quarta-feira, 12 de novembro de 2014

DESTE LADO ONDE



outrora foi aqui uma casa,
neste lado onde, nos anos da destruição, as mulheres sós
cantaram com voz doce,
o pão das primaveres breves.
outrora aqui foi a casa e uma terra de paixão,
quando era a ceifa,
neste lado onde, num outubro de silêncio, regressámos
para morrer,
malditos e quase nus;
era um lugar de fascínio este, verde e terrível nos
invernos violentos,
quando os exércitos regressavam dos continentes
desolados, depois do extermínio.
quem canta agora, à volta da casa que havia,
quase na margem sem nome,
quem canta entre as árvores estéreis,
onde a vida se despede?
mais além começa a estrada,
a que se alonga através da poeira vermelha,
a estrada que vai para longe,
onde nunca chegaremos.
já partiram um dia as embarcações guerreiras, as mulheres do trigo em
setembro
os viajantes enlouquecidos.
há muito que o vento deixou de varrer a encosta,
inclinando as vinhas, as urzes, os frutos e a solidão do
caminhante do meio-dia;
era então o vento seco, nem sempre frio, o vento estrangeiro
que não vinha do norte, mas do sul,
algures na planície antiga.
outrora aqui foi a casa, o vale sereno de antes da destruição,
quando todos partiram para as incendiadas terras do mundo
enquanto, deste lado, numa estação de silêncio, os homens
que fomos,
vencidos e calmos,
regressamos para morrer.

José Agostinho Baptista  deste lado onde

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