3 de Abril de 1946
Dizia
hoje alguém:
Em
Portugal, as pessoas são imbecis ou por vocação, ou por coacção, ou por
devoção.
Miguel
Torga em Diário, Volume III
3 de Abril de 1946
Dizia
hoje alguém:
Em
Portugal, as pessoas são imbecis ou por vocação, ou por coacção, ou por
devoção.
Miguel
Torga em Diário, Volume III
O governo de Portugal está cansado. Os ministros, uns são fracos, outros não aguentam a pedalada.
O
ministro da Defesa, ou alguém por ele, trocou as mãos com os pés, ou vice-versa,
e colocou na praça pública a demissão do Chefe de Estado-Maior da Armada,
colocando no seu lugar o vice-almirante Gouveia e Melo.
Marcelo
Rebelo de Sousa diz que não percebeu e ajudou à trapalhada e falando com os
jornalistas, declarou que não demitia ninguém porque ele é o grande chefe das
Forças Armadas.
António Costa não gostou e exigiu reunião-em-horas-extraordinárias com Marcelo.
A
presidência emitiu lacónico comunicado:
«O
Presidente da República recebeu, a seu pedido, o Primeiro-Ministro, que foi
acompanhado pelo Ministro da Defesa Nacional. Ficaram esclarecidos os equívocos suscitados a propósito da
Chefia do Estado-Maior da Armada.»
19
de Abril de 1967
Soube
hoje que o Salazar escreveu pessoalmente ao embaixador de Portugal em França a
pedir-lhe que organizasse uma homenagem, ou coisa parecida, à pintora Vieira da
Silva (que é agora cidadã francesa em virtude do marido ter adquirido essa
nacionalidade, depois de lhe negarem a cidadania portuguesa por ser judeu e
apátrida).
O
embaixador, claro, rata sabida, mandou consultá-la por portas travessas.
Mas
a grande pintora europeia limitou-se a responder:
-Salazar?
Quem é? Não conheço. Não é das minhas relações.
José Gomes Ferreira em Dias Comuns, Volume II
O carro oficial do ministro da
Administração Interna, Eduardo Cabrita, ocasionou, na auto-estrada, no dia 18
de Junho, por atropelamento. a morte de um trabalhador.
Os jornais não perdoam que o ministro
não tivesse saído do governo pelo seu próprio pé, ou demitido por António
Costa.
Amiúde querem saber a que velocidade
seguia o carro oficial.
Este é um recorte do Público de 18 de Setembro.
1.
O Diário
de Notícias de hoje confirma que um grande número de lisboetas, estava de
candeias às avessas com Fernando Medina, principalmente pela confusão lançada
no trânsito da cidade por causa das ciclovias.
Não entendem muito bem como uma cidade
com sete colinas teria necessidade de tantos desses caminhos.
Se juntarmos ao pormenor, a desastrada
campanha eleitoral levada a cabo por António Costa, poderemos ficar a saber das
razões dos resultados do PS em Lisboa.
2.
Não era fácil a governação de Lisboa.
Agora, afigura-se de uma dificuldade
ainda maior.
As coisas mais importantes são as mais difíceis de dizer.
3.
Fernando Nobre, médico, fundador e presidente da AMI, no tempo do governo de Pedro Passos Coelho, ex-candidato a Presidente da Assembleia da República, esteve presente a apoiar uma manifestação de negacionistas, não aceita a vacinação contra a Covid-19 e recusa-se a usar máscara.
Junho de 1977
Talvez
as viagens, todas as viagens, se façam principalmente pelo lado de dentro.
Talvez, quem sabe?, o viajante, procurando um mundo, caminha sempre de regresso
a casa.
Porque
tudo o que o viajante deixou atrás de si o segue.. A casa é a sombra do
viajante. Ele próprio é, provavelmente, apenas a sua sombra.
Manuel
António Pina em Crónica, Saudade da
Literatura
Estamos sempre em estado de emergência. Ou o raio daquele título do livro do Manuel António Pina: Ainda não é o fim nem o princípio do mundo, calma é apenas um pouco tarde.
Por
vezes temos frio ainda que um maravilhoso sol de Outono nos envolva.
Em
cada final de Verão, ele e o avô pintavam o celeiro. Uma trabalheira. «Oh avô! para quê isto todos os anos este
ritual?» O avô, calmamente: «O
celeiro é da família. Se não formos nós a tratar dele, quem é que o fará?»
