sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

QUASE AO BATER DAS DOZE BADALADAS...



Para acompanhar com as passas e a taça de espumante:

Das 18 empresas públicas cujos mandatos dos conselhos de administração terminam este mês, em 12 delas os custos com os vencimentos dos presidentes ascendem a 1,6 milhões de euros, valor a que não foram somados os prémios nem as ajudas de custo.

De acordo com uma notícia avançada pelo jornal "Sol", Estanislau Costa, presidente dos CTT continuou a receber durante quase dois anos o vencimento da PT (23 mil euros) quando já era administrador dos CTT (15 mil euros) e que se terá demitido antes de se tornar pública a auditoria da Inspecção-geral das Finanças.

Portugal chegará a 2011 com mais de 600 mil desempregados, o nível mais alto em cerca de 30 anos.

Ao divulgar o parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2009, o Tribunal de Contas diz que  97% dos 2 200 milhões de euros afectados no ano passado pelo Governo ao combate à crise foram parar ao bolso sem fundo da banca (61%) e às empresas (36%); já com os apoios ao emprego, o Estado gastou... 1%.

A fazer fé  nos números apresentados pelo  dos Governo, fica a saber-se que estará a conseguir reduzir o défice público. Se tal realmente acontece fica, a dever-se, em boa parte  aos cortes nos apoios sociais a desempregados e crianças.

Termina hoje o Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social.

No pódio dos países com maiores desigualdades sociais na União Europeia, Portugal ocupa o 2º lugar. O 1º lugar pertence à Letónia.

Há 3000 000 portugueses a passar fome e dependendo, para sobreviver, de instituições de solidariedade.

A maior parte das pesadas medidas de contenção anunciadas durante o ano que agora acaba entram em vigor no primeiro dia do ano novo.

Famílias e empresas começam o ano com mais impostos, menos salários e benefícios sociais.

O problema deste final de ano é o sabermos que o próximo vai ser muito pior e sermos incapazes de evitar que isso venha a acontecer.


O importante mesmo é cuidar dos vivos, ou como diria o velho Humphrey Bogart “quando morremos acaba-se tudo. Temos de aproveitar porque a vida é para os vivos.”

Aos amigos, aos viajantes que por aqui passam, os votos de um Bom Ano, apesar de tudo…

NATAIS BRANCOS


Gosto desta capa, que pertence à soberba colecção de discos do Luís Miguel Mira, gosto do Bing Crosby, gostaria de um dia estar dentro de um Natal Branco, tal como diz a canção, “I'm dreaming of a white Christmas”
Um sonho guardado dentro do baú das coisas que gostaria de fazer na vida e que… não irão acontecer…

POSTAIS SEM SELO



Não merecemos muito respeito como espécie.

José Saramago em “O Natal é uma Borbulha Consumista que nos Separa do Apocalipse”, Agência EFE, Madrid, 25 de Dezembro de 2006

Legenda: Ilustração de Edward Hopper.

A REPÚBLICA TRÊS MESES DEPOIS



Numa crónica no “Jornal de Notícias”,  por ocasião das comemorações dos 100 anos da Implantação da República, Manuel António Pina escrevia:

“No centenário da implantação da República, juntamente com o fim dos privilégios de sangue e a adopção do princípio republicano, festejou-se algo que não existiu: um regime democrático.
A I República foi estruturalmente antidemocrática, não só tendo instaurado a censura, perseguido sindicatos e organizações de trabalhadores, proibido manifestações, promovido a intolerância e a violência política, mas sobretudo rejeitando o voto universal e excluindo do colégio eleitoral a imensa maioria analfabeta da população portuguesa (bastará dizer que, em 1910, havia 850 mil eleitores recenseados que, com a lei eleitoral republicana de 1911, ficaram reduzidos a 400 mil).”

Num artigo de opimião, datado de 31 de Dezembro de 1910, e incluído no seu livro “Saibam Quantos…”, Fialho d?Almeida escrevia:

“Há três meses completos que esta Lisboa é uma imensa cloaca de “cidadonismo” arremangado e bestiaga, emporcalhando as ruas de manifestações sem objecto, e fazendo consistir a vida cívica n’um fervilhar d’escumalha que dá vivas e morras a heroes transitórios e a patriotasnos arrivistas. A gente tranquila pergunta quando é que esta feira d’alarves fingindo envergaduras de revolucionários conscientes, e quando é que a vida estudiosa e comercial reintegra outra vez Lisboa na sua pacatez d’estudo  e de trabalho”




Como o que torto nasce, tarde ou nunca se endireita, foram-se abrindo os caminhos para, dezasseis anos depois da implantação da República, eclodir o pronunciamento militar que ficou para a História com a designação de “Movimento de 28 de Maio” e que há-de dar origem ao advento do salazarismo.

