Para
assinalar os 10
anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para lembrar
alguns textos que por aqui foram publicados.
IRISH OAK
Tanto quanto
me lembro comecei a fumar cachimbo pelos meus quinze anos.
Por
curiosidade, por uma qualquer maneira de querer ser diferente, diferente dos
que fumavam cigarros. Hoje fumo cachimbo por prazer. Fumar cachimbo é uma
maneira de estar, filosófica, assim como acariciar gatos. Cada vez que pego num
cachimbo para o fumar, sinto sempre a tal diferença.
As minhas
primeiras marcas de tabaco foram os incontornáveis “Mayflower”, o “Clan” o
“Gama”. Mais tarde fixei-me no “Revelation”, um agradável “Smoking Mixture” da
Philip Morris e que nos pacotes em lugar do estúpido “Fumar Mata” tinha “it’s
mild and mellow”. Nos finais dos anos 70 deixaram de o fabricar e mais tarde
descobri o “Captain Black”.
Conheci-o
através do agente da "Aminter" em Ponta Delgada. Na primeira vez que
apareceu no escritório deixou um inebriante perfume, que mais tarde o Paulo
Rodrigues definiu como sabor a caramelo. Na altura não se vendia em Lisboa, mas
o Nascimento lembrou-se que tinha um cunhado a trabalhar da Base aérea das
Lajes e passei a receber latas de meio quilo de “Captain Black” a um preço “five
Stars”. Entretanto passou a vender-se em Lisboa.
Um dia ao ler
um livro do Jorge Listopad dei com uma marca de tabaco de cachimbo que ele
achava muito bom, mas, lamentava-se, que só se vendia nos "free shops
"dos aeroportos.
Como o Miguel
viaja muito, pedi-lhe que me tentasse arranjar uma embalagem.
Nunca o
encontrou, nem em Paris, nem nas "free shops” dos diversos aeroportos por
onde passava.
Mas um dia
surpreendeu-me com um saquinho com três latas de “Irish Oak”.
Tinha-o descoberto
numa pequena loja de tabacos em Bruxelas, junto à estação de caminhos de ferro.
Pode ser que
ele, um dia, se disponibilize, para nos contar, aqui, os pormenores.
Há um bom par
de anos, em conversa com o Miguel Alves, lamentava-se das suas cada vez maiores
dificuldades em comprar “Captian Black” em Lisboa. Disse-lhe que, depois do
encerramento das tabacarias no Rossio, passei a comprá-lo numa loja do Centro
Comercial Vasco da Gama.
Aproveitei
para lhe contar a história com o “Irish Oak” e falar do Jorge Listopad.
A história
chama-se “Pernoitar” e encontra-se no livro Em Chinatown com a Rosa:
É esta a
história:
«Emergiu da noite, não, eram dois, sim,
emergiram da noite, mas como se ela não existisse, até àquele momento eu estava
sentado sozinho na esplanada com as cadeiras empilhadas e arrumadas, a noite e
ninguém, estava sentado numa cadeira branca de abrir e fechar, a única que não
fora presa pela corrente, fumava cachimbo, “Irish Oak”, o tabaco que outrora
Graham Greene me mandara com um cachimbo “Peterson”, uma oferta por tê-lo
acompanhado, eu ou a Clara ou nós os dois, pela cidade ainda alvoroçada, por
tê-lo apresentado às novas personalidades, ter-lhe aberto as portas das
instituições e dos clubes revolucionários, habituei-me ao “Irish Oak” nem
sempre fácil de arranjar, nem mesmo no “free shop” dos aeroportos, estou
sentado e penso tabaco, tabaco, o fumar divino, paz e sossego, stop, Virgem
Maria, arco do céu, se eu quisesse ouviria o mar, as gaivotas estão a dormir,
eis senão quando emergiu da noite à noite, mas afinal eram dois, ele sentou-se
no muro e disse boa noite, o que em Portugal não significa que se vá dormir já,
mas algo como noite acordada e que seja boa, que a vida continue na escuridão.
Interromperam o meu fluxo silencioso de
palavras e o navegar em ideias aproximadamente formadas pelas palavras, tal
como agora interrompi a frase anterior que não tinha fim. Cumprimentei-o, pois,
com essa mesma boa noite à portuguesa, procurei e no bolso encontro o isqueiro
e esperei, esperei enquanto aguardava. Sentou-se no muro. Ela ficou ao pé,
afastou-se. O cachimbo era excelente, embora seja evidente que um cachimbo
aceso pela segunda vez deixa de ser tão cheiroso e saboroso. “Irish Oak”. Na
tampa da caixinha redonda de lata um carvalho verde, um quadro que no escuro
tem de ser imaginado. Ao longe as luzes baças de um barco de pescadores. A
oscilarem no ar incerto. Como numa narrativa.
- Rouba-se muito por aqui, aventurou
ele.
- Onde, aqui?
- Em Portugal.
Era uma frase muito sintética. Inusitadamente
sintética. Eu não estava acostumado a isso.
- Fui seu aluno, senhor professor, disse
depois.
No dia anterior eu tinha estado com os
pescadores. Tinha percebido que toda a pesca é um conflito. Com o mar, com as
redes, com a organização do próprio trabalho, com o sistema da entreajuda.
- Professor de quê? Perguntei baixinho,
devagar, sem quase ter perguntado. Algures, alguém pôs uma motocicleta em
marcha.
- Foi há muito tempo.
Ninguém me dirá nada de novo, afirmou
Zaratustra. Não quero ouvir nada de novo, eu. Mas quem é o eu?. Quem é
Zaratustra? Cada dia nos aproxima mais. Mas aproxima de quem? De quê?
Não tinham onde dormir. Dormiram no meu
quartinho. Coisas que se curam, que não se curam. Eu tinha tempo. O tempo ainda
me pertencia.»
Texto
publicado em 28 de Fevereiro de 2010
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