Miguel Torga no seu Diário:
« Quando eu era pequeno, havia em casa de
meu pai, no cimo dum lameiro, uma costeira que era só fraga; e meu pai, na vessada,
cavava também aquêle bocado, que nunca deu sequer feijão chícharo. Só com dez
anos de vida, sem conhecer o pavor dos retalhos de tempo, preguntava-lhe eu, já
cansado:
- Mas porque é que cava também isto?
E êle, como quem sabia uma verdade
eterna:
- Para se acabar o dia.»
u era pequeno, havia em casa de meu pai, no cimo dum lameiro, uma costeira que era só fraga; e meu pai, na nunca deu sequer feijão chícharo. Só com dez
Retomar
o caminho batido.
Chamar o Senhor Wolfgang Amadeus Mozart que em 1781, tinha então 25 anos, compôs a Sonata para Dois Pianos em D Maior, lembrar também Arthur Koestler, jornalista e escritor, que nunca leu, mas conhece uma frase batida: «a maturidade dos povos consiste na sua capacidade de reconhecer os seus próprios interesses».
29 de Novembro de 1967
As
verdadeiras proporções da tragédia só a pouco e pouco se estão agora definindo:
centos de mortos, aldeias arrasadas, bairros de lata esmagados: no momento em
que acabo de escrever, dizem os jornais que nada se sabe, ainda, duma povoação,
totalmente isolada, em que viviam 400 pessoas. O exército vai…. Construir uma
ponte para lá! Só há helicópteros para aluta colonial! O presidente da Câmara
de Alenquer protestou junto da imprensa contra o alheamento a que os jornais
tinham votado o drama dessa localidade. Correspondendo a isso, veio publicado,
hoje, uma fotografia do Tomás percorrendo a vila de sapatos de verniz, os olhos
baixos e atentos à tábua que atravessaram no lodaçal para que ele passasse…
Cabeçalho no Janeiro: «Só
o Benfica tem a bandeira a meia haste»…
Desgraçado País!
Mário
Sacramento em Diário
NOTA
DO EDITOR: o episódio referido por Mário Sacramento, nesta entrada dos seu
Diário, refere as trágicas inundações vividas, principalmente em Lisboa e nosvastos arredores, e em que a ditadura de Salazar teve um comportamentomiserável.
Grande parte dos actuais políticos caseiros são de uma tristeza sem fim.
Nos
últimos dias, para além de outros parvos palavreados, a afirmação de um
secretário de estado, de que Portugal ganhou com a Covid-19, coloca a questão em rotas de difícil classificação.
Uma
afirmação de António Arnaut datada de Novembro de 1991:
«É
o próprio povo que está cada vez mais divorciado de si mesmo.»
Há
longos tempos que se refere – apenas faladuras… apenas faladuras… - que uma
revisão e actualização da Lei Eleitoral impõe-se para respeitar as mudanças que
a sociedade tem vindo a viver.
Principalmente este estúpido período a que chamaram de «reflexão».
E
daqui deriva também a fisionomia das suas leituras de outros poetas: elas são
mais o prolongamento do fluxo através do outro do que a análise enriquecedora
da complexidade dos textos. Nesse plano, podemos dizer que Ramos Rosa construiu
uma verdadeira cidadela – um quase autismo. Mas os grandes autores são autistas
– como o Herberto, a Llansol, a Agustina, o Vergílio ou o Eugénio de Andrade. E
poderíamos dizer de Ramos Rosa que nenhum autismo foi tão generosos na demanda
do outro para nele se prologar e confirmar – cartas, poemas, desenhos,
leituras, confluência de palavras apaixonadas.
Eduardo Prado Coelho em Tudo O Que Não Escrevi, Volume I
Num posto de gasolina, perto de Viseu, a possibilidade de despejar o óleo que consumimos para fritos.
2 de Junho de 1975
O
mais difícil é descobrir importância seja a que for: livros, ideias, projectos.
Quando Ovídio deixou de escrever lá no deserto, terá descoberto que realmente
era mortal.
Vergílio
Ferreira em Conta-Corrente, Volume I
31 de Dezembro de 1993
…
uma carta de uma leitora italiana, Gabrielle Fanchini, de que aqui deixo
constância, não pelos louvores que, por hiperbólicos, não transcrevo, mas por
causa de duas ou três palavras reveladoras de um sentimento que julgo ser capaz
de compreender, mas que seria trabalhosos analisar: diz ela que a leitura de
Levantado do Chão a deixou «melancolicamente» mais feliz… Creio que nunca se
disse nada tão bonito sobre um livro.
