quinta-feira, 26 de dezembro de 2024

MÚSICA PELA MANHÃ


O Natal não tem apenas o seu lado brilhante.

Há um pedaço de rua onde reinam as sombras e a solidão.

Há uma frase de Maria Judite de Carvalho: «Todos estamos sozinhos, Mariana. Sozinhos e muita gente à nossa volta, tanta gente Mariana,e ninguém vai fazer nada por nós.»
Está sempre a ouvir que as pessoas se habituam a tudo, só não se habituam à solidão. Aquela canção de Brel, deixa-me ser a sombra da tua sombra, a sombra da tua mão, a sombra do teu cão, mas não me deixes.
Dizia-lhe que antigamente chorava, agora chora pouco e, por isso, a solidão tornava-se mais incompleta. Arrastava-se tentando administrar a sua solidão. São muitos e não imaginamos quantos.

A solidão não pára de crescer.

A remexer no baú de Natal deparou com o envelope contendo notícias de jornais. Notícias de desesperos, notícias de suicídios. Hesitou, não sabe bem porquê, em tocar no assunto. Por fim, resolveu-se. Porque o Natal não tem apenas o seu lado brilhante.

O recorte é do Diário de Lisboa de 27 de Dezembro de 1976 e a notícia é proveniente do Porto:

«António Manuel, de 14 anos, no dia de Natal, lançou-se de uma janela do Coliseu do Porto, tendo sido conduzido ao Hospital de Santo António sem fala e com várias fracturas.
O jovem, que é natural do lugar de Idanha, encontra-se numa fase de recuperação, tendo começado já a articular algumas palavras»

O jornalista fechava assim a notícia:
«De acordo com estatísticas mundiais, a quadra do Natal regista sempre uma subida de tentativas de suicídio, que alguns psicólogos identificam com uma maior acuidade em relação à solidão em dias que a maioria das pessoas se reúne para confraternizar.»


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