sexta-feira, 27 de março de 2020

HANK WILLIAMS, MY FRIEND


Há muitos anos atrás, já não me lembro a que propósito, “Sam, o paquete” pediu-me um texto para o seu blogue acerca de Hank Williams. Respondi-lhe que não era o Sr. Matos Maia e que teria todo o prazer em lhe enviar esse texto quando uma boa oportunidade surgisse. Promessa cumprida, portanto, com as minhas desculpas pelo enorme atraso…

“Goodbye Hank Williams, my friend
I didn’t know you, but I’ve been in places you’ve been”
(Tim Hardin – Tribute to Hank Williams)

Aí pelos finais dos anos 60, andaria eu pelos meus 15/16 anos, sentia uma grande aversão pela Música “Country”.

Mas, como tantas vezes sucede neste tipo de reações, o motivo era apenas um: ignorância, uma santa ignorância…

Por essa altura “Country Music” era, para mim, uns programas que passavam semanalmente na televisão, em que  atrasados mentais, vestidos de palhaços, nos queriam à viva força fazer rir com as suas fantochadas, metendo uma músiquinha pelo meio de vez em quando… E tudo isto com aquele irritante som da assistência a rir a bandeiras despregadas... 

Pobre de mim…!

Só muitos anos mais tarde me dei conta de que essas seriam, muito provavelmente, as emissões do “Grand Ole Opry”, o mais antigo e importante programa radiofónico dos Estados Unidos dedicado à música “Country”,  por onde passaram todas as grandes figuras desse género musical, de 1925 até hoje.  E que era destinado ao “americano médio”, sobretudo dos Estados rurais, iletrado e culturalmente pouco exigente, o que  talvez justifique aquela minha impressão de senilidade… 

O que eu não daria para voltar a ver esses programas com os olhos de hoje…!

Entretanto, os tempos iam passando e a aversão não abrandava.

Abria uma ou outra exceção, como era o caso do Johnny Cash, que cantou a duo com o Bob Dylan no seu “Nashville Skyline”  e tinha acabado de lançar um excelente disco ao vivo na prisão de San Quentin. Disco histórico, aliás, porque foi a primeira vez que me lembro de ver um disco censurado com um ruído de piiiiiiiiii cada vez que o bom do Cash dizia um palavrão…
Quanto aos cantores “Country”, esses passaram a ser aqueles de barba grisalha muito bem aparada e de chapéuzinho na cabeça, cujo arquétipo nos anos 70 era o Kenny Rogers (coitado!, morreu no dia seguinte a ter escrito isto…! Descanse em Paz).  Músicas muito bonitinhas, mas que não me encantavam…

É preciso que se esclareça que em Portugal a boa “Country Music” era muito pouco divulgada, na rádio como nos jornais, e quando o era nunca era pelos melhores motivos.  Só muito mais tarde surgiu um programa radiofónico que lhe fez, verdadeiramente, honra (o “Country Music, Música da América”, de Jaime Fernandes, já nos finais dos anos 70 / início dos anos 80, se a memória não me falha) 

Em síntese e para abreviar a conversa: eu nada sabia da música tradicional americana nem das suas origens...

Até que algo mudou e uma série de novos conhecimentos me fizeram começar a olhar para a “Country” com outros olhos.

Primeiro o magnífico “Sweetheart of the Rodeo”, que Gram Parsons fez com os Byrds e que chamou a minha atenção para esse magnífico novo som que viria a ser designado por “Country-Rock”. Daí parti para Gram Parsons  e para os Flying Burrito Brothers e, com mais algum tempo em cima,  de Parsons para quem inspirou Parsons (Buck Owens, Porter Wagoner, Louvin Brothers, …) e para quem foi inspirado por Parsons (Emmylou Harris, e por aí fora…)
E depois, também, pela mesma altura, os dois magníficos discos que Gene Clark fez com Doug Dillard, sempre na senda desse tal novo “Country-Rock”.