Pelas
20,21 horas, o Outono entrou por aí dentro.
Faz
calor e se não fossem as noites chegarem cada vez mais cedo, diríamos que os dias eram outros.
Nos meus tempos, as aulas começavam no dia 1 de Outubro, apresentação no ginásio do Liceu Gil Vicente: alunos, pais, o reitor, os professores, o comissário Da Mocidade Portuguesa.
As aulas da Primária começavam a 7 de
Outubro.
Já se andava de camisolas de gola alta,
gabardines e sobretudo.
Chovia quase todos os dias.
Agora as aulas começam no meio de
Setembro e chegamos a Outubro envergando as roupas de Verão.
Quando Outubro começava já a minha avó
tinha feito o doce de tomate e tudo aquilo que gira em volta dos marmelos: a
marmelada, a geleia, marmelos cosidos aos quartos com açúcar que se guardavam
em grandes frascos de vidro.
Outubro quente traz o diabo no ventre.
Em Outubro pega tudo.
Outubro sisudo recolhe tudo.
Quem planta no Outono, leva um ano de
abono.
Vindima em Outubro, que S. Martinho to
dirá.
Legenda: Quando a fotografia que encima o texto foi tirada, faltavam 20 minutos para que o Outono chegasse. São os últimos suspiros do Verão que se vai finando mas que continua por aí com os seus dias e noites quentes.
26 de Maio de 1943
A
História que era preciso ensinar nas escolas não devia mostrar Carlos o
Temerário a morrer diante de Nancy. Devia mostrar mas é esta junta de bois aqui
à minha porta, atrelada a um carro, à espera que o dono acabe de beber um copo.
Que importa lá a humanidade a basófia do senhor francês? Interessa-lhe mas é
saber como foi possível domar um bicho de cornos e de patas, junji-lo, e pô-lo
pronto para lhe arrestar a lenha e a pedra, e para lhe dar depois o corpo em
bifes.
Miguel
Torga em Diário, Volume III
Gosta
de tabernas, tascos, casas de pasto, nunca snacks ou o que se assemelhe.
Como
escreveu Baptista-Bastos em O Cavalo
a Tinta-da-China:
«As tabernas antigamente. As tabernas
eram sítios onde as pessoas não se esqueciam de si próprias. Sítios onde as
pessoas falavam e eram ouvidas. Sabes?, eu era miúdo e gostava de ver os homens
a beber copos de vinho. Bebiam os copos de vinho, assim, de repente, sem parar,
e eu não percebia o prazer que eles tinham em beber assim, de um trago, sem
parara, só mais tarde é que percebi, ficavam sem cólera e sem tranquilidade,
bebiam apenas, de um trago, vinho tinto em copos de três. As tabernas eram
sítios de prazer, uma reserva de conivências aonde os homens iam com prazer e
sem preocupações.»
Na recente
viagem que fez por terras do Dão, contaram-lhe que em Viseu ainda existia um
tasco à maneira antiga.
Não hesitou e
moveu as pernas até ao Senta Aí.
Começou por torcer o nariz porque, ao primeiro olhar, a coisa cheirou-lhe a snack, mas entrou e de imediato constatou que o por lá se manja é de tasca antiga de tempos idos, tempos difíceis.
Olhem o menú e mais abaixo o recorte do livro de Antenor Santos:
Comeu
uma sandes de isca com cebolada, ainda olhou os filetes de bacalhau e de polvo,
mas o dono já deixara o sinal que fechava às oito e o viajante tinha pensado
que as portas encerravam tarde, ou nunca.
Mas
saiu satisfeito com o pouco que consumiu a que se juntou, a elegância e o bom
gosto que os fininhos servidos – sempre dois dedos de espuma - eram «Sagres».
Ainda
o tempo de olhar as paredes e retirar citação de Antenor Santos, no seu livro Rua Direita Vida Torta, em que o autor se lamenta dos idos tempos velhos de Viseu:
Bem como de alguém de fé, que mesmo depois de morto, espera um dia voltar aos sítios onde foi feliz:
No
acto de pagamento da conta o dono, pedindo desculpa pela eventual pornografia,
pediu licença, «se os senhores e senhoras
não se ofenderem», para oferecer uma «gracinha» que um cliente da casa,
concebeu, desenhou e fez calendário de bolso para o ano de 2021.