“Infelizmente, há muita coisa que parece só eu posso fazer.”, Salazar, numa nota oficiosa, datada de Abril de 1935.

Nota:  No texto de Fialho d’Almeida, manteve-se a ortografia da época.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS

POSTAIS SEM SELO



O meu cachimbo está apagado, o meu copo vazio;
A minha lareira está prestes a ficar em cinzas;
Mas, mais uma vez, antes de partires,
Preparo-me para conhecer o Novo Ano:
Velho Ano! uma palavra de despedida,
Porque fomos camaradas, tu e eu –
Agradeço a Deus a tua presença ao meu lado, em cada dia:
Deus te abençoe! Adeus Ano Velho!

Robert Service

A MEMÓRIA DAS PALAVRAS


"Apesar da angústia terminei a noite a rir… A rir com gosto deste verdadeiro pedacinho de ouro que se me deparou inesperadamente durante a leitura de um artigo encomiástico sobre “A Memória das Palavras”, inserto no “Jornal do Ribatejo":

“E se eu um dia chegasse a mandar, “A Memória das Palavras” seria livro de leitura obrigatória em todas as escolas e liceus do País”.

Palavra que não é inventado!
Corei até às raízes mais profundas da vergonha.”

José Gomes Ferreira em “Dias Comuns”, Vol. I

ENTÃO, É NATAL!

DAYS OF WINE AND ROSES


A propósito de Freitas Santos, Linda Ronstadt e de “What’s New”

Naqueles tempos, por motivos que não vêm agora à conversa, era frequente irmos passar umas temporadas a casa dos meus sogros.
Eu estudava de noite (estudava mesmo, garanto-vos…) e chegava a casa tarde e a más horas, mas sempre a tempo de encontrar o Freitas Santos sentado no “antro do bicho”,  que era como ele chamava ao espaço onde tinha a sua música e a sua biblioteca, entretido na leitura de qualquer coisa. E sempre a tempo, também, de dar dois dedos de conversa antes de me deitar, porque com o Freitas Santos a conversa fluía naturalmente, sobre tudo e sobre nada, quase sempre pelo simples prazer de conversar.
Quando me acontecia chegar mais cedo e encontrar o Freitas Santos na outra sala a ver um  filme ou um qualquer programa de televisão, aproveitava para pôr a minha música em dia. É preciso esclarecer que eu já era surdo nessa altura, pelo que o nível de decibéis que provocava era sempre bastante superior ao normal…
Um belo dia, estava eu entretido a ouvir este disco da Linda Ronstadt que aqui vêem, entra-me o Freitas Santos no escritório de mansinho, senta-se no seu lugar do costume, meio envergonhado, como quem se prepara para entrar num festa para onde não fora convidado, e dispara-me à queima-roupa qualquer coisa como isto: “Há já uns tempos que ando a ouvir essa música cá em casa e acho-a muito agradável… Quem é essa fulaninha?”
Expliquei-lhe quem era a Linda Ronstadt e falei-lhe da ideia que ela tinha tido, com a cumplicidade do grande Chefe de Orquestra Nelson Riddle, de trazer para o universo da música Pop  alguns dos standards da música  americana que tiveram grande popularidade no auge dos tempos da Broadway e da Comédia Musical de Hollywood mas que, passada a euforia dessas décadas de 40 e 50, tendiam a ficar um pouco esquecidas e confinados ao gueto do chamado Jazz Vocal.
Talvez que Freitas Santos não conhecesse nomes como Sammy Cahn, Gordon Jenkins, Victor Young, Johnny Burke ou Bob Haggart, alguns dos autores ou co-autores das músicas escolhidas para este disco. Mas conhecia, certamente, Irving Berlin e George Gershwin, embora este último talvez mais pela “Rhapsody in Blue” do que propriamente por “I’ve Got a Crush On You” ou “Someone to Watch Over Me”, que aqui assina com o seu irmão Ira. 
Só não lhe contei, porque ainda não o sabia, que Linda Ronstadt iria gravar, durante os dois anos seguintes, mais dois discos do mesmo género (“Lush Life” e “For Sentimental Reasons”), sempre com o inseparável Nelson Riddle e a sua Orquestra.
E também não lhe disse, porque muito menos o adivinharia, que este filão (re)descoberto por Linda Ronstadt nos anos 80 iria ser exaustivamente vasculhado nas décadas seguintes, onde não houve gato pingado em desespero de carreira que não tivesse procurado deitar mão ao  sucesso fácil destes standards da música americana: Brian Ferry, Art Garfunkel, Robbie Williams, Rod Stewart (este, então, já vai no quinto disco…), para já não falar do inevitável Willie Nelson, são só alguns exemplos, no meio de muitos outros.   
Depois de ouvir atentamente as minhas explicações, Freitas Santos respondeu-me logo algo bem ao seu estilo: “Estes americanos fizeram sempre muita merda pelo Mundo fora, mas lá Música e Cinema souberam eles fazer bem…!”
O disco ficara, desde então, à sua disposição e aconteceu-me dar com ele a ouvi-lo, sempre com um sorriso de cumplicidade.
Curiosamente e embora ele não me tenha contado nada, fiquei com a impressão de que Freitas Santos conhecia bem o sabor dessas músicas de qualquer lado…
Talvez dos dias da Rádio, embora não esteja  muito bem a ver  Freitas Santos sentadinho no sofá a ouvir rádio,   em ameno serão familiar. Mas é possível que essa música lhe entrasse pelos ouvidos alta noite na Redacção do jornal, porque gente como eu pensa sempre que tudo pode acontecer durante a noite na Redacção de um jornal…
Ou, quem sabe, talvez que essa memória lhe viesse dos velhos tempos dos salões da Madame Blanche ou da Amélia Chinesa, onde Freitas Santos ia tomar um cházinho de vez em quando…

