Há muitos anos atrás, já não me lembro a
que propósito, “Sam, o paquete” pediu-me um texto para o seu blogue acerca de
Hank Williams. Respondi-lhe que não era o Sr. Matos Maia e que teria todo o
prazer em lhe enviar esse texto quando uma boa oportunidade surgisse. Promessa
cumprida, portanto, com as minhas desculpas pelo enorme atraso…
“Goodbye
Hank Williams, my friend
I didn’t
know you, but I’ve been in places you’ve been”
(Tim Hardin – Tribute to Hank Williams)
Aí pelos
finais dos anos 60, andaria eu pelos meus 15/16 anos, sentia uma grande aversão
pela Música “Country”.
Mas, como
tantas vezes sucede neste tipo de reações, o motivo era apenas um: ignorância,
uma santa ignorância…
Por essa
altura “Country Music” era, para mim, uns programas que passavam
semanalmente na televisão, em que atrasados mentais, vestidos de
palhaços, nos queriam à viva força fazer rir com as suas fantochadas, metendo
uma músiquinha pelo meio de vez em quando… E tudo isto com aquele irritante som
da assistência a rir a bandeiras despregadas...
Pobre de
mim…!
Só muitos
anos mais tarde me dei conta de que essas seriam, muito provavelmente, as
emissões do “Grand Ole Opry”, o mais antigo e importante programa
radiofónico dos Estados Unidos dedicado à música “Country”, por
onde passaram todas as grandes figuras desse género musical, de 1925 até
hoje. E que era destinado ao “americano médio”, sobretudo dos Estados
rurais, iletrado e culturalmente pouco exigente, o que talvez justifique
aquela minha impressão de senilidade…
O que eu não
daria para voltar a ver esses programas com os olhos de hoje…!
Entretanto,
os tempos iam passando e a aversão não abrandava.
Abria uma ou
outra exceção, como era o caso do Johnny Cash, que cantou a duo com o Bob Dylan
no seu “Nashville Skyline” e tinha acabado de lançar um excelente
disco ao vivo na prisão de San Quentin. Disco histórico, aliás, porque foi a
primeira vez que me lembro de ver um disco censurado com um ruído de
piiiiiiiiii cada vez que o bom do Cash dizia um palavrão…
Quanto aos
cantores “Country”, esses passaram a ser aqueles de barba grisalha muito
bem aparada e de chapéuzinho na cabeça, cujo arquétipo nos anos 70 era o Kenny
Rogers (coitado!, morreu no dia seguinte a ter escrito isto…! Descanse em
Paz). Músicas muito bonitinhas, mas que não me encantavam…
É preciso que
se esclareça que em Portugal a boa “Country Music” era muito pouco
divulgada, na rádio como nos jornais, e quando o era nunca era pelos melhores
motivos. Só muito mais tarde surgiu um programa radiofónico que lhe fez,
verdadeiramente, honra (o “Country Music, Música da América”, de
Jaime Fernandes, já nos finais dos anos 70 / início dos anos 80, se a memória
não me falha)
Em síntese e
para abreviar a conversa: eu nada sabia da música tradicional americana nem das
suas origens...
Até que algo
mudou e uma série de novos conhecimentos me fizeram começar a olhar para a “Country”
com outros olhos.
Primeiro o
magnífico “Sweetheart of the Rodeo”, que Gram Parsons fez com os Byrds e
que chamou a minha atenção para esse magnífico novo som que viria a ser
designado por “Country-Rock”. Daí parti para Gram Parsons e para
os Flying Burrito Brothers e, com mais algum tempo em cima, de Parsons
para quem inspirou Parsons (Buck Owens, Porter Wagoner, Louvin Brothers, …) e
para quem foi inspirado por Parsons (Emmylou Harris, e por aí fora…)
E depois,
também, pela mesma altura, os dois magníficos discos que Gene Clark fez com
Doug Dillard, sempre na senda desse tal novo “Country-Rock”.