Aqui
fica:
6 de Abril de 1967
Todas
as manhãs me imponho este pensamento, para resistir às vaidades literárias que
tanto desfeiam os homens, maníacos da imortalidade:
Zé Gomes, a
Poesia é mortal. Uma espécie de
respiração que se pega às palavras até às vezes com certa aparência de
eternidade – mas afinal, mal o Poeta morre, acaba por se desvanecer no hálito
do último estertor…
E
então, acredita, por mais que a família, os amigos e os leitores cândidos
teimem e lutem, ninguém consegue deter a transformação das palavras em folhas
secas para o Outono varrer…
Sim,
Zé Gomes: a tua poesia morrerá contigo! Os teus livros não passarão, no futuro,
de cemitérios de palavras ocas…
José
Gomes Ferreira em Dias Comuns, Volume
II
10 de Junho de 1992
O
que foi feito dos meus amigos e das coisas belas e desmesuradas por que todos
nós perdemos e ganhámos a juventude? Olho em volta e resigno-me: os meus amigos
cansaram-se jazem agora em empregos rotineiros à espera da trombose ou do
enfarte. Alguns passaram-se com armas e bagagens (e, naturalmente, proveito)
para o lado do inimigo. Os melhores (mas que sei eu?) engordaram – para dizer a
verdade, todos engordámos… - e tornaram-se cépticos e amargos, carregando a nossa
memória comum como um pecado envergonhado. Muitos morreram em guerras sem
sentido, ou tão-só de tédio, de longo e insuportável tédio. Outros partiram
para improváveis distantes lugares; um enlouqueceu (e esse foi, se calhar, o
que , imóvel e cegamente, partiu opara mais longe.
Manuel
António Pina em Crónica, Saudade da Literatura
Eu tenho um remédio para não me desiludir que é não me iludir…
José-Augusto França em Um Céu e Dois Caminhos
27 de Novembro de 1967
Neste dia, Mário Sacramento escreve no seu Diário:
«o Saramago, com a imponência cachimbante de quem vale mais do que é capaz
de mostrar.»
Com 98 anos morreu José-Augusto França.
Mais um enorme nome da nossa cultura que nos deixa.
No dia 15 de Dezembro de 1963, José-Augusto França
escreve uma carta ao poeta Jorge de Sena:
«Escrevo-lhe à última hora, de Paris ou já de Orly. As coisas que eu consegui fazer à última hora! Chego mesmo a perceber como no último dos minutos de vida os moribundos conseguem rever a vida inteira.»
«Nos
filmes americanos – como, por exemplo, o Força Aérea Um –, o Presidente dos
Estados Unidos enfrenta pessoalmente os terroristas, luta com eles corpo a
corpo, mata-os com as suas próprias mãos. Em Portugal, o Presidente e o
terrorista tiram um retrato juntos e depois cada um vai à sua vida.»
Ricardo Araújo Pereira na Visão, 8 de
Setembro.
Legenda: ilustração de João Fazenda na Visão
20 de Novembro de 1991
Melancólicas
recordações de um jantar numa noite demasiado belga de Outono: quando se convive
de perto com «eurocratas»: funcionários de organizações internacionais),
teme-se pelo destino da Europa.
Espero
que o futuro me não dê razão…
Eduardo
Prado Coelho em Tudo O Que Não Escrevi,
Volume I
«Do
ponto de vista de carácter o líder da UGT demonstra ser um homem recto: Carlos
Silva, ao contrário de muitos aduladores de Ricardo Salgado - o homem que se
afundou com o BES - repete publicamente em tribunal e à comunicação social
palavras elogiosas ao banqueiro, que está presentemente a ser julgado por três
crimes de abuso de confiança na utilização de 10 milhões de euros.
Durante
décadas Ricardo Salgado foi galanteado pelos maiores empresários de Portugal.
Desde 1991 até 2013 ele foi publicamente homenageado por quase todos os líderes
de governos, pelos Presidentes da República, pelos ministros das Finanças, da
Economia e pelos governadores do Banco de Portugal. Foi reverenciado por
inúmeros diretores de jornais e tvs, colunistas e jornalistas de economia.
Foram disputados o seu favorecimento e a sua "cunha" pelos mais
diversos atores da vida pública portuguesa.
Assim
que caiu em desgraça, não só todos abandonaram Ricardo Salgado como, pior,
muitos desses antigos iconoclastas da família Espírito Santo passaram a liderar
a multidão de invetivadores do líder da família.