Texto de Luís Miguel Mira

Nota do editor: Se fosse vivo, Francisco de Freitas Santos, meu pai, faria hoje 98 anos.     

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

ENTÃO, É NATAL!


As lojinhas em Brugge são uma maravilha. Existe uma que, durante todo o ano, vende brinquedos, velas, decorações de Natal.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

ENCHER A VIDA


No dia 28 de Dezembro de 1965, José Gomes Ferreira escrevia nos seus “Dias Comuns”, Vol. I:

A voz aguda do Abelaira (que anda aflito com as provas de “Enreada Amena” contou-me ontem:
- No domingo fui à “matinée” do São Jorge onde se me deparou a seguinte imagem “assombrosa” (palavra de muito agrado do Abelaira): vários espectadores, de rádio portátil na mão e auscultador no ouvido, não perdiam uma sílaba do relato do futebol. Enquanto assistiam, interessados, ao desenrolar da intriga na tela.
Meu Deus! Já não lhe basta um espectáculo. Querem dois ao mesmo tempo! E não tardará o dia em que levarão também uma televisãozinha de bolso para pôr no colo e espreitar, de vez em quando, um episódio qualquer de folhetim parvo.
Em resumo: encher a vida.

IDÍLIO EM BICICLETA


...há momentos em que o mundo se nos oferece como paraíso

Teixeira de Pascoaes.

Imagem de Idílio Freire

ENTÃO, É NATAL!

JOSÉ SARAMAGO NAS SUAS PALAVRAS


O poeta e ensaísta espanhol Fernando Gómez Aguilera, a quem se deve a concepção da exposição “José Saramago. A Consciência dos Sonhos”, publicou, recentemente, este “José Saramago Nas Suas Palavras”.

Cito do prefácio:

“Nesta compilação que agora ocupa o leitor oferece-se um amplo repertório de palavras suas estraídas exclusivamente de jornais, revistas e livros – cinco publicações de referência para conhecer o escritor, que recolhem as suas conversas com Baptista-Bastos, Juan Arias, Carlos Reis, Jorge Halperín e João Céu e Silva, além de uma monografia de Andrérs Sorel – num leque cronológico que abarca desde a segunda metade dos anos estende até Março de 2009. (…) Naturalmente, a paisagem resultante não pretende nem poderia ser completa, mas torna-se exaustiva e suficientemente significativa da bagagem de atitudes e pensamento  com que o Prémio Nobel português exerceu a sua fecunda responsabilidade cívica através dos meios de comunicação, em permanente vigília na hora de meditar e dialogar com o seu tempo, construindo um autêntico espaço de existência com capacidade de ecoar globalmente.”
Este livro constitui importante auxiliar - mais um! -  para os “Saramagueando" que, por aqui, volta e meia, aparecem.

“José Saramago Nas Suas Palavras”, edição e selecção de Fernando Gómez Aguilera, Editorial Caminho, Lisboa Outubro 2010.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

ANJO AZUL


Neste dia, no ano de 1901,em Berlim,  nascia Marlene Dietrich.

O fotógrafo Cecil Beaton chamava-lhe “prazer estranho”, John Wayne que era “a mulher mais intrigante que conhecera”, Jean Cocteau dizia simplesmente que era “a perfeição em si mesma”
Cigarro na mão, voz rouca, pernas inesquecíveis.

Diz-se que Ernest Hemingway terá sido um dos seus muitos amantes e dela deixou escrito:  

“Mesmo que ela não tivesse nada mais do que a sua voz, conseguiria partir-nos o coração. Mas ela tem também aquele corpo lindo e a doçura intemporal do seu rosto. Não faz diferença de que forma parte o nosso coração porque ela está lá para o arranjar.”

