quarta-feira, 7 de novembro de 2012

KEY LARGO



                                                    - Você percebe alguma coisa de barcos…?
                                                    - Sim… A minha primeira namorada foi um
                                                               barco…
                                                    (Diálogo do filme Key Largo, citado de memória…)


Embora haja muito boa gente a dizer o contrário, não me parece que Key Largo, que John Huston dirigiu em 1948, seja um dos melhores filmes do realizador do Falcão de Malta (alias, Relíquia Macabra, como inicialmente se chamou em Portugal…).

Tenho cá para mim que, durante a maior parte do tempo, o filme sofre em demasia as consequências da sua original base teatral, uma peça de Maxwell Anderson datada de 1930.

É verdade que a escolha dos actores é muito boa e a sua direcção excelente, como é habitual em Huston.

Mas aposto que se perguntar a alguém quais são os quatro filmes protagonizados pelo  par Bogart/Bacall,  este será, talvez, o último de que se irão lembrar… E também duvido que alguém se lembre que anda por lá Dan  Seymour, um dos inesquecíveis grandes actores secundários do Cinema Americano.


  Key Largo encerra algumas pequenas “histórias” que me apetece recordar, e se escolhi um diálogo do filme para a introdução deste texto não foi pelo simples prazer da citação, mas porque a resposta que Bogart dá no ecrã poderia muito bem tê-la dado na vida real…

Bogart amava o mar e os barcos e, com a cumplicidade de Huston, aproveitou este filme para fazer uma pequena homenagem ao seu próprio barco,  que se chamava Santana. Se repararem bem, Santana é o  nome do barco que é utilizado no filme.

E tinha tanto amor e tanto orgulho no seu vistoso veleiro que baptizou de Santana Productions a Produtora de filmes que criou  em 1947.

Conta-se que uma vez perguntaram ao Bogart o que é que fazia com que o seu barco andasse tão depressa…? “Scotch!”, respondeu ele de imediato…!  John Ford, outro amante do mar e dos barcos, poderia ter dado idêntica resposta…

A leitura da autobiografia de Laureen Bacall (By Myself – 1978) é um prazer enorme e deixa também transparecer a pontinha de ciúmes que ela própria sentia em relação ao Santana. Nenhuma das belíssimas mulheres da Hollywood desses tempos lhe fazia qualquer sombra, mas essa namorada distante, com a qual Bogart se refugiava sozinho de vez em quando, fiava mais fino…!


Estou convicto de que nenhum cinéfilo que se preze irá de propósito a Key Largo em busca das reminiscências do filme de John Huston…

Ele lembrar-se-á muito bem que tudo aquilo cheira aos estúdios da Warner Brothers por todos os lados e que, com excepção das breves imagens aéreas do genérico inicial,  não haverá no filme  uma única cena filmada localmente… Mesmo as cenas supostamente de exteriores, com o mar e os barcos a serem batidos pelo vento, são “efeitos especiais”, por sinal até retirados de rushes não utilizados de um outro filme de Don Siegel.

Mas a verdade é que também não acredito que haja cinéfilo que se preze que, ao passar por  Key Largo,  não sinta um apertozinho no coração e uma vontade enorme de sair da estrada principal e parar o seu carro,  ainda que por breves instantes,  à beira daquele mar maravilhoso.

E se o fizer, como eu o fiz, olhará então à sua volta e pensará que o filme do Huston poderia muito bem ter sido filmado ali naquele grande casarão de madeira, que até tem pontões e ancoradouros prontos para albergar  qualquer barco…

O que ele poderá não adivinhar de imediato, como eu próprio também não adivinhei, é quem é que estará à sua espera no salão dessa enorme casa, caso se disponha a transpor a porta de entrada…

O Bogey,  himself…!!!


Não Frank McCloud, o valoroso herói de Key Largo, mas o muito mais sofisticado Richard Blaine, que todos nós nos habituámos a tratar por Rick, o proprietário do Café Américan de Casablanca…!

Teria sido  the beginning of a beautiful friendship”, se nós já não fossemos amigos  há tantos anos…  Mas a habitual fotografia de parolo, essa não falhou!

Ao entrar naquele bar (era de um grande e espaçoso bar que se tratava…) pedi à vistosa  Senhora do outro lado do balcão uma “sparkling water”, referindo-me a uma normal água com gás.

Sem pestanejar perguntou-me se a queria com scotch, com rum ou com outra bebida qualquer… Hesitei porque, acima de tudo, era sede que eu tinha e não estava nada  habituado a beber álcool assim tão cedo pela manhã.

Mas dei-me conta, de imediato, que a razão estava toda do lado dela…

Então eu estava ali ao lado do Bogart, um tipo que, como na altura afirmou André Bazin,  tinha morrido de um cancro  e de um milhão de whiskeys,  e preparava-me para honrar a sua memória com uma banal  aguinha com gás… O desgraçado iria dar uma volta no túmulo, certamente…!

“Scotch, please…”, pedi delicadamente à Senhora.

E em quase 59 anos de existência, esse foi, seguramente, o primeiro whisky que alguma vez  tomei  antes das 11H00 da manhã…!


Colaboração de Luís Miguel Mira

1 comentário:

filhote disse...

Que prazer... ler as narrativas do Luís Mira... aquele abraço!