A coisa não ficou por aqui e não vos quero massacrar com mais nomes. Mas seria ingrato não mencionar, também, os Creedence Clearwater Revival, cujos álbuns em série, ouvidos em casa do meu Querido Amigo João Pedro,  também se aproximavam do “Country Rock” e me deram tanto prazer, nesses tempos.

Mas, para a nossa conversa, o importante é que,  a determinada altura, um tal de Hank Willkiams, de que já tinha ouvido falar mas de quem nada conhecia, começou a cruzar-se comigo  demasiadas vezes pelo caminho…

Ouvi pela primeira vez  “Jambalaya” cantada pelo Fats Domino.  Gostei e quem tinha escrito essa canção...? Hank Williams.

E depois “Take This Chains From My Heart” pelo Ray Charles, e de novo Hank Williams.

E “I’m So Lonesome I Could Cry”... 

E “I Can’t Help It (If I’m Still in Love With You)”…

E depois a coisa agravou-se ainda mais...

Descobri que Tim Hardin, um dos meus mais queridos Amigos - daqueles de quem nunca se deve desconfiar – lhe tinha dedicado uma música…

E que Ian Mathews, outro dos que habitava o meu Olimpo desses tempos, fez, uns anos mais tarde, uma “cover” dessa mesma música.

E  tudo transbordou de vez quando Kris Kristofferson, outro “muito lá de casa”, olhando-me bem nos olhos me disparou à queima roupa:

                                If you don’t like Hank Williams you can kiss my ass!”


Que diabo! Com tanta gente de quem eu gosto a gostar de Hank William, eu também tinha de conhecê-lo com urgência…

E foi por isso que na primeira vez que fui a Londres, em meados dos anos 70, dois volumes de um “Greatest Hits” de Hank Williams, um de capa beije e outro verde clarinho, integraram o magnífico acervo de cerca de 80 LP’s que trouxe comigo para casa. 

E assim mergulhei, para sempre, no maravilhoso mundo de Hank Williams.

Hank Williams nasceu em Mount Olive, Alabama, em 1923.

Teve uma infância problemática. Uma grave doença na coluna vertebral provocava-lhe dores tremendas e impedia-o de ser uma criança como as outras, sobretudo no que respeita às brincadeira mais físicas. 

Praticamente não teve a companhia de um pai na sua infância. O seu pai  pai trabalhava nos caminhos de ferro e tinha de ir para onde o enviavam, uma vezes sozinho e outras com a família, consoante o tempo da deslocação. Um grave acidente de trabalho atirou-o para uma cama de hospital durante anos, e a mãe de Hank, Lillie Williams,  fez crer ao  rapaz que ele tinha morrido, quando isso não era verdade.

Também não criava raízes. A sua mãe andava sempre a saltar de cidade para cidade e cada casa nova que arranjava transformava-a em pensão, para conseguir uns dólares  suplementares, o que não proporcionava ao jovem Hank qualquer tipo de intimidade.
Numa família profundamente religiosa, aos seis anos de idade Hank já era membro do coro da Igreja local, começando aí o seu amor pela música Gospel, que o acompanharia por toda a vida. 

Obtida a primeira guitarra aos 7 anos, teve lições de música por intermédio de Rufus “Tee-Tot” Payne, um cantor de rua negro que o introduziu ao “Blues” e que Hank viria a considerar o seu primeiro e mais importante mentor.

Incentivado pela mãe começou a tocar e a ganhar concursos em programas de rádio locais, começando a  granjear aí alguma reputação.
Aos 15 anos criou a sua primeira banda, os “Drifting Cowboys”, que  aos fins de semana o acompanhava nos bailes da região.

