Industrial
Workers of the World (IWW) é o nome de um sindicato que foi constituído em 1905
em Chicago e que, embora tenha tido os seus tempos áureos nas primeiras décadas
desse século, conseguiu chegar aos dias de hoje. Os seus membros eram
conhecidos por “wobblies”.
Na altura da
sua constituição este sindicato surgiu com duas características que claramente
o diferenciavam do sindicalismo da sua época: a de ser um sindicato único (“One
Big Union”) que integrava todos os sectores da atividade económica e
a de assumir, na sua ação quotidiana,
objetivos claramente revolucionários, mediante uma forte ligação aos
movimentos socialistas e anarquistas seus contemporâneos.
Mas o IWW
tinha, ainda, uma outra característica, que é aquela que agora aqui mais me
interessa: a utilização de canções como forma de mobilização coletiva dos seus
membros durante as greves, concentrações e outras formas de luta.
Embora
algumas fossem originais, uma grande parte dessas canções eram músicas
sobejamente conhecidas de toda a população, a que se juntavam novas letras
adaptadas às exigências da luta sindical. E para essa adaptação dispunham,
entre os próprios membros do sindicato, de letristas de génio, como era a caso
do sueco Joseph Hillstrom (o grande Joe Hill) e de Ralph H. Chaplin.
Mas se as
músicas eram de todos conhecidas, nem sempre o mesmo sucedia com as letras.
Para colmatar esse problema os “wobblies” editaram em 1909 um pequeno
livrinho com as letras de cada canção, cuja reduzida dimensão (15 cm x 10 cm)
fora propositadamente concebida para poder ser colocado no bolsinho dos fatos
de trabalho. Chamaram-lhe, nessa primeira edição, “IWW Songs”, a que
acrescentariam, em edições posteriores, a frase “para atiçar as chamas do
descontentamento” (“To Fan the Flames of Discontent”)!
Este
livrinho, que passou a ser conhecido como o “Little Red Songbook”, teve mais de
trinta edições a partir dessa altura, a última das quais em 2010.
O exemplar
que aqui vos mostro e que tenho o prazer de possuir na minha biblioteca
Folk (é fácil obtê-lo na Amazon por muito pouco dinheiro…) é um “facsimile” da
edição de 1923.
É uma delícia
folhearmos este livro e, quando as conhecemos, comparar estas canções com as
versões originais.
Aqui vos
deixo três exemplos:
JOHN BROW’S BODY / BATTLE HYMN OF THE REPUBLIC / SOLIDARITY FOREVER
De todas as
canções dos “wobblies”, “Solidarity Forever” é, talvez, a mais
conhecida.
Teve origem
em “John Brown’s Body”, canção dedicada ao abolicionista e leader da
luta contra a escravatura John Phillip Brown.
John Brown é
considerado o “pai do terrorismo na América”. Conseguiu juntar a si um número
significativo de homens e, ainda antes do início da Guerra Civil, desencadeou
uma série de ações de luta armada contra os esclavagistas do Sul, as mais
célebres das quais foram o “Massacre de Pottawatomie”, em 1856, e o ataque a um
arsenal de armas em Harpers Ferry, em 1859, com o intuito de roubar as armas e
distribuí-las pelos escravos. Este último ataque fracassou e John Brown foi
preso e enforcado poucos meses depois, em Dezembro de 1859.
Os
historiadores estão hoje de acordo em reconhecer que a luta de John Brown e dos
seus homens, muito divulgada na época, foi determinante para a eclosão da
Guerra Civil.
A origem da
canção é conhecida. A fama de John Brown era grande por essa altura e um grupo
de soldados da União sitiados em Fort Warren, perto de Boston, teve a
ideia de lhe dedicar uma música que
acabou por ser uma obra coletiva cantada pela primeira vez num hastear de
bandeira no dia 12 de Maio de 1861.
A letra era
original mas partes da música, sobretudo o refrão, foram inspiradas em “gospel
songs” já existentes desde o início do Séc. XIX. A partir daí “John
Brown’s Body” tornar-se-ia um dos mais importantes hinos militares durante
toda a Guerra Civil.
Reza assim a
letra da canção, que a música toda a gente conhece:
“John
Brown’s body lies in a moulding in the grave
John
Brown’s body lies in a moulding in the grave
John
Brown´s body lies in a moulding in the grave
But his
soul goes marching on
Glory,
glory hallelujah
Glory,
glory hallelujah
Glory,
glory hallelujah
And his
soul goes marching on
John Brown
died to put and end to slavery
John Brown
died to put and end to slavery
John Brown
died to put and end to slavery
And his
soul goes marching on
Glory, glory hallelujah
…………………………………
………………………………….”
