Confesso que às vezes sou tomado pelo desalento. E isso já não me acontece ao ver o telejornal ou ao ler os jornais. É mesmo à minha volta que me vão aparecendo as piores notícias. Amigos com 40 anos que regressam, com filhos, a casa dos pais. Ou que, mesmo ficando em casa, dependem dos pais para a sua sobrevivência. E os pais estão, eles próprios, à beira da ruína. Amigos que ficaram sem emprego e olham à sua volta sem qualquer esperança de saírem do buraco em que caíram. Para a maioria nem é esse o problema. Porque emprego, na nossa geração, há muito que é uma miragem. Apenas perderam quase todos os rendimentos e vivem de biscates sem qualquer regularidade. O momento para pagar a segurança social ou os impostos será, eles sabem bem, a sua sentença de morte. Alguns,quase sempre os mais qualificados, vão-se embora. Outros aguentam o mais que podem, porque é aqui que têm a casa para pagar, a família para ajudar, a rede de contactos que os pode a vir apoiar numa qualquer saída. Mas sabem que é uma questão de tempo até irem embora. Outros têm pequenos negócios e ganham coragem para os fechar, pois sabem que cada dia que passa é mais um dia em que as suas dívidas engordam. Os que procuram emprego, tenham o liceu, a licenciatura, um mestrado ou um doutoramento, o máximo que sonham é com um lugar num call center. E mesmo esse é improvável. Os que têm emprego estão dispostos a aceitar todos os abusos e humilhações. Repetem para si próprios, e sou eu próprio que não os desminto, que perder o emprego agora seria uma condenação sem fim à vista. Já todos passaram o tempo em que faziam cortes em tudo o que não seja básico. A partir daqui é a pobreza.
Daniel Oliveira no Arrastão.
Legenda: fotografia de Maria Reis, Assírio & Alvim
1 comentário:
Inúmeros casos dentro da minha família e do meu círculo de amizades já se identificam com este texto...
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