O Natal não tem apenas o seu lado brilhante.
Há um pedaço de rua
onde reinam as sombras e a solidão.
Há uma frase de Maria
Judite de Carvalho: «Todos estamos
sozinhos, Mariana. Sozinhos e muita gente à nossa volta, tanta gente Mariana,e
ninguém vai fazer nada por nós.»
Está sempre a ouvir que as pessoas se habituam a tudo, só não se habituam à
solidão. Aquela canção de Brel, deixa-me
ser a sombra da tua sombra, a sombra da tua mão, a sombra do teu cão, mas não
me deixes.
Dizia-lhe que antigamente chorava, agora chora pouco e, por isso, a solidão
tornava-se mais incompleta. Arrastava-se tentando administrar a sua solidão.
São muitos e não imaginamos quantos.
A solidão não pára de crescer.
A remexer no baú de Natal deparou com o envelope contendo notícias de jornais. Notícias de desesperos, notícias de suicídios. Hesitou, não sabe bem porquê, em tocar no assunto. Por fim, resolveu-se. Porque o Natal não tem apenas o seu lado brilhante.
O recorte é do Diário de Lisboa de 27 de Dezembro de 1976 e a notícia é proveniente do Porto:
«António Manuel, de 14 anos, no dia de
Natal, lançou-se de uma janela do Coliseu do Porto, tendo sido conduzido ao
Hospital de Santo António sem fala e com várias fracturas.
O jovem, que é natural do lugar de Idanha, encontra-se numa fase de
recuperação, tendo começado já a articular algumas palavras»
O jornalista fechava assim a notícia:
«De acordo com estatísticas mundiais, a
quadra do Natal regista sempre uma subida de tentativas de suicídio, que alguns
psicólogos identificam com uma maior acuidade em relação à solidão em dias que
a maioria das pessoas se reúne para confraternizar.»
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