Naquela mesa ao fundo do bar, na faculdade
de letras, no tempo em que nada acontecia, fugindo
ao olhar atento dos contínuos, falávamos mais
de política do que de amor, a não ser quando
tu passavas pelas mesas para ir buscar o café e os
teus
cabelos lembravam as deusas da antiguidade, com os
ombros nus e o olhar perdido nalgum futuro que
só tu previas. Às vezes, o fumo do tabaco envolvia-te
em uma névoa que lembrava os campos de batalha,
e era como se pedisses que nos fôssemos alistar
nos teus sonhos, mas nó queríamos a realidade
das tuas mãos, e não o ideal de que a tua presença
nos afastava, calando as conversas à tua volta e
obrigando os que estudavam a fechar os livros. E
eras tu, nesse tempo em que nada acontecia, que
fazias acontecer o que não se podia confessar:
o desejo que deixavas, à tua passagem, e que
tínhamos de guardar connosco para que, à
nossa volta, ninguém nos acusasse de fugir
à revolução de que os teus cabelos nos distraíam.
Nuno Júdice
Nota do editor: poema colocado por Nicolau Santos na
página de Economia do Expresso, 1 de Dezembro de 2017.
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