construção de um sistema de relações em que a magia não seja utilizada como meio (entre tantos) de dominação de classe. Mas… Como é possível, resistindo e opondo-nos embora no plano das ideias e da sua prática, não ser submergido pela beleza torrencial desta escrita, que não tem igual na literatura portuguesa deste tempo? Como é possível ficar indiferente a certas bruscas iluminações que vão mais longe e mais fundo, no sentido do conhecimento de si e do outro, que todo o material de análise que comumente manuseamos? Como é possível não reconhecer e declarar que se há em Portugal um escritor onde habite o génio (vá esta palavra, ainda que perigosa e equívoca) esse escritor é Agustina Bessa Luís?
(…)
Quem escreve assim, quem assim resolve, mistura e separa um universo de figuras dramáticas, mais que humanas, num cenário que mesmo quando quotidiano, apresenta sempre um ondular crispado de mundo em transe de criação, pode dar-se talvez ao supremo desdém de não exprimir ideias concretas ou de exprimi-las segundo uma escala de valores para nós, mortais de consumo corrente, ultrapassada e negativa. Fica uma lição e uma profissão de beleza. E a beleza, essa, não é concretamente um valor ultrapassado.
Fica por saber, se José Saramago manteve, para sempre, essa admiração.
Numa entrada,10 de Outubro de 1994, no 2º volume dos Cadernos de Lanzarote, escreve José Saramago:
Agora chegou-me a notícia de que Agustina Bessa Luís passou a dedicar-se também a estas activ9dades conjuntas de polícia, ministério público e juiz. Declarou que eu não sou um «grande escritor», que sou apenas «produto de diversas circunstâncias»… Ser eu, ou não, um «grande escritor» não tiraria nem acrescentaria nada à glória literária e à importância social de Agustina Bessa Luís, mas isso para ela é insignificante perante a ocasião que lhe deram de mostrar-se tão traquinas quanto lho pede a natureza. Mesmo que demoradamente explicasse, Bessa Luís não compreenderia que nunca pretendi ser um «grande escritor», mas um escritor simplesmente. Bessa Luís tem os ouvidos tapados para estas distinções, tão tapados como parece que esteve neste caso o seu entendimento ao deixar os leitores da entrevista dada ao Independente sem saber – porque as não mencionou – de que as circunstâncias perversas sou eu mistificador produto. Muito pior ainda, se é possível, foi ter Agustina Bessa Luís calado as circunstâncias que fizeram dela a «grande escritora» que sem dúvida acredita ser…
Anos mais tarde, em Uma Longa Viagem com José Saramago, dirá a João Céu e Silva:
Não que seja um génio, mas apareço com o meu trabalho feito e a natureza do meu trabalho, o meu tipo de escrita, os temas que eu trato – que saem fora da rotina mais ou menos convencional de uma situação sentimental ou de conflito familiar. Isso é uma área que não me interessa – e os livros têm êxito, os leitores multiplicam-se e isso não se me perdoou. O Vergílio Ferreira… A Agustina, numa entrevista que deu disse que em Portugal só havia dois escritores que mereciam o Prémio Nobel: um era o Vergílio Ferreira outro era ela. E também diz a certa altura: «Não o José Saramago não é um grande escritor. É o produto de certas circunstâncias» e por aqui se ficou. Nem disse quais eram as circ8unstãncias nem disse como é que se chegava a ser grande escritor como certamente ela supunha que era. Não vale a pena, no fundo a inveja é uma coisa que todos mais ou menos sofremos. Alguns dominam-na e transformam-na noutra coisa. Se eu invejo aquele tipo que aquele tipo que é mais alto do que eu, vou fazer ginástica para ser mais alto que ele…
Legenda: a capa do livro de Agustina Bessa Luís foi tirada do site da Fnac.
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