Em 1930 trocou a Alemanha pelos Estados Unidos o que lhe valeu a ira de Hitler, chamando-lhe traidora.

Em Paris, aos 91 anos, a morte visitou-a enquanto dormia.

ENTÃO, É NATAL!



Para dizer que o Natal não se faz só com canções tradicionais.

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS


Há uns bons anos que não passo pela Rua do Século, pelo que não posso dizer se a “Loja Tintin Por Tintin” ainda existe…

POSTAIS SEM SELO


Ah, são as mulheres que nos prendem à terra, a velha terra-mãe, eu sei, eu sei! São elas que nos salvam do silêncio implacável, do esquecimento definitivo, elas que nos transportam ao futuro, à imortalidade na espécie (nem teremos outra) pelo fruto bendito do seu ventre (eu sei, eu sei...)

Luiz Pacheco em Comunidade

Legenda:  Dianne Krueger em Inglorious Bastards, filme de Quentin Tarantino, 2009

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO?


No seu “Os Filmes da Minha Vida, Os Meus Filmes da Vida”, João Bénard da Costa escreve:

“Um Natal sem presentes nem parece Natal.” Era assim, se a memória me não trai, que começava o popular romance de Louise May Alcott, “Little Women”, tantas vezes adaptado ao cinema. Estou de acordo. Sempre adorei dar e receber presentes, no Natal mais do que nunca. E sou daqueles que gosto do Natal, que gosta imenso do Natal. Natal com todos os efes e erres, com todas, todas as tradições. Desconfio até das pessoas – falo daquelas que não entraram para a vida pela porta de serviço – que não gostam do Natal. No sentido em que Godard dizia, no “Petit Soldat”: “Méfiez-vous des femmes qui n’ aiment, pas manger.”
Entre tantos filmes de Natal, ou à volta do Natal, se tivesse que levar um para a tal ilha, escolheria “ Loja Da Esquina”, filme de 1940, realizado por Ernst Lubitsch,  com maravilhosas interpretações de Margaret Sullavan e James Stewart.
“Nunca fiz nada tão bom. Nunca fiz um filme em que a atmosfera e os personagens fossem tão verdadeiros como neste são”, disse Lubitsch.
A acção do filme decorre em Budapeste, nos tempos da Depressão, e a loja do Sr. Matuschek é o centro de toda a história. Uma história de solidões, sobretudo as solidões que o Natal faz escorrer.
Um filme simples, amável, repleto de ingenuidades, uma floresta de desencontros, de enganos, realizado com um charme não mais possível de ver nos tempos que correm.
Ah! e aquele fabuloso plano final com James Stewart a levantar lentamente as calças, para mostrar as pernas a Margaret Sullavan.
Inesquecivel!  

domingo, 26 de dezembro de 2010

A ESTRELA



Eu caminhei na noite
Entre silêncio e frio
Só uma estrela secreta me guiava

Grandes perigos na noite me apareceram
Da minha estrela julguei que eu a julgara
Verdadeira sendo ela só reflexo
De uma cidade a néon enfeitada

A minha solidão me pareceu coroa
Sinal de perfeição em minha fronte
Mas vi quando no vento me humilhava
Que a coroa que eu levava era de um ferro
Tão pesado que toda me dobrava

Do frio das montanhas eu pensei
«Minha pureza me cerca e me rodeia»
Porém meu pensamento apodreceu
E a pureza das coisas cintilava
E eu vi que a limpidez não era eu

E a fraqueza da carne e a miragem do espírito
Em monstruosa voz se transformaram
Disse às pedras do monte que falassem
Mas elas como pedras se calaram
Sozinha me vi delirante e perdida
E uma estrela serena me espantava

E eu caminhei na noite minha sombra
De desmedidos gestos me cercava
Silêncio e medo
Nos confins desolados caminhavam
Então eu vi chegar ao meu encontro
Aqueles que uma estrela iluminava

E assim eles disseram: «Vem connosco
Se também vens seguindo aquela estrela»
Então soube que a estrela que eu seguia
Era real e não imaginada

Grandes noites redondas nos cercaram
Grandes brumas miragens nos mostraram
Grandes silêncios de ecos vagabundos
Em direcções distantes nos chamaram
E a sombra dos três homens sobre a terra
Ao lado dos meus passos caminhava
E eu espantada vi que aquela estrela
Para a cidade dos homens nos guiava

E a estrela do céu parou em cima
de uma rua sem cor e sem beleza
Onde a luz tinha a cor que tem a cinza
Longe do verde azul da natureza

Ali não vi as coisas que eu amava
Nem o brilho do sol nem o da água

Ao lado do hospital e da prisão
Entre o agiota e o templo profanado
Onde a rua é mais triste e mais sozinha
E onde tudo parece abandonado
Um lugar pela estrela foi marcado

Nesse lugar pensei: «Quanto deserto
Atravessei para encontrar aquilo
Que morava entre os homens e tão perto


Sophia de Mello Breyner Andresen

Poema retirado de “Natal… Natais”, antologia de Oito Séculos de Poesia Sobre o Natal, organizada por Vasco Graça Moura, “Público”, Lisboa s/d

Legenda: Fotografia de Alfredo Cunha

ENTÃO, É NATAL!