Carlos
Silva não é desses e, à saída do tribunal, disse isto aos jornalistas sobre o
antigo patrão: "Elogiei e continuarei a elogiar enquanto for vivo, não
tenho nada de me arrepender em relação ao tempo em que estive no banco e em que
acompanhei as reuniões da comissão de trabalhadores e depois no setor bancário.
Sou apenas um intérprete de uma esmagadora maioria de trabalhadores que
entendiam que se sentiam bem no banco, que eram compensados pelo esforço e que
olhavam para Ricardo Salgado com respeito e admiração".
Do
ponto de vista de carácter pessoal, repito, está aqui uma pessoa que se
recomenda. Do ponto de vista de alguém que é líder de uma central sindical, do
ponto de vista, portanto, do carácter institucional que hoje em dia Carlos
Silva incorpora na sua individualidade, tal elogio é incompreensível.
Vou
dar, apenas, três exemplos.
O
BES, então o maior banco privado português, transformado em Novo Banco numa
operação com custos para os contribuintes na ordem dos sete mil milhões de
euros (até agora...), prejudicou e prejudica milhões de trabalhadores portugueses
- muitos deles certamente filiados na UGT - que pagam mais impostos ou recebem
menos salário também por causa dos custos públicos e para a economia provocados
pelos erros (e eventuais crimes) de Ricardo Salgado.
Os
trabalhadores do BES, que Carlos Silva representou enquanto membro da comissão
de trabalhadores do banco e, depois, como sindicalista até chegar ao topo da
UGT, foram utilizados por Ricardo Salgado como instrumentos de venda de
produtos financeiros a pequenos investidores, cujas garantias e segurança de
rendibilidade não eram aquelas que o patronato mandou os seus funcionários
publicitar - e assim alguns milhares de clientes (alguns serão filiados na
UGT?...) foram enganados e perderam as suas poupanças. Muitos destes
trabalhadores do BES foram diretamente acusados pelos defraudados como autores
de supostas vigarices.
Outra
consequência da gestão de Ricardo Salgado para os trabalhadores que Carlos
Silva representou no banco ou representa na UGT foi este: no processo de
passagem do BES para o Novo Banco e na reestruturação que este entretanto
efetuou, milhares perderam o emprego.
Carlos
Silva, líder da UGT, pode elogiar Ricardo Salgado, cujos prejuízos estão a ser
pagos por milhões de trabalhadores portugueses?
Carlos
Silva, líder da UGT, pode elogiar Ricardo Salgado, que utilizou os
trabalhadores do banco como instrumentos de concretização prática de erros
clamorosos, de desonestidades agora evidentes e, até, de possíveis crimes?»
Pedro Tadeu no Diário de Notícias
28 de Maio de 1975
No
dia 21, faz hoje oito dias, fui atropelado. Perda de consciência, fractura no crânio.
Felizmente, sem as graves consequências de toque na «base», hematomas, etc. De
qualquer modo, a perfeita experiência da morte. E uma vez mais a brutal incapacidade
de a entender. Tive um pé do lado de lá, mas consegui, não sei como, recolhê-lo
de novo para o lado de cá. E foi sobretudo quando me vi do lado de cá que a incompreensibilidade
do outro lado se me impôs. Que coisa estranha a nulidade absoluta, a ausência de
se ser. Mas não posso reflecti-lo hoje: a cabeça tonta ainda, o cérebro
espesso, a dificuldade em me concentrar. Para outro dia.
Vergílio Ferreira em Conta-Corrente, Volume
I
6 de Dezembro de 1993
Por
muito que eu proteste que o Evangelho é um romance, e portanto literatura,
toda a gente aposta em saber o que eu penso (se mais me atrevo ainda a pensar)
sobre Nosso Senhor Jesus Cristo, o Céu, o Inferno (a propósito do castigo
eterno, saiu-me esta: «Um deus capaz de inventar o inferno não merece o nosso
respeito) e todo o consequente bricabraque teológico.)
José Saramago em Cadernos de Lanzarote Volume
I
Mais
Poemas do Avante!
Mário Castrim
Prefácio: Correia da Fonseca
Editorial Avante, Lisboa, Julho de 2020
Quotidiano
Um
livro é quando
à
nossa volta
tudo
acaba
Nada
aconselhável
quando
se espera
o
sinal de partida
do
comboio.
