terça-feira, 27 de março de 2018

GRANDES DORES DE CABEÇA



Carta de António José Saraiva, datada de Lisboa 23 de Março de 1958, para Óscar Lopes:

Como se eu não tivesse já poucos problemas, outros me sobrevieram que me deram grandes dores de cabeça. O meu sócio da Guilda do Livro, faltando a um compromisso, recusou-se a pagar-me o fascículo que lhe entreguei na data combinada (o último dia de Fevereiro, por ele fixado). Sobre esse dinheiro assentava a minha vida, e contava com ele para cobrir dois meses passados de despesas. Isto colocou-me numa situação impossível. Tive de aceitar a ajuda dos meus pais e pedir um pequeno adiantamento sobre dinheiro a haver de um trabalho para a Sá da Costa. Fiquei fisicamente esfarrapado, cheio de frio, sucumbido, Cortei com o meu sócio e foram-se por água abaixo todos os planos de proventos editoriais.
Por outro lado tornaram-se mais agudos os problemas dos meus filhos, especialmente do mais velho. Estava e está ainda em grande depressão. Teve três negativas, entre elas um 7; em Física teve um 9, quando o ano passado tivera três 19.
Tudo isto me obrigou a procurar uma solução empírica para o meu problema. Mandei pôr um divã no meu escritório em casa, e durmo nele. Pus calaramente a questão à Maria Isabel. Só me encontro com ela à hora das refeições, enquanto não tiver dinheiro para comer fora de casa o maior número de vezes possível. Esta situação não me parece indefinidamente sustentável, nem digna, nem lógica. É um expediente a que me obrigou o receio de uma queda vertical do rapaz mais velho, juntamente com a falta de dinheiro.

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