sábado, 21 de março de 2020

DIÁRIO DOS DIAS DIFÍCEIS


Nestes dias que agora passam, tento convencer-me de que a vida terá de ser simples.

Poucos sucessos, muito poucos mesmo, nesse desejável convencimento.

Não posso sair de casa.

Procuro palavras antigas.

Construir a cidade e dá-la a toda gente.

Lisboa é uma cidade que se vê com os pés. «andando, pensa-se melhor do que sentado», diz o João Botelho

«O que há em Lisboa?» pergunta Bogart na tela da sala escura.

Lisboa de Cesário Verde, «nas nossas ruas, ao anoitecer, há tal soturnidade, há tal melancolia», Lisboa de José Gomes Ferreira, Lisboa do Armindo «decerto esta é a mais bela cidade de todas as cidades do mundo, e hoje toda a cidade me fala de ti», Lisboa de Eugénio de Andrade «alguém diz com lentidão: Lisboa, sabes…». Lisboa de António de Sousa «de mal te conhecer é que eu sofria, cidade clara em tuas sete colinas!», Lisboa «cidade branca» de Tanner. Ou Fernando Assis Pacheco: «se fosse Deus parava o sol sobre Lisboa», Lisboa que «cheira aos cafés do Rossio, cheira a castanha assada se faz frio. A fruta madura quando é Verão». Lisboa de José  Cardoso Pires, «logo a abrir, pareces-me pousada sobre o Tejo como uma cidade de navegar», Lisboa de José Saramago, Lisboa de José Rodrigues Miguéis, Lisboa de Alexandre O’Neill «se uma gaivota viesse trazer-me o céu de Lisboa»,  a «Lisboa menina e moça» de Ary dos Santos, Lisboa do Mário-Henrique Leiria «ao voo do pássaro», Lisboa de tanta e tanta gente, «chamar-te a ti Lisboa camarada e depois eu sei lá enlouquecer», para citar Joaquim Pessoa e Carlos Mendes, Lisboa vista pelo fotógrafo/poeta Luís Eme, guardador das margens do Tejo num Largo da Memória que visito diariamente.


1.

Há dias, Marcelo Rebelo de Sousa fugiu de Belém para a sua casa em Cascais com medo de ser infectado pelo CVID19.

Claro que o país não precisou do Presidente para nada.

Agora o Expresso noticia que Marcelo na segunda-feira vai receber o Ministro das Finanças: para falar da situação económica para lhe pedir que não abandone o governo.

Porque em Fevereiro, o bitaites Luís Marques Mendes dizia na SIC que Mário Centeno já se tinha despedido informalmente dos colegas do Eurogrupo e que iria ocupar cadeira no Banco de Portugal.

2.

O Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, voltou a desvalorizar o Covid-19, que já matou mais de 12 mil pessoas em todo o mundo.

«Depois da facada não vai ser uma gripezinha que vai-me derrubar, não».

Que o tal deus não lhe perdoe porque ele sabe o que faz e diz.

3.

Em algumas cidades dos Estados Unidos, convencidos que podem combater a tiro o Corvid-19, continuam as filas à porta das lojas  de venda de armamento.

4.

A Feira do Livro em Lisboa foi adiada para finais de Agosto, princípios de Setembro.

5.

O Corvid-19 pode permanecer quatro horas numa moeda.

6.

Poderia ser tirado de um livro, mas não é.

No rebentar da Primavera, Manuel Alegre escreveu um poema: Lisboa Ainda.

«Lisboa não tem beijos nem abraços

não tem risos nem esplanadas

não tem passos

nem raparigas e rapazes de mãos dadas

tem praças cheias de ninguém

ainda tem sol mas não tem

nem gaivota de Amália nem canoa

sem restaurantes, sem bares, nem cinemas

ainda é fado ainda é poemas

fechada dentro de si mesma ainda é Lisboa

cidade aberta

ainda é Lisboa de Pessoa alegre e triste

e em cada rua deserta

ainda resiste»

7.

Devido ao Covid-19 já morreram 12.977 pessoas no mundo.

A Itália regista 4.825 mortos e a Espanha 1.326.

Em Portugal registam-se 12.80 casos de infectados e 12 óbitos.

8.

A maioria dos portugueses não consegue vislumbrar onde é que as medidas, decretadas pelo governo, podem ajudar os mais desprotegidos.

Se verificarmos que grande parte dos trabalhadores têm contratos precários, não será necessário um grande esforço para ficar a saber que o número de desempregados irá disparar.

Também não sabemos se os pagamentos da luz, da electricidade, da água terão algum apoio por parte do estado.

9.

Assustados, perdidos, nos vamos quedando.

Continuo a apanha de papéis, pedaços de livros, pedaços de músicas, rasgos do quotidiano…

Para onde vamos? Quem nos espera ainda?

Legenda: fotografia de Luís Eme do Largo da Memória