Os
perto de quarenta anos que trabalhou em shipping, deu-lhe para conhecer
centenas de agentes, principalmente na Europa. Quando visitavam Lisboa
levava-os aos locais obrigatórios e caprichava por outros, os que não estão nos
roteiros. Quando os visitava eles faziam o mesmo, só que não caprichavam.
Dzintra Vilane, responsável pelo Departamento de Contentores da Latvian
Shipping Company, dizia-lhe que quase conhecia meio mundo, mas que Lisboa
se lhe afigurava das cidades mais difíceis de catalogar. Um gosto estranho que
não sabia explicar uma, paixão de envolvimento fácil. Quando o visitava
dizia-lhe: poupa-me pormenores e leva-me ao British Bar.
O
British Bar foi um local em que ele caprichara. Conhecia alguns bares mas o British
era aquele bar, tempo de longas conversas com quem ia aparecendo.
Certa vez Dzintra disse-lhe, que se ela mandasse colocava Strangers In the
Night como audição obrigatória, e consequente aprendizagem e estudo em
todas as escolas.
Achou a ideia bizarra, um exagero, mas a tarde corria mansa, relaxante, o gin
estava a saber-lhe às mil maravilhas, e não quis estragar tudo isso com uma
discussão que, inevitavelmente, conduziria a nada. Até porque Strangers in
the night, diga-se it’s not your cup of tea, gosta de Sinatra mas prefere-o
noutras canções, e de imediato trauteia Love’s been good to me, canção mesmo
canção mas que poucos referem, ou então aquelas canções, de início de carreira,
cheias de swing, quando Sinatra era solista de big bands , como a de
Tommy Dorsey, um Sinatra com cara de miúdo e de lacinho.
Lembrou-se de tudo isto porque há dias, leu o pedaço de uma muito antiga
entrevista de Gore Vidal, em que a determinada altura ele dizia que metade da
actual população norte-americana deve ter sido concebida com um disco de Frank
Sinatra a fazer de música de fundo.
Possivelmente quando mandar à Dzintra as saudações do Ano Novo, ela não quer
saber do Natal para nada, mas o começo do novo ano, sim, é mesmo uma grande
festa, dir-lhe-á desta ideia do Gore Vidal, lembrar-lhe-á a conversa sobre Strangers
in The Night e enquanto escreve o postal beberá um grande gin e irá verificar
que o tempo andou terrível e inexorável- mente muito depressa.
Saudades?
Não, antes recordações, um mar enorme, onde cada sussurro tem a beleza de um
silêncio que se repete até mais não o ouvir.

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