«Quando penso no ofício do actor volta-me o medo das duas da tarde, no
Teatro da Trindade com o Senhor Gutkin. Mais depressa andaria numa
montanha-russa no escuro do que quereria fazer a assombrada visita ao interior
de um actor.
A questão é mesmo essa: será que se pode ver um actor por dentro? Como
se faz? Sobe-se uma escada, abre-se-lhe a boca e olha-se para o escuro que está
lá dentro? Quantas mulheres e quantos homens é que estão no quarto escuro, sem
janelas, da Greta Garbo? Seria por isso, por estar tão acompanhada, que ela
dizia, num filme, o “Grand Hotel”, que queria ficar sozinha, aquele seu célebre
“i want to be alone, i just want to be
alone”?
Dizem que há uma oficina em que os actores aprendem. Nessa oficina o
actor descobre a maneira do corpo pensar por si próprio, acabando na aparência
com a tirania da mente.
Será? Ouvi Charles Laughton, sofisticadíssimo actor inglês, contar
outra história. Laughton terá dito do americano e ingénuo Gary Cooper o
seguinte: “Vi logo que ele tinha qualquer coisa que eu nunca teria. Aquele
rapaz não tinha a mais pequena ideia de como representava bem.”
Charles Laughton, que quando abria a boca se lhe via uma oficina inteira por ali abaixo, percebeu bem: aquele rapaz, Gary Cooper, mexia-se instintivamente como uma criança, mas uma criança cujo corpo pensasse com a inocência animal de um gato.»
Manuel S. Fonseca na
sua Página Negra
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