- Você percebe alguma coisa de barcos…?
- Sim… A minha primeira namorada foi um
barco…
(Diálogo do filme Key Largo, citado de memória…)
Embora haja muito boa gente a dizer o contrário, não me parece que Key Largo, que John Huston dirigiu em 1948, seja um dos melhores filmes do realizador do Falcão de Malta (alias, Relíquia Macabra, como inicialmente se chamou em Portugal…).
Tenho cá para mim que, durante a maior parte do tempo, o filme sofre em demasia as consequências da sua original base teatral, uma peça de Maxwell Anderson datada de 1930.
É verdade que a escolha dos actores é muito boa e a sua direcção excelente, como é habitual em Huston.
Mas aposto que se perguntar a alguém quais são os quatro filmes protagonizados pelo par Bogart/Bacall, este será
Key Largo encerra algumas pequenas “histórias” que me apetece recordar
Bogart amava o mar e os barcos e, com a cumplicidade de Huston, aproveitou este filme para fazer uma pequena homenagem ao seu próprio barco, que se chamava Santana. Se repararem bem, Santana é o nome do barco que é utilizado no filme.
E tinha tanto amor e tanto orgulho no seu vistoso veleiro que baptizou de Santana Productions a Produtora de filmes que criou em 1947.
Conta-se que uma vez perguntaram ao Bogart o que é que fazia com que o seu barco andasse tão depressa…? “Scotch!”, respondeu ele de imediato…! John Ford, outro amante do mar e dos barcos, poderia ter dado idêntica resposta…
A leitura da autobiografia de Laureen Bacall (By Myself – 1978) é um prazer enorme e deixa também transparecer a pontinha de ciúmes que ela própria sentia em relação ao Santana. Nenhuma das belíssimas mulheres da Hollywood desses tempos lhe fazia qualquer sombra, mas essa namorada distante, com a qual Bogart se refugiava sozinho de vez em quando, fiava mais fino…!
Estou convicto de que nenhum cinéfilo que se preze irá de propósito a Key Largo em busca das reminiscências do filme de John Huston…
Ele lembrar-se-á muito bem que tudo aquilo cheira aos estúdios da Warner Brothers por todos os lados e que
Mas a verdade é que também não acredito que haja cinéfilo que se preze que
E se o fizer
O que ele poderá não adivinhar de imediato, como eu próprio também não adivinhei, é quem é que estará à sua espera no salão dessa enorme casa, caso se disponha a transpor a porta de entrada…
O Bogey, himself…!!!
Não Frank McCloud, o valoroso herói de Key Largo, mas o muito mais sofisticado Richard Blaine, que todos nós nos habituámos a tratar por Rick, o proprietário do Café Américan de Casablanca…!
Teria sido “the beginning of a beautiful friendship”, se nós já não fossemos amigos há tantos anos… Mas a habitual fotografia de parolo
Ao entrar naquele bar (era de um grande e espaçoso bar que se tratava…) pedi à vistosa Senhora do outro lado do balcão uma “sparkling water”, referindo-me a uma normal água com gás.
Sem pestanejar perguntou-me se a queria com scotch
Mas dei-me conta
Então eu estava ali ao lado do Bogart, um tipo que, como na altura afirmou André Bazin, tinha morrido de um cancro e de um milhão de whiskeys, e preparava-me para honrar a sua memória com uma banal aguinha com gás… O desgraçado iria dar uma volta no túmulo
“Scotch, please…”, pedi delicadamente à Senhora.
E em quase 59 anos de existência, esse foi, seguramente, o primeiro whisky que alguma vez tomei antes das 11H00 da manhã…!
Colaboração de Luís Miguel Mira
1 comentário:
Que prazer... ler as narrativas do Luís Mira... aquele abraço!
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