O que ele gostava dos cafés
de Lisboa.
Um dos muitos simples prazeres
da sua vida.
Depois começaram a
transformá-los em agências bancárias, em casas de trapos.
As grandes mágoas que então
nasceram.
Quando José Rodrigues Miguéis
foi obrigado ao exílio nos Estados Unidos, o primeiro grande choque que
enfrentou foi a não existência de cafés.
Sua mulher Camila conta o
episódio:
«Quando chegou aos
Estados Unidos a primeira coisa que o ia matando foi quando descobriu que não
havia cafés. Como é que podia viver sem um café onde encontrava os amigos, onde
se sentava e levantava logo que se sentia desconfortável ou aborrecido, ou
quando lhe surgia uma ideia e tinha de regressar a casa para a escrever? Como é
que as pessoas podiam viver daquela forma? Isto foi um problema muito, muito
difícil para ele, e eu sentia-me desanimada, porque não o podia resolver.
Quando lhe disse o que tínhamos – restaurantes, cafetarias, balcões, vários
locais -, ele disse: «Mas eu estou a falar de um café; tu não percebes.» E esta
situação aborreceu-o a vida toda. Aborreceu-o mesmo.»
Foi dura, e inglória, a luta
pela manutenção dos cafés.
O poeta José Gomes Ferreira
nos seus Dias Comuns fala dessas
lutas, quando juntamente com o Carlos de Oliveira, O Augusto Abelaira, tantos
outros, andaram em bolandas, de café para café que lhes dessa possibilidades de
manterem as suas tertúlias.
Os cafés da minha
preguiça" como escreveu o Mário de Sá-Carneiro.
Ler o jornal, um livro num
café com uma bica à frente.
Jorge Silva Melo: Sabores de outros tempos: o ovo a cavalo, o
molho, as batatas fritas dos velhos cafés de Lisboa.
Façamos a evocação de um café
de Lisboa: o Vává, símbolo dos anos 60 que viu nascer o cinema novo português, também
músicas, conspirações várias.
Lauro António, que há dias nos deixou, escreveu diversas crónicas sobre a cidade no jornal digital «Mensagem de Lisboa».
Uma dessas crónicas lembra o
VáVá e a sua história:
Nasci em
1942, em Campo de Ourique. Passei sete anos da minha vida em Portalegre, para
onde o meu pai, professor, foi deslocado para se efectivar. Regressei a Lisboa
em 1958 e vim morar para as avenidas novas, precisamente para a avenida dos
EUA, muito perto do cruzamento com a avenida de Roma. O Café Restaurante Vavá
existe desde esse ano e foi um dos meus cafés de eleição. Os outros foram a
Grãfina e o Nova Iorque
Além de mais, tem sido o meu
café-restaurante prioritário, acompanhei todas as transformações, lidei com
todas as gerências, fui assistindo à reciclagem da clientela, e descobri que o
espaço, apesar de tudo, se mantém como local de culto e de saudosa romagem. Por
isso vale a pena contar a história física, que é pouca, mas sobretudo recordar
o espírito do lugar, que se conserva, muito para lá das vicissitudes do tempo e
dos circunstancialismos vários da vida de cada um.
Julgo ser, por isso, uma pessoa bem
informada para dar conta do recado, ainda que nestes casos, o recado, por muito
factual que se queira, tenha sempre de ser subjectivo, com o que a posição
comporta de risco, mas também de sinceridade. O meu testemunho não é totalmente
imparcial e a tender para o abstracto, antes se afirma desde início, pessoal e
apaixonado. Esta será uma “visão”, uma “visão” possível entre muitas outras, de
um espaço que vem cumprindo, vai para cima de seis décadas, a função para que
foi criado.
OVavá nasceu em 1958, criado por uma
dupla de gerentes, dois irmãos, Petrónio e Luís Gonzaga. Irmãos que apenas se
pareciam no apelido, e igualmente na gentileza, dado que um era basto volumoso,
de presença imponente, arrastando por detrás do balcão uma bonomia ruborizada,
enquanto o outro, mais discreto e aprumado, ia deslizando delicadamente pelo
mesmo balcão. Às vezes em simultâneo, outras revezando-se no comando das
operações.
O Vavá que eles idealizaram era um
espaço enorme, que abrangia o que ainda hoje lhe compete, e ainda o que o Banco
BPI agora ocupa e lhe comprou. O Vavá não era apenas o dobro, em extensão, à
superfície, mas ainda possuía uma extensa cave, onde se encontrava uma, na
época, muito disputada sala de bilhares.
