terça-feira, 24 de março de 2020

DIÁRIO DOS DIAS DIFÍCEIS


Continuam a passar as horas em que não sabemos nada uns dos outros, ou sabemos assim, sem qualquer ponta de gosto, a frieza de um qualquer telemóvel… e cada vez mais andamos para dentro de nós…

Um dia, quando Nuno Júdice regressou de uma viagem deu-nos a conhecer:

«Depois de algum tempo fora, abri o correio
e tirei o mar de dentro da caixa. As algas
acumulavam-se por entre cartas e publicidade;
e uma onda rebentou nas minhas mãos quando
separei a água e o céu, e a linha do horizonte

me apareceu sob uma espuma de pássaros.»

Tempo para Nat King Cole cantar «Smile».


1.

Numa entrevista por Skype, a uma televisão espanhola, o Papa Francisco deixou um apelo às empresas, para não despedirem os seus trabalhadores.

O Primeiro-ministro, ontem, em  entrevista:

«Este não é o momento para fazer despedimentos.»

O Diário de Notícias on-line colocava, esta manhã, em título:

«Começou a onda de despedimentos, lay offs, dispensas e férias forçadas.»

Assim como se não conhecêssemos, de, ginjeira, o nosso distinto patronato.

A superficialidade, a ignorância, a incompetência, a maldade dos nossos empresários, das nossos banqueiros, dos nossos directores disto daquilo e daqueloutro,  são de um tamanho sem medida, e sempre foi uma mentira, de largos anos,  em que tentaram fazer passar a mensagem de que o pais não avançava porque os trabalhadores são de uma aflitiva miséria laboral.

O céu há-de castiga-los, como dizem todos aqueles que acreditam em Deus e não querem gastar dinheiro com advogados.

2.

As Forças Armadas espanholas localizaram vários idosos abandonados que viviam, lado a lado, com cadáveres, em lares da terceira idade.

3.

O primeiro-ministro japonês Shinzo Abe disse, esta terça-feira, que chegou a acordo com o presidente do Comité Olímpico Internacional para adiar os Jogos Olímpicos por um ano, devido à pandemia do novo coronavírus.
Os Jogos Olímpicos de Tóquio tinham data de início para 24 de julho e iriam terminar a 9 de agosto.

4.

A cadeia de supermercados Auchan vai entregar prémios de 20% do salário bruto de Março aos funcionários em Portugal que continuem a trabalhar no âmbito da pandemia da covid-19.

5.

O sector do turismo atravessa uma crise sem precedentes, e com o mundo envolvido num combate sem data para terminar os efeitos de uma anunciada crise começam a fazer-se sentir de forma cada vez mais real.
Diariamente o sector tem vindo a perder cerca de um milhão de empregos.

6.

«Estamos exaustos e o medo tornou-se o nosso companheiro», Antonio Castelli, médico italiano.

7,

Estado paga 100 euros por teste da Covid-19 que pede aos privados.

Ah, sim! Os privados!... Que seríamos nós, sem essa gentalha?

8.

Lembrei-me hoje do meu querido amigo Eduardo Valente da Fonseca e daquele seu tão interessante livro, «Os Criptogâmicos».


«Conheci seres enfadonhos, comi poeira durante anos, assisti à florescência do bolor nas pestanas das pessoas, vi sorrir milhares delas só com a boca e para meu espanto sobrevivi a tudo. Até que um dia despertei voltado para a luz. E nesse momento descobri, com pavor, que vocês não vivem, nem vegetam, nem nascem. Nem morrem. Lutaria milhares de anos para vos ignorar, recomeçaria vezes sem conta a fugir para mil lados para vos perder definitivamente de vista. Oh, sim, em nome das vossas vidas eu poderia suicidar-me milhões de vezes. Lego-vos todo o bolor e todo o tédio com que, minuciosamente, me quiseram matar. Diante de vós, fui e serei sempre o único que sonhou com Deus».

9.

João Lopes, no seu blogue Corvi-20:

«Há qualquer coisa de infinitamente perverso na normalização da contagem diária que o coronavírus instalou no nosso quotidiano: número de infectados, número de hospitalizados, número de mortos... Perverso no sentido primordial da palavra: a perversidade como desvio a uma norma. No limite, acomodamo-nos a esta nova aritmética, desviando-nos da ideia segundo a qual o humano excede qualquer quantificação que o queira integrar.
Reconhecê-lo não salva ninguém, como é óbvio; o certo é que, salvo melhor opinião, também não ameaça a vida seja de quem for. Resta saber se estamos a entrar numa nova cultura das quantidades, com vírus e para além do vírus.»

10.

A Alemanha apresenta um elevado número de pessoas infectadas, mas a taxa de mortalidade é muito baixa. As razões são básicas: a tempo precaveram-se e rodearam-se dos meios necessários para não atingirem o inferno de milhares e milhares de mortos, como em Itália, em Espanha.

A França regista + de 1.100 mortes

A Itália 6.820 mortes

A Itália + 6.820 mortos

A Espanha 6.582 mortos

Portugal: 33 mortos

Em todo o mundo já se registam 18.580 mortes.

11.

Todos gostaríamos de, face a esta tragédia que se abateu sobre o mundo, que não estivéssemos sujeitos a verdades inventadas.

Ao mesmo tempo… escrever para suportar a angústia das noites. 

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