sábado, 24 de novembro de 2012

O QU'É QUE VAI NO PIOLHO


Há filmes que, não sendo nada do outro mundo, me dão imenso gozo revê-los.

É o caso de A  Honra dos Padrinhos de John Huston.

Uma trama tenebrosa cheia de humor interpretada por um naipe de excelentes actores.

A começar por Jack Nicholson.

Quando, num pequeno papel de um advogado alcoólico, aparece em Easy Rider de Dennis Hopper, saltava à vista que estava ali um actor, algo que se confirmou e ultrapassou mesmo quaisquer expectaivas.

Depois Kathleen Turner, simplesmente Kathleen Turner, a última mulher fatal no cinema do século XX, tal como li algures por aí, aparentemente, escrito por gente dita conhecedora.

Acresce  Angelica Huston, uma  Maerose  simplesmente deslumbrante, diabolicamente cínica. Ganhou com esta interpretação o óscar de melhor actriz secundária.

William Hickey: um dos mais espantosos actores secundários do cinema americano.

Nomeado para o Óscar de melhor actor secundário pelo seu papael em A Honra dos Padrinhos, viu a Academia recusar-lhe a estatueta. Mas nada do que vem daquela Academia é para espantar.

Lamenta-se apenas.


 A Honra dos Padrinhos retrata a história dos Prizzi, e os  códigos da máfia, tudo envolto num humordelirante em que a mão de Huston se passeia por todo o filme.

Mas eu sou suspeito na matéria porque gosto muito de Huston,


 O diálogo que se segue, aparece pouco depois do princípio do filme, no primeiro encontro num bar de hotel, entre Nicholson, vestindo um arrebatador e espampanante casaco amarelo, e Kathleem Turner.

A reprodução do diálogo não reflecte o brilho e o gozo que toda a cena encerra

Charlie – Receava não voltar a vê-la.

Irene – Encomendei uma bebida, algo que acho lhe vai agradar: sumo de ananas com rum. Bebi-o em Cuba.

Charlie – Que fazia você em Cuba

Irene – Estava de lua-de-mel.

Charles – Não sabia que é casada.

Irene – O meu marido deixou-me há quatro anos. Não sei onde ele está, nem quero saber.
Charlie – Deixou-a?

Irene – É doido não é?

Charlie – Podia descobri-lo para si.

Irene – Deixe-o manter-se perdido.

Charlie – Um dia destes pode querer voltara a casar…

Irene – Talvez!... Mas até isso acontecer, eu não quero saber do paradeiro dele. E você? É casado?

Charlie – Uma vez estive quase a casar. Chamava-se Maerose. Crescemos juntos. Uma noite tivemos uma discussão enorme, porque eu estava a dançar demasiado com outra rapariga. Acho que fiz de propósito para a deixar com ciúmes. E ela partiu para o México com um tipo, e ficou a viver com ele num hotel. O pai dela mandou lá uns capangas para darem uma sova no tipo. Fê-la voltar para os Estados Unidos e não a deixou entrar em casa dele. Isso foi há quatro anos. E pronto! Nem sequer se pode aproximar de Brooklyn a menos que seja uma ocasião especial: casamentos, funerais e coisas desse tipo. Continuamos amigos. Ela é decoradora. Decorou o meu apartamento. Aliás, fez um excelente trabalho.

Irene – Bela família a sua! Seja como for gosto do seu casaco.

Charlie – Gosta? Um casaco assim daria bastante nas vistas em Nova Iorque, sabe? O meu pai diz sempre que mais vale dar nas vistas pelo sério que somos, do que pelas roupas, pelos carros, ou pelos anéis de diamantes.

Irene – Vamos?



Charlie e Irene estão agora no restaurante do terraço do hotel.

Em fundo, tocada por Mariachis,ouve-se Noche de Ronda.

 Charlie – Irene? Tenho de lhe dizer: não consigo dormir. Sou um homem adulto. Talvez até de meia-idade. Mas nada, nem ninguém, na minha vida, me afectou tanto como você. Amo-a! E pronto! Já disse tudo: amo-a!

Irene – Acho que também estou apaixonada por si, Charlie.

Charlie – Apaixonada não. Isso é passageiro. Depois passa para a próxima paixão. Todos estão sempre a apaixonar-se e a desapaixonar-se. Reparei nisso. Lembro-me de tudo o que leio nas revistas. Quando estamos apenas apaixonados, é só, espere,! Uma secreção hormonal que muda o olfacto, de forma a afectar alguém de uma certa forma. Isso é estar apaixonado. Quem precisa disso?

Irene – De amor? Isto é…amo-o, julgo eu. Parece que estou com evasivas, mas, não sei como dizê-lo, porque nunca o disse. Toda a vida me tive de proteger, mas não é possível protegermo-nos de algo, quando amamos alguém. Amo-o, Charlie!

Charlie – Que estão a tocar?

Irene – Noche de Ronda.

Charlie – Nunca me esquecerei desta música. Nunca esquecerei esse vestido. Nunca esquecerei nada do que se passou hoje. Seja para onde for que vamos, sempre que tocarem esta música… esta será a nossa música.

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