A decoração inicial produziu o milagre
que ainda hoje perdura, apesar de pouco restar dela presentemente. Mas todo o
recinto ganhava um ar acolhedor e recolhido, com as madeiras de um
castanho-escuro, os maples de couro, igualmente de castanho-escuro, colados
juntos às paredes, circulando todo o espaço. Mesas e cadeiras a condizer e um
balcão que dividia a sala em duas, sem as tornar isoladas, como hoje acontece,
pela intromissão de uma parede que não fazia parte da estrutura original.
A iluminação era dourada, discreta,
difusa, pequenos candeeiros desciam do tecto sobre as mesas, o ambiente era
intimista, o que terá seduzido a clientela destas avenidas novas que iam
surgindo lentamente por estes lados.
Não muito longe do cruzamento da Avenida
de Roma com a Avenida dos EUA, nesta praça onde se encontram frente a frente o
Vavá e o Luanda, começavam as quintas e os quintais, viam-se rebanhos de
ovelhas e cabras e cultivavam-se as couves. Paulo Rocha fala dos “Verdes Anos”
destes locais no seu filme, um dos que abriu caminho ao Novo Cinema Português
(curiosamente o Novo Cinema marchou lado a lado com o Vavá, mas disso falarei
mais a frente).
Avenidas Novas, vidas novas, novos
arrendatários. Quem veio habitar estes bairros foram os filhos da burguesia
endinheirada, num período em que a estabilidade social e uma ligeira abertura
ao exterior permitiram a ascensão de novas classes profissionais, vivendo com
relativo desafogo, que lhes possibilitava pagar rendas mais caras, e usufruir
de maior qualidade de vida.
Do Areeiro à Avenida do Brasil, a
Avenida de Roma era o exemplo da modernidade em Lisboa. Aqui se vinham
descobrir as novidades, na moda, nos usos e costumes. Os quarteirões
encheram-se de jovens de novas profissões: publicidade, moda, canção, cinema,
televisão, aviação, arquitectura, decoração, etc. Mas, por detrás dessas
luxuosas avenidas novas, existiam novos bairros de habitação social que
contribuíam igualmente para o aparecimento de uma população diferente e
diversificada.
Foram esses os frequentadores habituais
do Vavá nesses primeiros anos. Foram eles que criaram o estilo da casa e
impuseram um tom. Aberto até de madrugada (fechava às duas da manhã), permitia
a criação de tertúlias espontâneas, de amigos e conhecidos que todas as noites
ali se reuniam para falar e discorrer sobre os mais variados temas, com a
política sempre como prato de resistência.
É importante referir que os finais da
década de 1950 e o início da de 60 foram tempos difíceis para o governo de
Salazar. Poucos meses depois das eleições de 1958, que opuseram Humberto
Delgado a Américo Tomás, e que este haveria de ganhar com batota descarada,
abria o Vavá. Iniciava-se igualmente um tempo de revolta e conspiração sem
precedentes na história do Estado Novo.
Em todas as tertúlias lisboetas se
comentava o que não se podia saber pela informação escrita, radiofónica ou
televisiva (a RTP acabava igualmente de iniciar as suas transmissões) e se
soprava de ouvido a ouvido. O Vavá não era excepção. Congregando clientes já de
alguma idade com a rebeldia da juventude, o Vavá era local de conspiração certa
(segura nunca seria, pois “os olhos e os ouvidos” do regime estavam um pouco
por todo o lado).
A proximidade da Cidade Universitária
criava outra clientela, maioritariamente irreverente e interventiva. Os alunos
que vinham estudar para a capital escolhiam quartos de abrigo perto das
faculdades. Este era outro potencial cliente, que o Vavá logo aglutinou. A
contestação universitária que eclodiu em pleno durante a crise académica de
1962 foi dispersando pólos de inquietação. Os cafés eram centros de estudo, mas
igualmente focos de rebelião, onde se discutia e se organizava a revolta.
Tínhamos assim uma fauna variada, de
extractos sociais diferenciados, profissionalmente irreverente e moderna,
maioritariamente jovem. Entrando no café numa noite de inverno ou atravessando
a esplanada numa solarenga tarde de verão, eles estavam lá, em pequenos grupos
que se distinguiam pelos interesses profissionais ou pelos escalão etários, mas
que por vezes se interpenetravam e fundiam em grandes grupos de amena
cavaqueira.