Mas a memória
de John Brown incomodava muita gente e havia quem dissesse que era uma
pena uma música tão bonita ter um uma letra tão simplista e, ainda por cima,
dedicado a um perigoso fora-da-Lei responsável pela morte de tantos
inocentes...
E terá sido
mais ou menos isto que a religiosa e abolocionista suave Julia Ward Howe
e o Reverendo James Freeman Clark comentaram entre si quando ouviram pela
primeira vez os soldados da União cantar a música, em finais de 1861, tendo o
padre sugerido à senhora que, já que tinha tanto jeito para a escrita, tentasse
escrever uma nova letra para a mesma música.
Julia Ward
Howe não se fez esperar muito e em Janeiro de 1862 a sua letra seria publicada
pela primeira vez. Chamava-se “Battle Hymn of the Republic” e iria
tornar-se um enorme sucesso popular, um dos hinos patrióticos de maior sucesso
na América cuja popularidade chegaria a suplantar o próprio hino nacional
americano (o “Star-spangled Banner”, escrito em 1814 mas apenas
tornado, oficialmente, hino nacional por decisão do Congresso de 1931).
A letra de “Battle
Hymn” é complexa, repleta de referências bíblicas, e deixo-vos apenas o
início para não vos massacrar:
“My eyes
have seen the glory of the coming of the Lord
He is
trampling out the vintage where the grapes of wrath are stored
He hath
loosed the fateful lightning of this terrible swift sword
His truth
is marching on
Glory,
glory hallelujah
Glory,
glory hallelujah
Glory,
glory hallelujaj
His truth
is marching on
………………………………………
……………………………………….”
A curiosidade
desta história é que terá sido das poucas vezes, senão a única, em que um
“clássico” se inspirou numa música “de intervenção”, digamos assim, para
simplificar. Por norma foi o inverso que aconteceu…
Mas umas
décadas mais tarde os malvados radicais voltariam à carga, e o sindicalista
Ralph Chaplin escreveria, em 1915, sob a mesma música, “Solidarity Forever”,
uma das mais importantes “Union songs” da América e do Mundo, adotada
não só pelos “wobblies”, mas também por muitos outros sindicatos ao
longo dos anos que se seguiram.
A letra de “Solidarity”
também é comprida, pelo que vos deixo apenas o início:
“When the
Union’s inspiration through the worker’s blood shall run
There can
be no power greater anywhere beneath the sun
Yet what
force on earth is weaker than the feeble strength of one?
But the
Union makes us strong
Solidarity
forever
Solidarity
forever
Solidarity
forever
But the
Union makes us strong”
HOLD THE FORT FOR I AM COMING / HOLD THE FORT
Phil Paul
Bliss (1836-1876) foi um evangelista e também compositor e cantor gospel de
grande sucesso durante o Séc. XIX.
Em 1864,
durante a Guerra Civil, uma guarnição da União estava cercada sob um forte
ataque dos Confederados e quase a ser massacrada. Ao longe, uma bandeira branca
no alto de um monte levam-nos a perceber que os reforços não estavam longe e um
tal Comandante Sherman, que chefiava esses reforços, faz-lhes chegar a mensagem
“Hold fast. We are coming”. A mensagem encorajou os sitiados que aguentaram
até à chegada dos reforços e os Confederados acabaram por ser derrotados.
Uns anos mais
tarde Phil Bliss ouviu falar desta história e, em 1870, sobre ela compôs
mais um dos seus já então célebres hinos religiosos. A mensagem (digo eu,
que não sou cristão…) é a de que devemos ter força, fé e perseverança nesta
nossa vida terrena, porque algures a Salvação chegará…
A letra é
assim (vou abreviar muito…):
“Ho, my
comrades, see the signal, waving in the sky
Reinforcements
now appearing, Victory is nigh
“Hold the
fort, for I am coming”, Jesus signals still
Wave the
answer back to Heaven, “by Thy grace we will””
Décadas mais
tarde (parece que não é possível identificar nem a data nem o autor da nova
letra…), sob o título “Hold the Fort”, os “wobblies” começaram a
cantar esta nova versão nos seus “meetings”:
“We meet
today in Freedom’s cause
And raise
our voices high
We’ll join
our hands in Union strong
To battle
or to die
Hold the
fort for we are coming
Union men
be strong
Side by
side we battle onward
Victory
will come
Look my
Comrades, see the Union
Banners
waving high.
Reinforcements
now appearing,
Victory is
nigh.
Hold the
fort for we are coming
……………………………………………….