O Natal veio e já foi. Apenas ficou o sorriso das crianças.

sábado, 25 de dezembro de 2010

OS CLÁSSICOS DO MEU PAI


Por um findar de dia, próximo do Natal, há largos, larguíssimos anos, o meu pai chegou a casa com um disquinho: um “EP” da Polydor”, com tradicionais canções natalícias, interpretadas por um coral alemão.

E todos os anos, pelo Natal, o meu pai comprava um novo disco. Os tempos eram difíceis, não dava para muito mais.

Terá começado aí a pancada que me levou, ao longo dos anos, a coleccionar discos de Natal e que, hoje, ultrapassam a centena.

Esse tal primeiro disco comprado pelo meu pai, não chegou aos dias de hoje. Fica aqui um outro, também desses tempos, os clássicos “The Four Aces", num “EP” de cinco faixas a cantarem “Jingle Bells”, “Santa Claus Is Comin’ To Town”, Silente Night”, Joy The Worl”, “Hark! The Herald Angels Sing”.

Os “The Four Aces” são acompanhados pela Orquestra de Jack Pleis.

O disco está quase inaudível, mas ainda desenha uma melancolia miudinha, repleta de silêncios, aconchegos desses velhos tempos, bons tempos, apesar de tudo. Quando não há explicações óbvias e evidentes para as coisas elas tomam uma carga misteriosa.

Fico-me por aqui.

E, se possível, um Bom Natal!

NATAL


A cidade onde estou de mãos nos bolsos a olhar do fundo da noite,
tem muros velhos com flores macias a crescer nas fendas,
e do lado de lá do rio, barcaças, redes, pescadores e fome.
Ontem foi primavera nas margens e houve peixe,
mas agora é tudo lá tão longe
que só a primavera de ontem se adivinha.
E é da terra que falo. Sei
inegavelmente que  a húmida face da cidade tem por sobre si a lua
e que nas montras o azevinho mais o fio prateado dizem que é Natal.
Mas ignoro muito.

Os guindastes adormecem e os navios,
e as canções  da noite do Rabi contam que tudo sofre e que o perdoar é bom,
mas eu não aprendi a perdoar nem amo o sofrimento.
Longe sei que neva,
mas  deste lado é que a cidade fica
com pegadas de estivadores pelo cais
e sacos empilhados nos navios.
A beira-rio é assim e as gaivotas andam longe
e nós pouco sabemos das coisas de além muros.
(Que é Natal? e que dizer da secular mentira de nos habituarmos?)
Na montanha a noite é branca e há tristeza nos pinheiros.
Aqui é a cidade apenas.
Nem uma flor no caminho além da que lá pomos hora a hora.
O rio vai largo e ontem
a cheia pôs miséria nas terras marginais,
mas hoje é que é Natal, dizem.
Os jornais falaram e a cidade
encheu-se de coisas piedosas e de gente.
Houve esmolas aos pobres e gestos caridosos publicados,
Nocturnas esquecidas.
Dizem que este dia É,
mas eu não entendo!

Eduardo Valente da Fonseca

Poema retirado de “Natal… Natais”, antologia de Oito Séculos de Poesia Sobre o Natal, organizada por Vasco Graça Moura, “Público”, Lisboa s/d

Legenda: Pintura de Paul Cornoyer

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

OLHAR AS CAPAS


Uma Semana Noutra Cidade

João César Monteiro
Capa de Carlos Ferreiro
Edições “&Etc”
Lisboa, Novembro de 1999

São 10 da noite. Estou a escrever no Monte Carlo, onde só há homens. Precisava de apanhar o Fernando para lhe cravar umas aguardentes. É meu desejo estar completamente grosso por volta da meia-noite e com o espírito propenso à obscenidade. Se arranjasse 100 paus ia às putas. Deve ser fabuloso ir às putas na noite de Natal. Duvido é que haja alguém que esteja para me aturar a bebedeira por 100 paus.
"Não estamos em Itália, não há grappa alla ruta, não há comoções nocturnas da Zé, não há nada. Nem sequer o direito ao vómito. Não há nada, mas ainda há vida. Ainda estrebucho, minha senhora. Ainda digo merda e embarco no tudo ou nada do amor. Ainda me jogo inteiro no real e no possível, no confronto entre o que sou e o que podia ser. Ainda simpatizo (ao longe é certo) com as lutas históricas do proletariado de todo o mundo

IDÍLIO EM BICICLETA


vou passar o natal à terra
o que eu gosto desta expressão…
apetecia um bacalhau com broa, uma garrafa de tinto
o grito de golo no estádio
um abraço
mas é tudo tão longe…

ENTÃO, É NATAL!