Em Novembro de 1993, para uma revista
então publicada pela livraria Barata, escrevi um texto que não resisto a
recuperar. Dizia assim:
O café, enquanto local, e não só
chávena, e não só bebida, refere duas realidades, ambas de agradável evocação:
a bica, que se toma, e a tertúlia de amigos com quem se fala, enquanto se bebe
a primeira.
Muitos escritores têm relembrado, em
saborosos textos, tertúlias célebres ao longo das décadas. Não vem ao caso
historiar, mas Lisboa esteve bem provida destes locais de referência
obrigatória, e não há certamente quem ignore o papel do Martinho da Arcada, da
Brasileira do Chiado, do Nicola, do Café Gelo, do Monte Carlo, do Ribadouro, de
tantos e tantos outros. Escritores e pintores deixaram marca num local, actores
e encenadores eram habituais noutros, os cinéfilos reuniam-se sobretudo no
antigo VaVá, mesas pegadas com cançonetistas
e baladistas dos idos de 60, e, antes do 25 de Abril, políticos e “gente do
reviralho”, como então eram chamados os opositores ao regime, apareciam um
pouco por todo o lado, acumulando funções na maioria dos casos.
Os cafés eram locais de encontro, logo
depois do almoço, e antes de se entrar no trabalho, ou a seguir ao jantar,
prolongando-se então a cavaqueira pela noite dentro, até que as portas do café
fechassem, e muitas vezes até para lá do seu encerramento. Nunca antes das duas
ou três da matina. Muitos artigos se escreveram, muitos romances e poemas se
pensaram, muitos espectáculos se montaram, muitos filmes se idealizaram, muitos
quadros adquiriram ali cores e formas, muitos governos caíram e muitos outros
se formaram à mesa de um café de Lisboa, do Porto, de qualquer cidade do
interior de Portugal.
Não havia ainda televisão em doses
industriais, para agarrar audiências pelos processos mais singulares; não havia
internet, chats, blogues ou Facebook; não havia ainda Betas, VHS ou DVDs para
se verem os filmes em casa; não havia concertos rocks todos os dias, nem
espectáculos a toda a hora; não havia as drogas pesadas a influir negativamente
nos horários dos donos dos cafés, que se querem ver livres de tão ingratos
clientes, e fecham muito mais cedo; não havia a ameaça da violência urbana que
apesar de tudo pesa sobre o comportamento de muita gente que prefere a
segurança do lar à incerteza das ruas; nem havia, sobretudo, estes mercantis
balcões de agora, onde as pessoas tomam apressadamente café, enquanto outras
comem sofregamente uma sopa e pastelinhos de bacalhau, bifanas ou mesmo
“pratinhos” de feijoada à transmontana, antes de regressarem ao seu balcão no
centro comercial ou à secretária no escritório.
Dos meus tempos de Universidade,
relembro cafés inesquecíveis. Desde logo, o bar da Faculdade de Letras, onde se
estudava a vida, quando se faltava às aulas, para se discutir um filme, uma
peça de teatro ou um livro, onde se tentava mudar o mundo à medida dos nossos
sonhos, ou simplesmente se namorava uma colega, quando o tempo não estava de
molde a poder-se sair com ela até ao estimulante verde do discreto estádio
universitário.
Depois, à tarde e à noite, estudavam-se
as matérias, em mesas de outros cafés, por apontamentos emprestados por quem
assistira ao verbo do Professor. Por mim, que morava então em casa de meus
pais, na Av. EUA, os mais utilizados eram o Nova Iorque, hoje transformado em
banco, e a Grãfina. Mas muitas noites as passava também entre o Monte Carlo e o
Monumental, espreitando actores e actrizes com quem se procurava meter
conversa, ou sendo lentamente perfilhado por tertúlias de escritores,
jornalistas, pintores e excêntricos avulso.
Pouco a pouco, fui subindo avenida
acima, até ao VáVá, que então tinha bilhares e cave, e não era ainda metade
banco e metade pastelaria. Ali se reunia o grupo de cinéfilos, que observava de
longe, e o dos cantores, que ouvia na rádio e muito pouco na TV estatal. Com
breves incursões pela Suprema, pela Sul-América e pelo Luanda, adoptei o Vává
como segunda casa, ali fiz amizades e vi partir amigos, ali conheci amores e
desamores, ali escrevi e li, ali pensei guiões e filmes, dali parti com equipas
de filmagem para a serra da Estrela, para Sintra, para o Alentejo, ali filmei
mesmo uma sequência de um deles, ali vi rodar alguns outros, ali me despedi do
24 e ali saudei o 25, há quem diga que ele é a minha sala de jantar (quanto
muito seria a de almoçar), e um prolongamento do meu escritório.
