quinta-feira, 6 de novembro de 2014

CHAMINÉS


Uma hora da noite. Sono. Antes de me deitar vou até à varanda da frente encher os pulmões de ar fresco.
No céu um enorme silêncio de estrelas… Pouca gente nas ruas. Frio. E um cheiro tão bom a lenha queimada que vem não sei de onde. Talvez dum acampamento de ciganos perto… Ou de alguma padaria. (Ainda se coze o pão em fornos de lenha como na minha infância?)
Pão… forno…
E, de súbito, uma recordação de chuva, fumarada, bosta, portas rangentes e o Alberto, o Augusto Miranda e eu aboletados numa casa de camponeses na Beira Baixa, durante a guerra civil de 1919, quando fazia parte do Batalhão Académico de Lisboa.
Suor de mulheres… E uma gorda, cara de lua cheia alegre a dizer para o Augusto na sua linguagem de olhos brilhantes:
- Quando se está ao pé de um forno, se um homem nos agarra é difícil resistir.

José Gomes Ferreira em Dias Comuns, Volume I, Publicações Dom Quixote, Lisboa, Outubro de 1990

Legenda: chaminé vista do alto da Bica.

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