Ou
quando
aguardamos
que
nos chamem
para
a radiografia.
Cheguei
tarde
a
um encontro de amor
por
causa de um livro.
O
amor já se foi.
O
livro, esse,
está
comigo.
Pelo
sim, pelo não,
em
todo o caso
aconselha-se
alguma
moderação.
Há
livros
que
nos tiram o sono
e
não convém
dizermos
ao patrão
porque
chegamos atrasados.
Estas são as recordações da Maria do Rosário Pedreira em crónica publicada no Mensagem de Lisboa:
«Enquanto
decorre mais uma Feira do Livro de Lisboa no Parque Eduardo VII – a 91.ª, se
não estou em erro –, olho para trás e sinto-me velha. Da primeira vez que fui à
Feira do Livro sem um adulto por perto, e com carta-branca para comprar o que
quisesse (dentro de um determinado orçamento, bem entendido), devia ter uns
catorze anos e usar meias pelo joelho.
Nesse
tempo, a feira estava instalada ao longo da Avenida da Liberdade, aproveitando
a sombra das suas árvores frondosas; e, às horas de menos clientela, quem estava
sem fazer nada nos pavilhões também não podia deitar o olho às montras das
boutiques caras, pela simples razão de que a alta costura, bem como os turistas
endinheirados e os novos-ricos, ainda não tinham chegado a estas bandas.
Lembro-me
de que planeara comprar os Contos da Montanha, de Miguel Torga
(«Mariana» é dos meus contos favoritos até hoje); e, por influência de uma
colega, que sabia que eu gostava de poesia, Pelo Sonho É Que
Vamos, de Sebastião da Gama, que ainda conservo naquela edição bonita e
limpinha da Ática. E recordo-me de que, não sabendo na altura quem publicava
esses livros, me bastou perguntar num stand qualquer (não era,
note-se, um balcão de informações) para logo um senhor muito solícito me
informar, a mim e à colega que me acompanhava, em que barraquinhas (com número
e tudo!) podíamos encontrar o que procurávamos.
Claro
que hoje o computador da APEL faz o mesmo serviço; e claro que hoje o mercado é
dez vezes maior, o que explica muita coisa. Mas a verdade é que quem vendia na
Feira do Livro de Lisboa na Avenida era gente que percebia da poda, geralmente
funcionários de livrarias que conheciam exaustivamente os catálogos das
editoras e que tão depressa eram capazes de indicar onde se podiam comprar os
livros de José Hermano Saraiva aos cavalheiros interessados em saber um pouco
mais da história do país como A Mulher na Sala e na Cozinha, de Laura
Santos, às raparigas casadoiras.
Sabiam
quais eram as editoras de Aquilino Ribeiro, David Mourão-Ferreira, Camilo ou
Eça, mas também (sou testemunha!) de um livro que ensinava a fazer kefir, numa
altura em que nem os iogurtes eram correntes em Portugal. A uma mulher popular,
de bata florida e avental, que uma vez perguntou ao meu lado num pavilhão se
tinham «algum livro que explicasse como se deitavam os canários», o vendedor,
sem desfazer o ar de surpresa, indicou imediatamente duas ou três editoras com
livros sobre a reprodução de aves.
Quando
escolhi a edição como modo de vida, vendi «atrás do balcão» na Feira do Livro,
já no Parque Eduardo VII, uma dúzia de anos, a ouvir perguntas e comentários, a
aconselhar e esclarecer, a topar os larápios e pedir-lhes os livros roubados de
volta, a aprender com leitores interessantes e interessados, e até a aturar
esquisitinhos com um vinco numa lombada, que precisavam de ver dez exemplares
do mesmo título até decidirem o que queriam levar.
Hoje
lamento ter desaparecido esta relação com os leitores, que era humana,
empática, próxima, cúmplice, e que foi substituída por um sistema impessoal em
que o cliente entra no pavilhão, escolhe, mete no cesto e paga na caixa, como
num supermercado, por vezes sem se cruzar com ninguém; ou então quem está
dentro do pavilhão pouco percebe dos livros que tem à sua guarda, muito menos
dos da concorrência, para poder responder às dúvidas dos fregueses…
O
barulho das luzes, os cartazes XPTO, a música de feira, a bonecada toda, podem
ser muito giros para quem sobe o parque com os jacarandás em flor e olha os
livros à direita e à esquerda. Mas os antigos profissionais que sabiam tudo
extinguiram-se: aqui há uns anos, o locutor de serviço à feira conseguiu dizer
que, no stand da Livros do Brasil, o Livro do Dia era «Os
Maias, de Camilo Castelo Branco». E, tendo-se ouvido um burburinho de
espanto subindo o parque como um rastilho prestes a explodir numa gargalhada
colectiva, o locutor voltou ao microfone para dizer: «Perdão.» Só que, quando
todos pensávamos que íamos poder respirar fundo, ele acrescentou: «Pede-se
alguém do pavilhão da Livros do Brasil que venha confirmar se Os Maias são
mesmo de Camilo Castelo Branco»…
Por
motivos vários, as minhas visitas à Feira do Livro deixaram de ter aquele
instante feliz de outros tempos.
