No café de aldeia, a mulher nova espera
que alguém chegue para tomar o café com ela. Não pediu
nada. Olha para fora, onde só as árvores se mexem
com o vento, e é como se não olhasse para sítio
nenhum. Na sua mesa de café de aldeia, sentada com o
jornal
de província à frente, de rosto fechado para todos
os que estão no café - e para mim, ao balcão, olhando
para ela enquanto acabo o café - a mulher
nova espera que um deus chegue para tomar
café com ela. É verdade que uma beleza estranha
envolve
o seu corpo; que as mãos têm as linhas puras de quem
não precisa de as gastar em trabalhos e estações; e
que
o seu rosto traz a luz obscura de quem sabe que tem todos
os desafios do amor para vencer. Hesito em pedir-lhe o
jornal, pousar a minha chávena de café na mesa ao
lado,
perguntar-lhe como se chama; e contar-lhe algumas
histórias
desta aldeia, para que ela se vá embora, esquecendo
esse deus que viria tomar café com ela. Mas
a mulher nova continua a olhar para a rua, onde
começou a
chover. E quando chove, num largo deserto de aldeia,
o ruído doce das gotas nos vidros até faz esquecer o
bater
das bolas, no bilhar ao lado, e a melancolia que
escorre
dos olhos da mulher nova que insiste em não abrir o
jornal
de província, em esquecer-se do encontro que está para
não acontecer, e em olhar para mim, que acabei de
pagar
o café e saio, para apanhar a chuva que começa
a cair com mais força no largo da aldeia.
Nuno Júdice de Teoria Geral do Sentimento em Poesia Reunida, Publicações D. Quixote, 2000
Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da fotografia.
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