O Vává foi mudando com os anos, deixando
sempre saudades do velho Vává, de maples de cabedal castanho encostados às
paredes, de luz difusa e discreta, de acolhedor conforto. Ali conheci o Manuel
Guimarães, que seria meu padrinho de casamento e padrinho cinematográfico,
cedendo-me umas bobines de película virgem do seu derradeiro “Cântico Final” para
eu realizar uma das minhas primeiras curtas-metragens; ali conheci melhor o
Manuel de Azevedo, o Villas-Boas, o Rafael, o Pinto Bandeira, o Manuel Costa e
Silva, o Sam, o Pedro Bandeira Freire, o João Maria Tudela, o Fernando Tordo, o
Paulo de Carvalho, o Carlos Mendes, o Fernando Silva, o Mário Damas Nunes, a
Acácia Thiele; ali continuo a encontrar o Manel, o Fanan, o Vasco, o Mário, o
Rangel, a Lena, o Carlos, e tantos outros, alguns deles agora já acompanhados
das respectivas e respectivos, com a prole a gatinhar por entre mesas e
cadeiras, ganhando já, se calhar, o mesmo “vício” de ali se encontrarem no
futuro; por ali passam também personagens bisonhas de tristes recordações, ali
ficam suspensas memórias efémeras ou persistentes, ali se discute o presente do
cinema, do xadrez, da televisão e da canção portugueses, ali se debate o futuro
da TAP, ali se comentam, à segunda-feira, os “roubos” dos árbitros,
invariavelmente a prejudicarem o Sporting e a beneficiarem quem se sabe, por lá
passava ao fim da tarde o Frederico, na volta do colégio, para a Cola e o bolo
da praxe, ali descia e desço com a Eduarda para tomar o café, antes de ir para
o cinema ou de regressar a casa, para um serão televisivo.
Os cafés de Lisboa tendem a desaparecer,
e os que restam são já sombras de um passado que procuramos apesar de tudo
manter vivo, contra a arremetida das leis inexoráveis do comércio, da cobiça
dos bancos, do poder da televisão, da proliferação de bares e discotecas. São,
aliás, os bares e as discotecas que, de certa forma, vieram a ocupar o lugar
desempenhado pelos cafés, reunindo tertúlias de amigos, agora ao som da música
de momento. Até esta transferência é significativa da mudança dos tempos. Em
lugar do café, bebe-se whisky ou vodka; em vez do espreguiçar do pensamento em
redor da bica bem quente, gritam-se frases rápidas por entre dois compassos
mais trepidantes. Nem melhor, nem pior. “Tudo é feito de mudança”, como dizia o
poeta. “A nostalgia não é deste mundo”, como explicava Signoret. E as bicas bem
quentes continuam a incendiar a imaginação dos poetas. Que nunca dispensaram
outros “acompanhamentos”, a começar pelo absinto.
A última grande transformação do Vavá
data de 2017, quando a empresa Petrónio e Gonzaga, Lda foi comprada aos
anteriores proprietários pelos sócios Pedro Ferreira e João Simões. O café
restaurante sofreu uma profunda remodelação, mantendo e reabilitando o espólio
artístico (as obras de Menez foram todas restauradas por especialistas), tarefa
levada a cabo por familiares dos gerentes, a designer Mafalda Ferreira e o
arquitecto paisagista Filipe Pedro. A inauguração aconteceu a 21 de Julho de
2017 e, não muito depois, a casa foi considerada “Loja com História” pela
Câmara Municipal de Lisboa.
Muitos se perguntam por quê a designação
Vavá?
