Só alguém possuído de uma fina sensibilidade, decide colocar como faixa
primeira do seu primeiro disco, o som da chegada de comboios na Gare d’Austerlitz,
vozes, ranger de rodas nos carris, marcando vincadamente os que saíram de um país
cinzento em busca de qualquer pedacinho de sol.
Havia também os que, a monte, saltavam fronteiras correndo todos os
perigos.
Muitos encontraram a morte.
Miguel Torga, no seu Diário, lembra o aviltamento humano desses
portugueses que se aventuraram e, na maior parte dos casos ficavam nas mãos de
gente sem escrúpulos.
«- Entregas-me as peles em Moiros.
- A que horas?
-Às onze”»
As «peles», adianta Torga, eram os emigrantes clandestinos.
Este álbum de José Mário Branco, é uma peça admirável.
Nas badanas do disco, escreveu José Duarte:
«primeiro em afirmações definitivas
num jornal cor de rosa
depois em cantigas do
amigo dom dinis
a seguir com canções
em circuito concêntrico
por fim numa esplanada de
paris
assim conheci josé mário
branco
estamos perante um mural
sonoro
do Portugal das últimas
gerações
um mural onde as cores
são a mordacidade a caricatura
uma simbologia
transparente
com tipos populares uma
grande romaria
viva e em movimento
um mural onde os temas são
a emigração
e o regresso
as guerras e os senhores
a juventude e as prendas
a esperança sem futuro
o medo e os fantasmas
o tempo e as novidade
tal como em perfilados de
medo
a linha quebrada de sons
electrónicos
é uma interferência uma
ameaça
na arquitectura vertical e
obstinada
do arranjo do medo
assim esta obra combate
uma tradição
onde a palavra é o som
mais inteligível
assim se encerra a fase
confusa
da nova música portuguesa
assim se inaugura uma época nova
onde também cantar bem e compor melhor
serão condições a exigir a canção útil
da afinação da palavra
à desafinação das cordas
à percussão das peles e teclas
à imaginação nos arranjos
à criação melódica à vocalização justa
aqui o circo foi desmantelado
com todas as ferramentas do som»
da nova música portuguesa
assim se inaugura uma época nova
onde também cantar bem e compor melhor
serão condições a exigir a canção útil
da afinação da palavra
à desafinação das cordas
à percussão das peles e teclas
à imaginação nos arranjos
à criação melódica à vocalização justa
aqui o circo foi desmantelado
com todas as ferramentas do som»
1 comentário:
Acredito que seja um bom disco de ouvir
.
Cumprimentos
Um dia feliz
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