See our
numbers still increasing
Hear the
bugles blow
By our
Union we shall triumph
Over rever
foe
Hold the
fort for we are coming
………………………………………………..
Fierce and
long the battle rages
But we will
not fear.
Help will
come whene’er it’s needed
Cheer, my
Comrades, cheer
Hold the
fort for we are coming
…………………………………………………
IN THE SWEET BY AND BY / THE PREACHER AND THE SLAVE
“In The
Sweet By And By” é um belíssimo “standard” da música Gospel
americana publicado em 1868, com letra de S. Fillmore Bennet e música de Joseph
P. Webster. Recomendo-a vivamente a quem não a conhecer, seja Crente, ou não
(há uma boa versão do Johnny Cash).
A sua letra é
a seguinte:
“There’s a
land that is faster than day
And by
faith we can see it afar
For the
Father waits over the way
To prepare
us a dwelling place there
In the
sweet by and by
We shall
meet in that beautiful shore
In the
sweet by and by
We shal
meet in that beautiful shore
We shall
sing on that beautiful shore
The
melodious songs of the blessed
And our
spirits shall sorrow no more
Not a sight
for the blessing to rest
In the
sweet by and by
…………………………………..
To our
bountiful Father above
We will
offer our tribute of praise
For the
glorious gift of His love
And the
blessing that hallow our days”
In the
sweet by and by
…………………………………..”
Joel Emmanuel
Hagglund nasceu na Suécia em 1879 e emigrou para os Estados Unidos aos 23 anos,
tendo aì mudado o seu nome para Joseph Hillstrom.
Na América
foi um trabalhador migrante, no início em Nova Iorque, depois no Ohio e,
finalmente, por aí fora até à Califórnia.
Mas nos seus
últimos anos de vida já não era Joseph Hillstrom, mas sim o Joe Hill, que
conhecemos do filme que lhe dedicou o também sueco Bo Widerberg e da
canção com que o homenageou Earl Robinson, popularizada nos anos 70 pela voz de
Joan Baez:
“I dreamed
I saw Joe Hill last night
Alive as
you and me
Says I “But
Joe you’re ten years dead”
“I never
died”, says he”
From San
Diego up to Maine
In every
mine and mill
Where
working folks defend their rights
It’s there
you find Joe Hill”
Este
anarco-sindicalista, que se alistou-se na IWW em 1910, era, também, um
compositor e letrista de exceção e muitas das suas canções integram o
património das chamadas “Union Songs” (“The Rebel Girl”, “Workers
of the World, Awaken!”, “The Tramp”, “The White Slave”, “There
is Power in a Union”, e tantas outras).
Em 1911 o
anticlerical Joe Hill pegou na música de “In the Sweet By And By” e
acrescentou-lhe uma nova e satírica letra, criticando todos aqueles que
defendiam que se o Homem se sujeitar na Terra, pacificamente, a todos os
sacrifícios e privações que lhe forem impostos, dele será o Reino dos Céus…
Chamou a essa
canção “The Preacher and the Slave”, e a sua letra é a seguinte (vou
abreviar):
“Long-haired
preachers come out every night,
Try to tell
you what’s wrong and what’s right
But when
asked how ‘bout something to eat
They will
answer with voices so sweet:
You will
eat, bye and bye,
In that
glorious land above the sky
Work and
pray, live on hay,
You’ll get
pie in the sky when you die
…………………………………………………………
…………………………………………………………
If you
fight hard for children and wife -
Try to get
something good in this life –
You’re a
sinner and bad man, they tell
When you
die you will sure go to hell
You will
eat, bye and bye,
……………………………………….
………………………………………..
Working men
of all countries, unite
Side by
side we for freedom will fight
When the
world and it’s wealth we have gained
To the
grafters we’ll sing this refrain:
You will
eat, bye and bye,
When you’ve
learned how to cook and to fry
Chop some
wood, ‘twill do you good,
And you’ll
eat in the sweet bye and bye
Uff!
Parece que
cheguei ao fim, mas duvido que vos tenha conseguido transmitir uma pequena
parte que seja do prazer que retiro destas andanças.
Resta-me
dizer-vos que se desejarem ir mais longe, há imensas coletâneas facilmente
disponíveis na Amazon e aqui vos deixo alguns exemplos da minha coleção.
Muitas destas
canções também se encontrarão facilmente no Youtube. Pessoalmente prefiro as
versões mais antigas dos Almanac Singers, Pete Seeger, Joe Glazier ou Cisco
Houston. Mas também há excelentes versões mais recentes, de Utah Phillips e
Billy Bragg, por exemplo.
Luís Miguel
Mira
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