O sucesso ia aumentando e aos 16 anos a mãe tirou-o da escola, enfiou a banda numa carripana e lançou-se com eles à estrada, tornando-se a sua motorista e a sua “manager” e levando-os a tocar em “honky-tonks” e em pequenas salas de espetáculos, muitas das vezes como abertura dos programas principais. E assim se mantiveram durante alguns anos, com algumas variações na banda devido às chamadas para o serviço militar (por força da sua doença, Hank ficara isento).


Em 1944, numa estação de gasolina da Texaco (é verdade…!),  casou-se com Audrey Sheppard , uma cantora de segunda categoria que encontrara pelo caminho e associara à banda, deixando que nela assumisse um protagonismo exagerado, tendo substituido a própria mãe de Hank  como “manager”.

Mas o sucesso continuava a aumentar e as principais estações radiofónicas dos estados do sul  abriam-lhe as portas e reservavam-lhe tempo de antena com programas em seu  nome. Um dos principais era o “Louisiana Hayride”, onde Hank atuava aos fins de semana.
Em finais de 1946, pela mão de Fred Rose, o lendário produtor e compositor a quem, entretanto, se ligara, faz a sua primeira gravação, onde incluiu “Honky Tonkin” que, juntamente com “Move It on Over”, lançada no ano seguinte, serão talvez as suas músicas  mais antigas a serem,  mais tarde,  consideradas “clássicos”.

1949 iria ser um ano de boas recordações para Hank Williams.

O seu filho, Hank Williams Jr, que haveria de seguir as passos do pai como “country singer”, nasceu em Maio desse ano, numa altura em que Hank estava a ter o seu primeiro grande sucesso à escala nacional com a sua nova versão de  “Lovesick Blues”, “cover” de uma velha canção dos anos 20 que nos lembramos de ter ouvido na banda sonora do “The Last Picture Show”, do Peter Bogdanovich, e que também seria retomada, mais tarde, por Arlo Guthrie, no melhor dos seus álbuns (“Last of the Brooklyn Cowboy’s”, 1973).

A letra desta música acabaria por ser bastante premonitória sobre o que iria ser o futuro de Hank:

“I got a feeling called the blues, oh Lord
Since my baby said goobye
Lord, I don’t know what I’ll do
All I do is sit and sigh, oh Lord
………………………………………………..
Such a beautiful dream
I hate to think it’s all over, I’ve lost my heart, it seems
I’ve grown so used to you somehow
Well I’m nobody’s sugar daddy now
And I’m lonesome, I got the lovesick blues”

A 11 Junho de 1949, na sequência deste grande êxito e acompanhado de uma nova formação dos “Drifting Cowboys”, Hank atinge o cume do seu sucesso com a estreia no “Grand Ole Opry”, o principal programa radiofónico nacional dedicado à música “country” emitido de Nashville, a que já atrás fiz referência, no qual se manteria, com regularidade, durante os próximos três anos.  Conta a “Illustrated Encyclopedia of Country Music” (1977) que os seis “encores” de “Lovesick Blues” que teve de fazer nessa noite permanecem como “the Ryman greatest moment” (Ryman era o teatro de onde o programa era emitido).

A boa estrela de Hank continuava a guiá-lo, com grandes sucessos nos dois anos que se seguiram e uma grandiosa “tournée” pelos Estados Unidos em 1951, na companhia de Bob Hope e de outras celebridades da época.

Mas, depois, foi sempre a descer até à sua morte.

Hank bebia demasiado e consumia drogas o que, se lhe acrescentarmos o uso de morfina e outros barbitúricos  necessários para lhe atenuar as dores provocadas pela doença, era uma mistura explosiva.

Começou a falhar os seus compromissos com as estações de rádio, ou a chegar a eles num estado deplorável.  Foi delas expulso, como seria, também, expulso do “Grand Ole Opry” e veria a colaboração com Fred Rose ser também, por este, cancelada.

Apesar de não ter tido muita sorte com quem lhe saiu na rifa, Hank era homem de uma só mulher. Só que precisava de muitas outras para o lembrarem…!