Estranha homenagem a um jogador
brasileiro que aparece a dar nome a um café restaurante no cruzamento da av. de
Roma com a dos EUA, em Lisboa. “Vavá” era mesmo o nome por que era conhecido
Edvaldo Izídio (Recife, 12 de Novembro de 1934 – Rio de Janeiro, 19 de Janeiro
de 2002), jogador brasileiro de futebol, bi-campeão mundial nas copas de 1958 e
1962, conhecido também por “peito de aço”. Nascido no Recife, Pernambuco, foi
como avançado da selecção brasileira bicampeão mundial nas campanhas da Suécia
(1958) e do Chile (1962). Iniciou a sua carreira no Sport de Recife,
transferiu-se depois para o Rio de Janeiro (1952), para jogar no Vasco, passou
pelo Atlético de Madrid, Palmeiras, América do México, San Diego, dos EUA, e
Portuguesa do Rio. Conquistou dois campeonatos cariocas pelo Vasco da Gama e um
paulista, pelo Palmeiras, além das duas Copas do Mundo pela selecção.
Era visto como o clássico “matador” de
grande área: oportuno, sem muita técnica, mas dono de muita garra e
inteligência táctica, além de bom a jogar de cabeça. O seu vigor físico
valeu-lhe o apelido de “Peito de Aço”. Marcou nove golos pelo Brasil em Copas
do Mundo, e em 22 jogos pela selecção brasileira, contabilizou 14 golos. Foi
auxiliar técnico de Telê Santana (1982) na selecção brasileira que disputou a
Copa da Espanha. Morreu aos 67 anos, na Clínica São Victor, na Tijuca, zona
norte do Rio de Janeiro, após internado por três dias com insuficiência
cardíaca, e enterrado no Cemitério do Catumbi.
Porque se chama Vavá o café restaurante
a que estamos a dedicar este texto, eis um enigma que não conseguimos decifrar.
Numa época em que no Brasil havia Pelé e Garrincha, porquê optar por Vavá? Um
mistério a que pouca gente dá qualquer atenção. Curiosamente, os nomes fixam-se
e raras vezes se procura encontrar uma razão para a sua escolha. Vavá é hoje em
dia algo abstracto que, neste caso, designa um café, nada mais. Uma sonoridade
apenas.
Mas esta sonoridade faz retinir
recordações e memórias de outros tempos. No final da década de 1950 e na de 60
do século passado o Vavá foi local de encontro e de tertúlias diárias de uma
certa inteligência nacional, urbana, resistente ao Estado Novo, ponto de
encontro de diversos grupos sociais. Um deles, os jovens do que viria a ser
chamado o novo cinema português, onde pontificaram os nomes de Fernando Lopes,
Paulo Rocha, António Pedro Vasconcelos, Alberto Seixas Santos, António da Cunha
Telles, João César Monteiro, Manuel Costa e Silva, entre outros que habitavam
perto e ali se reuniam diariamente, à noite, para a bica da praxe e a conversa
habitual. Foi aqui que se convencionou ter nascido o novo cinema português, que
um filme como “Verdes Anos”, de Paulo Rocha, confirma (grande parte filmado no
edifício do próprio Vavá onde então morava o seu realizador).
Mas o café não era apenas refúgio de
jovens cineastas, mas também de um ou outro veterano, como era o caso de Manuel
Guimarães, o mais conhecido realizador português a testemunhar a influência do
neorrealismo italiano no nosso país, com títulos como “Saltimbancos” ou
“Nazaré”. Não confraternizavam todos na mesma mesa, o conflito geracional
existia. Guimarães era frequentador de uma outra tertúlia, onde surgiam vários
opositores ao regime, “malta do reviralho”, como então eram chamados, como
Aquilino Ribeiro Machado, engenheiro, filho do escritor Aquilino Ribeiro e
futuro Presidente da Câmara de Lisboa, entre 1977 e 1979, Dias Amado, professor
da Faculdade Ciências, Manuel de Azevedo, jornalista do “Diário de Lisboa”,
Aventino Teixeira, coronel, um dos capitães de Abril, Pinto Bandeira, o artista
plástico Sam, Rafael, proprietário de uma agência de publicidade, entre alguns
mais. Senhoras de certa idade eram raras. Uma delas era a mulher de Manuel
Guimarães, a Dª Clarice, que acompanhava sempre o marido.»
Legenda:
Foto 1 – Fotografia de Aida Santos
Foto 2 – Fotografuia do jornal I
Foto 3 - Site de Lojas
Com História
Foto 4 – Site de Lojas
Com História
Foto 5 – Site de Lisboa
ComVida
2 comentários:
Que belo texto!
Estão aqui 50 anos de história de uma geração.
Isto é uma pérola- uma lição de história como há muito não lia.
É de reler e reler.
Obrigado Sammy.
A palavra pérola está excelentemente aplicada, caro Seve.
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