- Eu sei, disse o Carrilho. Tu, desde que perdeste
contacto com a rapaziada, desde, principalmente, que andas metido com esse teu
novo amigo, um tal Gomes Ferreira, doutor e poeta, não és mais o mesmo. Não é
com poesia que se defende a República.
- Sim, é um poeta. Mas republicano como nós…
- Mas não um poeta popular…
- A poesia, hoje, mudou muito. Não sei se vocês sabem…
- A poesia pode ter mudado, berrou o mesmo Carrilho,
mas o povo só se deixa arrastar por uma poesia falada na sua própria linguagem.
Sem literatura!
E O Pedro Lico, atiçado pelo Vasco Bulhões: - E você
sabe que esse seu novo amigo faz parte do grupo Seara Nova, de que fazem parte
o Raul Proença, o António Sérgio, o Câmara Reis, e outros assim, todos puros
burgueses, mais preocupados com cultura e classe literária, do que com os
verdadeiros problemas do povo?
E o Paulo Chaves, bem populista: - Sim, pá, nós somos
povo, os filhos da miséria e da falta de escolas…
- A verdade é que tu e o Gervásio têm-se afastado de
nós. Vocês têm outras ambições, não é?
- Quais?
- Sei lá. Em você talvez o desejo de casar rico. Você
não vai quase todos os dias almoçar com a Inês, a filha do nosso antigo chefe?
Agora ele está rico. E Lia, a irmã, riquíssima.
- E foi para dizerem cisas assim que vieram
procurar-me aqui, no Tribunal de Contas?
- Talvez. Contas nós temos sempre que ajustar pela
vida fora…
Chianca de Garcia em Cartas do Brasil.
Fotografia tirada de José Gomes Ferreira-Uma Sessão Por Página,
edição da Cinemateca Portuguesa, Lisboa, Junho 2000.
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