As suas permanentes crises de alcoolismo, associadas às frequentes infidelidades, levaram a mulher, Audrey Williams, a pô-lo na alheta e a requerer o divórcio.

Reza a lenda que Hank lhe terá respondido que, se ela levasse avante o divórcio, ele não iria ter nem mais um ano de vida. Se assim foi, acertou...

O divórcio seria decretado em Maio de 1952, e poucos meses depois, em Outubro desse mesmo ano, Hank voltaria a casar-se. 

Procurava, a todo o custo, regressar à ribalta, com novos espetáculos já agendados,  quando morreu, repentinamente, no dia 1 de Janeiro de 1953  (ou no dia 31 de Dezembro de 1952, consoante a versão em que se queira acreditar, como vos contarei um destes dias…), quando se dirigia para o primeiro desses novos compromissos.


No seu funeral, seguido por mais de 20.000 pessoas, Roy Acuff, Carl Smith, Red Folley e Ernest Tubb prestaram-lhe uma última homenagem.

Poucos dias após a morte de Hank Williams viria à luz a sua filha Jett,  fruto de uma outra breve relação com uma terceira mulher... 

You’ve got a million-dollar talent, son, but a ten-cent brain”, ter-lhe-á dito o grande Roy Acuff, quando ambos se cruzaram no início da sua carreira. Talvez não andasse muito longe da verdade...

Hank Williams repousa aqui, neste anexo do Cemitério de Oakmood,  em Montgomery, Alabama.

Fui vê-lo num belíssimo Domingo de Agosto e não havia vivalma, só serenidade à nossa volta.
Hank começou por estar sózinho. Mas Audrey terá manifestado desejo de se lhe juntar e assim sucedeu  após a sua morte, em 1975.

Finalmente de novo juntos como, bem lá no fundo, Hank teria gostado... 

Embora não crente, imagino-os juntos no Céu a cantar em duo, de mãos dadas,  “ A Home in Heaven”, como tantas vezes o fizeram aqui na Terra:

“Around me many are building
Homes of beauty and wealth
But what of a home in Heaven
Where will you  live after death

Are you building a home in Heaven
To live in when live is over
Will you move to that beautifuk city
And live with Christ ever more”

PS:

Dir-me-ão alguns de vós, com razão, que este texto parece estar “coxo”, como que amputado de qualquer coisa… Entre outras coisas, faltarão as canções, é claro…

Isto não pretendia ser mais do que uma introdução. Contar como cheguei a Hank Williams, fazer uma curta síntese da sua vida e depois falar das canções, ou melhor, da maneira como sinto as suas canções. Depois falaria da sua morte, enterrá-lo-ia e abordaria, finalmente, coisas dispersas, como as memórias que dele persistem em Montgomery e os maus filmes que acerca sua vida se fizeram.

Mas a capacidade de síntese nunca foi o meu forte. Tal como em estrada aberta prefiro as viagens longas às curtas, sem me preocupar com grandes atalhos, na escrita gosto de entrar pela página fora…

Se não tivesse arrepiado caminho, isto tenderia para um “testamento” e vocês teriam todo o direito de pensar: “Porra! Já não nos basta a covid-19  e temos de levar também com este gajo em cima…!

Por isso, as séries estão na moda e isto seguirá por episódios. Como, entretanto, já aproveitei para o enterrar, tudo o resto, a morte, as canções, as memórias e os filmes virão depois.

Ficam já avisados  do que vos espera nas próximas semanas. Quem não gostar do tema é só clicar…

PS II:

Não tenho na minha biblioteca qualquer obra de fundo acerca de  Hank Williams, mas apenas algumas referências dispersas em diversos livros. Nos filmes também não se pode confiar… As informações respeitantes à vida e à carreira de Hank foram obtidas em “The Illustrated  Encyclopedia of Country Music” (Salamander Books, 1977) e na Net.

Texto de Luís Miguel Mira

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