POSTAIS SEM SELO


Gelo nas estradas. Montalegre, Pitões das Júnias, Alturas, Tourém, Matas de Carvalhelhos. Temperaturas e meteorologia dentro do habitual. Os miúdos escalam as paredes de um castelo e abrem o apetite permanente. Eu Leio “O Espião Que Veio do Frio”, de John Le Carré, as desventuras de Alec Lemas, mas só à noite. Não há livro mais indicado.

Francisco José Viegas

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

POSTAIS SEM SELO


Quando eu era pequeno, as luzes da árvore de Natal, a música da missa da meia-noite, a doçura dos sorrisos faziam brilhar assim o presente de Natal que eu recebia.

Saint-Exupery em O Principezinho

É POR ISSO QUE O NATAL É A FESTA DOS AMIGOS


Banda sonora da peça homónima, representada no “Teatro Adóque” em 1976.
Um bonito disco que até hoje, infelizmente, nunca conheceu edição em CD.
Canções com textos partilhados entre José Carlos Ary dos Santos e Joaquim Pessoa, interpretados por Carlos Mendes, Paulo de Carvalho e Fernando Tordo, que também escrevem as músicas, e introduzidas por Maria Helena d’Eça Leal.
“Cada amigo nosso vale mais que um Pai Natal”.

ENTÃO, É NATAL!

Para se livrar das calorias de uma simples fatia de bolo-rei o pobre do mortal tem de andar 84 minutos.

NATAL 1956

Andava no Liceu Gil Vicente e lembro-me do pedido que foi feito para que os alunos levassem roupas, géneros alimentícios, para serem enviados para a Hungria.
Embrulhado em papel pardo, levei arroz, açúcar, esparguete.

Legenda: Cartaz do Partido Comunista Português contra o envio de alimentos para a Hungria.

É PERMITIDO AFIXAR ANÚNCIOS


Anúncios das empresas, das fábricas, do comércio a desejar aos seus clientes e amigos Boas-Festas, Feliz Natal, Próspero Ano Novo.
Ainda os encontramos em jornais e revistas, mas não na quantidade dos anos 60/70.
Uns eram simples, outros caprichavam. Escolhi este da “Ribadouro”, a célebre “Universidade do tremoço”. 
Possivelmente por um Natal de finais dos anos 70.

OS SAPATOS NOS SAPATOS


Pé ante pé, já com a casa mergulhada em sono, o menino levantou-se e foi-se até aos sapatos para ver dos brinquedos do Pai Natal.
- Será um comboio eléctrico…? – interrogava-se, a caminho da cozinha, as tábuas do soalho range que range.
- Será um pião que toca música…? – perguntava-se metro, a metro, espiado pelo silêncio escuro das paredes.
- Será uma bola de futebol…? – movimentava-se, cauteloso, com formigueiros nos pés.
Passada a porta da cozinha, o menino sentiu um arrepio de contentamento: e, fechando os olhos, quase sem respiração, imaginou nos sapatos (tão velhos) milhares de brinquedos coloridos. Todas as montras, enfim, ali depositadas a dois passos…
Não pôde mais. Tacteou o fogão, encontrou a caixa, riscou um fósforo – e à luz da pequena chama viu nos sapatos velhos um par de sapatos novos…
Só mais tarde, depois do choro daquela noite, e ao longo dos anos do seu caminho, é que o menino compreendeu que só com sapatos seguros, os pés bem assentes no chão, erra que não erra, se pode partir à conquista das coisas belas da terra.

Pedro Alvim no “Diário de Lisboa”, de um qualquer Natal dos anos 70.

O NATAL TRISTE DE 1981


Teve contornos diferentes, o Natal de 1961 em Portugal.

A 17 de Dezembro desse ano, a Índia invadia os territórios de Goa, Damão e Diu.

Em sinal de luto Salazar proibiu as iluminações natalícias
.
O “Diário da Manhã”, afecto ao regime, fazia eco da “tristeza” desse Natal. Em editorial chamou-lhe chamava-lhe “Natal Triste”:

“Natal triste, Natal de luto. Em todas as casas portuguesas, os cânticos de louvor ao Menino Jesus hão-de começar por uma prece, para que seja breve o cativeiro da Índia Portuguesa. E para que os nossos irmãos de Goa, Damão e Diu, tenham ânimo de suportar a desgraça, unidos em espírito a todos os portugueses da Comunidade, como todos estamos com eles, certos de que o Menino Deus, que para Goa levámos há perto de quinhentos anos, remirá de novo pela nossa mão a terra escravizada.”