A coisa não
ficou por aqui e não vos quero massacrar com mais nomes. Mas seria ingrato não
mencionar, também, os Creedence Clearwater Revival, cujos álbuns em série,
ouvidos em casa do meu Querido Amigo João Pedro, também se aproximavam do
“Country Rock” e me deram tanto prazer, nesses tempos.
Mas, para a
nossa conversa, o importante é que, a determinada altura, um tal de Hank
Willkiams, de que já tinha ouvido falar mas de quem nada conhecia, começou a
cruzar-se comigo demasiadas vezes pelo caminho…
Ouvi pela
primeira vez “Jambalaya” cantada pelo Fats Domino. Gostei e
quem tinha escrito essa canção...? Hank Williams.
E depois “Take This Chains From My Heart” pelo Ray Charles, e de
novo Hank Williams.
E “I’m So Lonesome I Could Cry”...
E “I Can’t Help It (If I’m Still in Love With You)”…
E depois a
coisa agravou-se ainda mais...
Descobri que
Tim Hardin, um dos meus mais queridos Amigos - daqueles de quem nunca se deve
desconfiar – lhe tinha dedicado uma música…
E que Ian
Mathews, outro dos que habitava o meu Olimpo desses tempos, fez, uns anos mais
tarde, uma “cover” dessa mesma música.
E tudo
transbordou de vez quando Kris Kristofferson, outro “muito lá de casa”,
olhando-me bem nos olhos me disparou à queima roupa:
“If you don’t like Hank
Williams you can kiss my ass!”
Que diabo!
Com tanta gente de quem eu gosto a gostar de Hank William, eu também tinha de
conhecê-lo com urgência…
E foi por
isso que na primeira vez que fui a Londres, em meados dos anos 70, dois volumes
de um “Greatest Hits” de Hank Williams, um de capa beije e outro verde
clarinho, integraram o magnífico acervo de cerca de 80 LP’s que trouxe comigo
para casa.
E assim
mergulhei, para sempre, no maravilhoso mundo de Hank Williams.
Hank Williams
nasceu em Mount Olive, Alabama, em 1923.
Teve uma
infância problemática. Uma grave doença na coluna vertebral provocava-lhe dores
tremendas e impedia-o de ser uma criança como as outras, sobretudo no que
respeita às brincadeira mais físicas.
Praticamente
não teve a companhia de um pai na sua infância. O seu pai pai trabalhava
nos caminhos de ferro e tinha de ir para onde o enviavam, uma vezes sozinho e
outras com a família, consoante o tempo da deslocação. Um grave acidente de
trabalho atirou-o para uma cama de hospital durante anos, e a mãe de Hank,
Lillie Williams, fez crer ao rapaz
que ele tinha morrido, quando isso não era verdade.
Também não
criava raízes. A sua mãe andava sempre a saltar de cidade para cidade e cada
casa nova que arranjava transformava-a em pensão, para conseguir uns
dólares suplementares, o que não proporcionava ao jovem Hank qualquer
tipo de intimidade.
Numa família
profundamente religiosa, aos seis anos de idade Hank já era membro do coro da
Igreja local, começando aí o seu amor pela música Gospel, que o acompanharia
por toda a vida.
Obtida a
primeira guitarra aos 7 anos, teve lições de música por intermédio de Rufus
“Tee-Tot” Payne, um cantor de rua negro que o introduziu ao “Blues” e que Hank
viria a considerar o seu primeiro e mais importante mentor.
Incentivado
pela mãe começou a tocar e a ganhar concursos em programas de rádio locais,
começando a granjear aí alguma reputação.
Aos 15 anos
criou a sua primeira banda, os “Drifting Cowboys”, que aos fins de
semana o acompanhava nos bailes da região.
O sucesso ia
aumentando e aos 16 anos a mãe tirou-o da escola, enfiou a banda numa carripana
e lançou-se com eles à estrada, tornando-se a sua motorista e a sua “manager” e
levando-os a tocar em “honky-tonks” e em pequenas salas de espetáculos,
muitas das vezes como abertura dos programas principais. E assim se mantiveram
durante alguns anos, com algumas variações na banda devido às chamadas para o
serviço militar (por força da sua doença, Hank ficara isento).