Quase arrisco a dizer que a visita que faço tem mais a ver com a fotografia que tiro
sempre ao pavilhão da «& etc.», recordando os tempos em que ficava por ali
a conversar com o Vitor Silva Tavares.
A
Feira tem pavilhões a mais, uma boa parte com nada relacionado com livros.
Como
é que um país que não lê, tem tantos editores a publicar milhares de livros que
não sei a quem se dirigem?
Estou
a tornar-me um leitor estranho.
Um leitor chato.
No
dia 11 de Setembro de 2001, em Nova Iorque, um criminoso atentado terrorista,
contra as duas torres do World Trade Center, matava mais de três mil cidadãos
de diversas nacionalidades, dando origem a uma escalada de destruição,
violência e que veio a culminar, a mando de George Bush, na invasão do Iraque, que, ainda hoje, se fim à vista se reflecte
em toda o Médio Oriente, com dramáticos cenários no Iraque e na Síria.
Nesse
11 de Setembro de 1973, a CIA ajudou monetariamente e militarmente o num General Augusto Pinochet, num golpe de
estado que pôs fim ao governo democraticamente
legitimo de Salvador Allende, provocando vários milhares de vítimas, 30
mil são os números calculados, e acrescente-se as prisões e o exílio de
duzentos mil chilenos, que deu origem a uma feroz ditadura que durou 17 anos.
Para
assinalar o 1º aniversário do atentado de Nova Iorque, o produtor francês Alain
Brigand, pediu a 11 realizadores, de vários países, para fazerem uma
curta-metragem de 11 minutos, nove segundos e um frame, sobre a destruição das
torres.
O inglês Ken Roach foi um dos realizadores
escolhidos.
Dando a volta ao texto, põe Pablo, um exilado
chileno, a ler uma carta de solidariedade ao povo norte-americano, enquanto
passam imagens da eleição e do assassínio de Salvador Allende:
«Queridas
mães, pais e amados daqueles que morreram no dia 11 de Setembro em Nova Iorque:
Sou
chileno e vivo em Londres. Quero dizer-vos que talvez tenhamos algo em comum.
Os vossos entes queridos foram assassinados como os meus e na mesma data: 11 de
Setembro. Terça-feira.
Em 1970 houve eleições. Eu tinha 18 anos e votei pela primeira vez. Tínhamos um sonho lindo, o de construir uma sociedade em que o nosso povo partilhasse os frutos do seu trabalho, a riqueza do país. Por isso em Setembro de 1970 todos votámos e vencemos. Havia leite e educação para as crianças. Terras por cultivar foram dadas a trabalhadores sem terra. As minas de carvão e de cobre e as principais indústrias tornaram-se pertença de todos nós. Pela primeira vez na sua vida as pessoas tinham dignidade. Mas ignorávamos como tal era perigoso. O vosso Secretário de Estado, Henry Kissinger anunciou: “Não sei porque havemos de ficar a ver um país tornar-se comunista devido à irresponsabilidade do seu povo.”
A
nossa decisão democrática e os nossos votos eram irrelevantes. O mercado e os
lucros são mais importantes. A partir desse momento a nossa dor e a vossa dor
foi legalizada. O vosso Presidente Nixon disse que poria a nossa economia a
gritar. Ele mandou a CIA tomar parte activa num levantamento militar, um golpe
de estado. Dez milhões de dólares e mais, se necessário, foram disponibilizados
para derrubar o nosso Presidente Salvador Allende.
Amigos,
os vossos líderes pretenderam destruir-nos. Desencadearam uma guerra no sector
dos transportes que quase paralisava a nossa economia. Eles pararam todo o
comércio entre nós o que provocou o caos. Estavam feitos com os chilenos que
não aceitavam a nossa vitória. Os vossos dólares apoiaram neo-fascistas que
geraram violência nas ruas e puseram bombas em fábricas e centrais eléctricas.