Legenda: imagem do cortejo-romagem que na da noite de 18 de Dezembro se realizou na Praça do Município em Lisboa.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

ENTÃO, É NATAL!

POSTAIS SEM SELO


Uma boa consciência é um Natal contínuo.

Benjamim Franklin

AS COISAS SÃO O QUE SÂO


Recusam-se a pensar.
Mesmo a apenas três dias do natal, o momento em que Deus se fez homem na palha de uma gruta, a maioria das pessoas precipita-se atrás de tudo o que pensa ser diversão, entretenimento, consumo, modismo.
Vão acabar exaustos, atordoados de tanta correria. É como se estourassem de inconsciência, na periferia de si próprios e de um mundo de cujo mistério nem sequer querem ouvir falar.
São multidões de solitários. Fogem de qualquer luta, afrouxam-se em submissões, aceitam não ser donos deles mesmos.
Nem sequer sabem que estão sós porque a solidão desliza sobre eles sem deixar vestígios como a água na pena dos cisnes.
Todos nós somos convidados para entrar num castelo, diariamente, vá lá saber-se por quem. Pode o castelo estar cheio de esplendores e de multidão ruidosa que não deixará de acabar em sepulcro, mais depressa do que seria de esperar, se não desconfiarmos dessa exaltação de fraquezas e se, quando ficarmos sem fôlego, não soubermos que esse é o momento de nos reencontrarmos, reconquistando a dignidade e a personalidade.
O castelo é um inferno onde cada instante é um milagre. Agarrar esses instantes, que formam o tempo, escapar da ladainha dos que mergulharam no ruído, viver como um desafio, ter a honra de não se submeter a quem não merece submissão e de depender do amor de quem merece essa dependência, é o que deveria ser - se pensássemos.
Mas só quando se está cansado de nunca estar só é possível vencer a violência da solidão e pensar no que vale a pena.
As coisas são o que são.

Vitor Cunha Rego

Legenda: Pintura de Paul Cezanne

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Segundo João Bénard da Costa, A Taberna do Irlandês, de John Ford, é o mais surpreendente Natal que o cinema mostrou.

NATAL...NA PROVÍNCIA NEVA


Natal... Na província neva.
Nos lares aconchegados,
Um sentimento conserva
Os sentimentos passados.

Coração oposto ao mundo,
Como a família é verdade!
Meu pensamento é profundo,
‘Stou só e sonho saudade.

E como é branca de graça
A paisagem que não sei,
Vista de trás da vidraça
Do lar que nunca terei!


Fernando Pessoa

Poema retirado de “Natal… Natais”, antologia de Oito Séculos de Poesia Sobre o Natal, organizada por Vasco Graça Moura, “Público”, Lisboa s/d

TRANSIDO, TREMER ENTRE AS NEVES GELADAS


Transido, tremer entre neves geladas
Com o forte soprar de um vento horrível.
Correr batendo com os pés todo o tempo
E pelo excesso de gelo bater os dentes;
Passar perto do fogão os dias calmos e felizes
Enquanto a chuva lá fora molha tudo e todos,
Caminhar sobre o gelo com passos lentos
Andando com cuidado para não cair;

Girar depressa, escorregar, cair por terra
De novo ir sobre o gelo e correr rápido
Até que o gelo quebra e se abre;

Sentir sair das portas de ferro
Os ventos sul e norte e todos os ventos em fúria
Assim é o Inverno, mas que alegria nos dá.”

Soneto “Inverno” das “Quatro Estações” de António Vivaldi.

Para além da música, Vivaldi também terá escrito os sonetos alusivos às quatro estações.
Tradução de Maria Fernanda Cidrais.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

ASSIM É O INVERNO


Abrem-se as portas para o solstício de Inverno.
Os dias começam a crescer. A luz do Sol há-de romper as trevas.
Se chega o Inverno é porque a Primavera se aproxima. E, pelo Inverno dentro, é reconfortante estar à espera da Primavera.
Ou como canta José Afonso: “No Inverno penso muito, oh que coisas eu já via, no Inverno penso muito, qualquer dia, qualquer dia.”

Legenda: "Noite estrelada," quadro de Van Gogh.

QUE NATAL?


Cartaz da CGTP-IN no tempo do Governo Mário Soares/Mota Pinto.

ENTÃO, É NATAL!

Natal de 2007.
Loja de brinquedos na AVª General Roçadas.
Hoje é uma frutaria.

QUANDO UM HOMEM QUISER


Tu que dormes à noite na calçada do relento
numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
és meu irmão, amigo, és meu irmão.