Em 1944, numa
estação de gasolina da Texaco (é verdade…!), casou-se com Audrey Sheppard
, uma cantora de segunda categoria que encontrara pelo caminho e associara à
banda, deixando que nela assumisse um protagonismo exagerado, tendo substituido
a própria mãe de Hank como “manager”.
Mas o sucesso
continuava a aumentar e as principais estações radiofónicas dos estados do
sul abriam-lhe as portas e reservavam-lhe tempo de antena com programas
em seu nome. Um dos principais era o “Louisiana
Hayride”, onde Hank atuava aos fins de semana.
Em finais de
1946, pela mão de Fred Rose, o lendário produtor e compositor a quem,
entretanto, se ligara, faz a sua primeira gravação, onde incluiu “Honky
Tonkin” que, juntamente com “Move It on Over”, lançada no ano
seguinte, serão talvez as suas músicas mais antigas a serem, mais tarde,
consideradas “clássicos”.
1949 iria ser
um ano de boas recordações para Hank Williams.
O seu filho,
Hank Williams Jr, que haveria de seguir as passos do pai como “country
singer”, nasceu em Maio desse ano, numa altura em que Hank estava a ter o
seu primeiro grande sucesso à escala nacional com a sua nova versão de “Lovesick
Blues”, “cover” de uma velha canção dos anos 20 que nos lembramos de
ter ouvido na banda sonora do “The Last Picture Show”, do Peter
Bogdanovich, e que também seria retomada, mais tarde, por Arlo Guthrie, no
melhor dos seus álbuns (“Last of the Brooklyn Cowboy’s”, 1973).
A letra desta
música acabaria por ser bastante premonitória sobre o que iria ser o futuro de
Hank:
“I got a
feeling called the blues, oh Lord
Since my
baby said goobye
Lord, I
don’t know what I’ll do
All I do is
sit and sigh, oh Lord
………………………………………………..
Such a
beautiful dream
I hate to
think it’s all over, I’ve lost my heart, it seems
I’ve grown
so used to you somehow
Well I’m
nobody’s sugar daddy now
And I’m
lonesome, I got the lovesick blues”
A 11 Junho de
1949, na sequência deste grande êxito e acompanhado de uma nova formação dos “Drifting
Cowboys”, Hank atinge o cume do seu sucesso com a estreia no “Grand Ole
Opry”, o principal programa radiofónico nacional dedicado à música “country”
emitido de Nashville, a que já atrás fiz referência, no qual se manteria, com
regularidade, durante os próximos três anos. Conta a “Illustrated
Encyclopedia of Country Music” (1977) que os seis “encores” de “Lovesick
Blues” que teve de fazer nessa noite permanecem como “the Ryman greatest
moment” (Ryman era o teatro de onde o programa era emitido).
A boa estrela
de Hank continuava a guiá-lo, com grandes sucessos nos dois anos que se
seguiram e uma grandiosa “tournée” pelos Estados Unidos em 1951, na companhia
de Bob Hope e de outras celebridades da época.
Mas, depois,
foi sempre a descer até à sua morte.
Hank bebia
demasiado e consumia drogas o que, se lhe acrescentarmos o uso de morfina e
outros barbitúricos necessários para lhe atenuar as dores provocadas pela
doença, era uma mistura explosiva.
Começou a
falhar os seus compromissos com as estações de rádio, ou a chegar a eles num
estado deplorável. Foi delas expulso, como seria, também, expulso do “Grand
Ole Opry” e veria a colaboração com Fred Rose ser também, por este,
cancelada.
Apesar de não
ter tido muita sorte com quem lhe saiu na rifa, Hank era homem de uma só
mulher. Só que precisava de muitas outras para o lembrarem…!