Por estranho que pareça, não surtiu efeito. Nas eleições municipais o nosso
apoio aumentou. E o que fizeram os Estados Unidos da América?
No
dia 11 de Setembro, inimigos da liberdade cometeram um acto de guerra contra o
nosso país. Ao raiar da aurora tropas e tanques avançaram sobre o nosso palácio
presidencial. Allende e os seus ministros e conselheiros estavam lá dentro.
Allende não fugiu quando o Palácio Moneda foi atingido.
Ele
foi assassinado. Assassinaram-no. Numa terça-feira. A nossa terça-feira. Dia 11
de Setembro de 1973. Um dia que destruiu a nossa vida para sempre.
Deram-me
um tiro no joelho e fizeram encostar-me a cara ao pó da estrada. Bateram-me
tanto que por várias vezes perdi os sentidos. Um dia na prisão cheguei-me à
grade e vi o German Castro a ser arrastado pelos braços. Ele não conseguia
andar, sangrava dos ouvidos. Eles partiram-lhe os ossos e depois
assassinaram-no. Soubemos dos campos de tortura dirigidos por oficiais
treinados nas escolas americanas. Soubemos que havia gente atirada de
helicópteros, gente torturada em frente aos filhos e conjugues . Sabem o que
eles faziam? Punham-lhes electricidade nos órgãos genitais. Punham ratazanas
nas vaginas das mulheres e treinavam cães para as violar. E depois soubemos da
“Caravana da Morte” do general que ia de terra em terra a fazer execuções
aleatórias. 30 mil pessoas foram assassinadas. 30 mil. O vosso embaixador no
Chile queixou-se das torturas e Kissinger disse: “Ele que pare com os discursos
de ciência política”.
O
general Pinochet, organizador do golpe sorriu e aceitou os parabéns do
Secretário de Estado. E os dólares recomeçaram a entrar no Chile. Chamaram-me
terrorista e condenaram-me a prisão perpétua sem direito a julgamento ou
defesa. Fui libertado cinco anos depois mas tive de deixar o país para não pôr
em perigo os meus amigos. Não posso regressar ao Chile embora não pense noutra
coisa. O Chile é a minha pátria mas o que seria dos meus filhos? Eles nasceram
em Londres. Não os posso condenar ao exílio como eu. Não posso fazê-lo agora
mas anseio por voltar.
Santo
Agostinho disse: “A esperança tem duas belas filhas – a Raiva e a Coragem.
Raiva pelo estado das coisas. Coragem para as mudar.”
Mães,
pais, amados dos que morreram em Nova Iorque:
Em
breve será o 29º aniversário da nossa terça-feira, dia 11 de Setembro, e o 1º aniversário
da vossa. Nós recordar-vos-emos. Espero que vocês se recordem de nós.»
Pablo
Atiraram-se dos andares em chamas.
Um, dois, ainda alguns,
mais acima, mais abaixo.
A fotografia deteve-os na vida
e agora preserva-os
sobre a terra rumo à terra.
Cada um ainda na íntegra
com rosto individual
e sangue bem guardado.
Ainda há tempo
Para os cabelos esvoaçarem
e do bolso caírem
chaves e alguns trocos.
Ainda estão ao alcance do ar,
no âmbito dos lugares
que acabaram de se abrir.
Só duas coisas posso por eles fazer:
descrever este voo
e não acrescentar a última frase.
Wistawa Szymborka em Instante
Há
20 anos a tragédia do 11 de Setembro transformou o mundo.
Pelo
que aconteceu nesse dia e pela ofensiva que os Estados Unidos lançaram sobre o Médio
Oriente.
Vivemos
num mundo ingovernável.
«No caso das Torres Gémeas sabe-se que a
Al-Qaeda se organizou para as destruir, mas na conspiração paranoica não foi a
Al-Qaeda mas sim os judeus e o presidente Bush.
«Quando não se quer reconhecer que se é
um imbecil, culpam-se os outros. Aliás, basta ver que todas as religiões do
mundo resultaram de conspirações: há sempre um deus que fez isto ou aquilo.
Mesmo que tenha sido eu a matar semelhantes numa guerra, logo se aponta para
uma maquinação da divindade e que é responsável pelo acto.»
Umberto Eco