E tu que dormes só o pesadelo do ciúme
numa cama de raiva com lençóis feitos de lume
e sofres o Natal da solidão sem um queixume
és meu irmão amigo, és meu irmão

Natal é em Dezembro
mas em Maio pode ser.
Natal é em Setembro
é quando um homem quiser
Natal é quando nasce
uma vida a amanhecer.

Natal é sempre o fruto
que há no ventre da mulher


Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
tu que inventas bonecas e combóios de luar
e mentes ao teu filho por não os poderes comprar
és meu irmão, amigo, és meu irmão.

E tu que vês na montra a tua fome que eu não seif
atias de tristeza em cada alegre bolo-rei
pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
és meu irmão amigo, és meu irmão.

José Carlos Ary dos Santos

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segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

ENTÃO, É NATAL!

SARAMAGUEANDO


Esta é a crónica, "A Neve Preta", que José Saramago inseriu em "Deste Mundo e do Outro": 

Bem sei que estamos fora da estação: o Inverno já lá vai, temos agora aí o calor, a praia, as sombras das grandes árvores, o sol duro que nos amolece, as tardes apetecidas, as noites mornas que ondu­lam como pesados e macios veludos negros. Falar de neve em Junho mostra uma lamentável falta de sentido da oportunidade. Mas, tal como debaixo dos pés se levantam os trabalhos, também o acaso dos encontros pode inverter a ordem das estações e trazer o Inverno para o pino do Verão e fazer passar por nós um terrível frio que nenhum agasalho será capaz de vencer. Porque, não me cansarei nunca de o dizer, é preciso muito cuidado com as crianças.
Estes pequenos filhos dos homens têm andado pelas minhas crónicas. Mas de crianças tenho falado como quem as conhece bem, só porque também por lá passou. E agora pergunto: que são as crianças? Dez mil pedagogos se preparam para me responder. Afasto de antemão as respostas, umas que já conheço, outras que adivinho, e torno a perguntar: que são crianças?
Que seres estranhos são esses que viram para nós os seus ros­tos frescos, que nos perturbam às vezes com um olhar subitamente profundo e sábio, que são irónicos e gentis, débeis e implacáveis, e sempre tão alheios? Temos pressa de os ver crescer, de os admitir no clã dos adultos sem surpresas. Somos impacientes, nervosos, por­que estamos diante de uma espécie desconhecida... Quando passam a ser nossos iguais, falamos-lhes da infância que tiveram (a que recordamos, como observadores do lado de fora) e sentimo-nos quase ofendidos porque eles não gostam de ouvir lembrar uma situação em que já não se reconhecem. São adultos, agora: outra espécie humana, portanto.
Nessa infância está, por exemplo, a história que vou contar e que devo a um desses tais encontros de acaso. E depois de eu a reproduzir aqui, dir-me-ão se não tenho razões para insistir: é pre­ciso cuidado com as crianças... Não o cuidado comum, que tende a prevenir acidentes, aqueles que aparecem sob esta rubrica nas notícias dos jornais, mas um outro cuidado, mais melindroso e subtil. Eu explico.
Uma professora mandou um dia aos seus alunos que fizessem uma composição plástica sobre o Natal. Não falou assim, claro. Disse uma frase como esta: “Façam um desenho sobre o Natal. Usem lápis de cores, ou aguarelas, ou papel de lustro, o que qui­serem. E tragam na segunda-feira.” Assim ou não assim, os alunos fizeram o trabalho. Apareceu tudo quanto é costume aparecer nes­tes casos: o presépio, os Reis Magos, os pastores, S. José, a Virgem e o Menino Jesus. Mal feitos, bem feitos, toscos ou apuradinhos, os desenhos caíram na segunda-feira em cima da secretária da professora. Ali mesmo ela os viu e apreciou. Ia marcando “bom”, “mau”, “suficiente”, enfim, os transes por que todos nós passámos. De repente... Ah, mas é preciso muito cuidado com as crianças! A professora segura um desenho nas mãos, e esse desenho não é melhor nem pior que os outros. Mas ela tem os olhos fixos, está perturbada; o desenho mostra o inevitável presépio, a vaca e o burrinho, e toda a restante figuração. Sobre esta cena sem mistério cai a neve, e esta neve é preta. Porquê?
“Porquê?”, pergunta a professora, em voz alta, à criança. O rapa­zinho não responde. Talvez mais nervosa do que quer mostrar, a professora insiste. Há na sala os cruéis risos e murmúrios de rigor nestas situações. A criança está de pé, muito séria, um pouco tré­mula. E, por fim, responde: “Fiz a neve preta porque foi nesse Natal que a minha mãe morreu...”
Daqui por um mês chegaremos à Lua. Mas quando e como che­garemos nós ao espírito de uma criança que pinta a neve preta por­que a mãe lhe morreu?

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