As suas
permanentes crises de alcoolismo, associadas às frequentes infidelidades,
levaram a mulher, Audrey Williams, a pô-lo na alheta e a requerer o divórcio.
Reza a lenda
que Hank lhe terá respondido que, se ela levasse avante o divórcio, ele não
iria ter nem mais um ano de vida. Se assim foi, acertou...
O divórcio
seria decretado em Maio de 1952, e poucos meses depois, em Outubro desse mesmo
ano, Hank voltaria a casar-se.
Procurava, a
todo o custo, regressar à ribalta, com novos espetáculos já agendados,
quando morreu, repentinamente, no dia 1 de Janeiro de 1953 (ou no dia 31 de Dezembro de 1952, consoante
a versão em que se queira acreditar, como vos contarei um destes dias…), quando
se dirigia para o primeiro desses novos compromissos.
No seu
funeral, seguido por mais de 20.000 pessoas, Roy Acuff, Carl Smith, Red Folley
e Ernest Tubb prestaram-lhe uma última homenagem.
Poucos dias
após a morte de Hank Williams viria à luz a sua filha Jett, fruto de uma
outra breve relação com uma terceira mulher...
“You’ve
got a million-dollar talent, son, but a ten-cent brain”, ter-lhe-á dito o
grande Roy Acuff, quando ambos se cruzaram no início da sua carreira. Talvez
não andasse muito longe da verdade...
Hank Williams
repousa aqui, neste anexo do Cemitério de Oakmood, em Montgomery,
Alabama.
Fui vê-lo num
belíssimo Domingo de Agosto e não havia vivalma, só serenidade à nossa volta.
Hank começou
por estar sózinho. Mas Audrey terá manifestado desejo de se lhe juntar e assim
sucedeu após a sua morte, em 1975.
Finalmente de
novo juntos como, bem lá no fundo, Hank teria gostado...
Embora não
crente, imagino-os juntos no Céu a cantar em duo, de mãos dadas, “ A
Home in Heaven”, como tantas vezes o fizeram aqui na Terra:
“Around me
many are building
Homes of
beauty and wealth
But what of
a home in Heaven
Where will
you live after death
Are you
building a home in Heaven
To live in
when live is over
Will you
move to that beautifuk city
And live
with Christ ever more”
PS:
Dir-me-ão
alguns de vós, com razão, que este texto parece estar “coxo”, como que amputado
de qualquer coisa… Entre outras coisas, faltarão as canções, é claro…
Isto não
pretendia ser mais do que uma introdução. Contar como cheguei a Hank Williams,
fazer uma curta síntese da sua vida e depois falar das canções, ou melhor, da
maneira como sinto as suas canções. Depois falaria da sua morte, enterrá-lo-ia
e abordaria, finalmente, coisas dispersas, como as memórias que dele persistem
em Montgomery e os maus filmes que acerca sua vida se fizeram.
Mas a
capacidade de síntese nunca foi o meu forte. Tal como em estrada aberta prefiro
as viagens longas às curtas, sem me preocupar com grandes atalhos, na
escrita gosto de entrar pela página fora…
Se não
tivesse arrepiado caminho, isto tenderia para um “testamento” e vocês teriam
todo o direito de pensar: “Porra! Já não nos basta a covid-19 e temos
de levar também com este gajo em cima…!”
Por isso, as
séries estão na moda e isto seguirá por episódios. Como, entretanto, já
aproveitei para o enterrar, tudo o resto, a morte, as canções, as memórias e os
filmes virão depois.
Ficam já
avisados do que vos espera nas próximas semanas. Quem não gostar do tema
é só clicar…
PS II:
Não tenho na
minha biblioteca qualquer obra de fundo acerca de Hank Williams, mas
apenas algumas referências dispersas em diversos livros. Nos filmes também não
se pode confiar… As informações respeitantes à vida e à carreira de Hank foram
obtidas em “The Illustrated Encyclopedia of Country Music”
(Salamander Books, 1977) e na Net.
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