domingo, 28 de dezembro de 2025

MÚSICA PELA MANHÃ


Os perto de quarenta anos que trabalhou em shipping, deu-lhe para conhecer centenas de agentes, principalmente na Europa. Quando visitavam Lisboa levava-os aos locais obrigatórios e caprichava por outros, os que não estão nos roteiros. Quando os visitava eles faziam o mesmo, só que não caprichavam.

Dzintra Vilane, responsável pelo Departamento de Contentores da Latvian Shipping Company, dizia-lhe que quase conhecia meio mundo, mas que Lisboa se lhe afigurava das cidades mais difíceis de catalogar. Um gosto estranho que não sabia explicar uma, paixão de envolvimento fácil. Quando o visitava dizia-lhe: poupa-me pormenores e leva-me ao British Bar.

O British Bar foi um local em que ele caprichara. Conhecia alguns bares mas o British era aquele bar, tempo de longas conversas com quem ia aparecendo.


Certa vez Dzintra disse-lhe, que se ela mandasse colocava Strangers In the Night como audição obrigatória, e consequente aprendizagem e estudo em todas as escolas.

Achou a ideia bizarra, um exagero, mas a tarde corria mansa, relaxante, o gin estava a saber-lhe às mil maravilhas, e não quis estragar tudo isso com uma discussão que, inevitavelmente, conduziria a nada. Até porque Strangers in the night, diga-se it’s not your cup of tea, gosta de Sinatra mas prefere-o noutras canções, e de imediato trauteia Love’s been good to me, canção mesmo canção mas que poucos referem, ou então aquelas canções, de início de carreira, cheias de swing, quando Sinatra era solista de big bands , como a de Tommy Dorsey, um Sinatra com cara de miúdo e de lacinho.

Lembrou-se de tudo isto porque há dias, leu o pedaço de uma muito antiga entrevista de Gore Vidal, em que a determinada altura ele dizia que metade da actual população norte-americana deve ter sido concebida com um disco de Frank Sinatra a fazer de música de fundo.

Possivelmente quando mandar à Dzintra as saudações do Ano Novo, ela não quer saber do Natal para nada, mas o começo do novo ano, sim, é mesmo uma grande festa, dir-lhe-á desta ideia do Gore Vidal, lembrar-lhe-á a conversa sobre Strangers in The Night e enquanto escreve o postal beberá um grande gin e irá verificar que o tempo andou terrível e inexorável- mente muito depressa.

Saudades?

Não, antes recordações, um mar enorme, onde cada sussurro tem a beleza de um silêncio que se repete até mais não o ouvir.


Sem comentários: